Descrição de chapéu Lava Jato

Forças-tarefas dizem que nova portaria aumenta acesso de Aras a material sigiloso

Para integrantes do MPF, medida pode dificultar acordos de delação; segurança jurídica e sigilo não são afetados, diz PGR

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Brasília

Integrantes das forças-tarefas da Lava Jato temem o acesso ilimitado a informações em trâmite no MPF (Ministério Público Federal) que o procurador-geral da República, Augusto Aras, passa a ter a partir de portaria publicada por ele nesta quinta-feira (16).

Sob a justificativa de dar mais “transparência” ao Único, sistema eletrônico onde tramitam os documentos e processos judiciais e extrajudiciais do Ministério Público Federal, Aras alterou as regras de acesso.

Para procuradores da República consultados pela Folha, a medida representa um risco à independência funcional dos integrantes do MPF.

Aras afirma que as mudanças não afetam a segurança jurídica e a necessária preservação do sigilo —questionada pela reportagem sobre os riscos apontados, a PGR não se manifestou.

Esse é mais um episódio na crise que se instalou no órgão nas últimas semanas. Aras tem sido acusado por integrantes da força-tarefa da Lava Jato de desrespeitar a autonomia dos procuradores.

A portaria de Aras sobre o Único acaba com o controlador, uma ferramenta do sistema eletrônico que possibilitava restringir a um número reduzido de pessoas o acesso a informações confidenciais —por exemplo, as delações premiadas em negociação.

De acordo com o procurador-geral, o controlador tinha poder para barrar no sistema “autoridades que, por força legal e normativa, devem poder acessar qualquer expediente dentro de sua esfera de atribuição, quando houver justificativa legal”.

Entre as autoridades, chamadas de delegantes, estão o próprio procurador-geral, a corregedora-geral do MPF e os coordenadores das câmaras de coordenação e revisão. Vinculadas à PGR (Procuradoria-Geral da República), as câmaras revisam atos dos procuradores.

Pela portaria, entendem procuradores, a atuação dessas autoridades delegantes deve se restringir às unidades às quais estão vinculadas.

O problema, dizem eles, é a interpretação de unidade que tem sido feita por Aras como parte da justificativa para acessar dados reunidos pelas forças-tarefas da Lava Jato. O procurador-geral tem dito que o MPF é um só. Em tese, o raciocínio poderá ser aplicado ao Único.

Na semana passada, a pedido de Aras, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, determinou o compartilhamento de informações da Lava Jato.

O Único armazena todos os documentos em tramitação no MPF, desde procedimentos extrajudiciais, como inquéritos civis e notícias de fato, até propostas de colaboração premiada ou leniência, incluindo os anexos que são apresentados pelos interessados.

Bastará ao procurador-geral e aos coordenadores de câmaras, afirmou um integrante de força-tarefa, um clique para que possam ver quem está negociando um acordo de delação, em que termos e quais anexos estão sendo apresentados.

Um integrante do MPF ouvido pela Folha questiona qual colaborador ou empresa leniente aceitaria negociar com um procurador da República sabendo dessas condições. As novas regras do Único, segundo ele, interferem na previsão legal de confidencialidade nas negociações dos acordos.

De acordo com a lei 12.850, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, “o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade”.

As regras de acesso ao sistema agora alteradas por Aras estavam em vigor desde 2017, quando o Ministério Público Federal era comandado por Rodrigo Janot.

Existem três níveis de acesso no Único: 1) normal, no qual há visibilidade ampla e qualquer usuário do sistema pode acessar; 2) reservado, no qual todas as pessoas lotadas no setor em que o expediente tramita podem acessá-lo; e 3) confidencial, no qual só podem acessar o expediente as pessoas a quem foi expressamente atribuída a visibilidade.

A funcionalidade do controlador foi criada em junho de 2014, também durante a gestão de Rodrigo Janot, época das primeiras fases da Lava Jato.

A portaria publicada por Aras elimina o controlador, mas mantém os três níveis de acesso originalmente estabelecidos no sistema.​

Segundo a PGR, não há que se falar em "bisbilhotagem" já que ficará registro de todas as atividades dentro do Único.

O procurador-geral poderá acessar o sistema e ver o índice do acervo de documentos que tramitam em todos o país. Mas se abrir, inserir ou extrair documentos de uma investigação ou delação, por exemplo, o responsável por ela ficará sabendo.​

“O sistema Único é adequado para as mudanças promovidas porque manterá os registros de todos os acessos e concessões de visibilidade a expedientes reservados e confidenciais, mesmo quando partirem das mais altas autoridades do MPF”, afirmou a PGR.

No mesmo ato desta quinta-feira, Aras revogou outro trecho da portaria de Rodrigo Janot que possibilitava que usuários deixassem de cadastrar no sistema oficial documentos e peças que considerassem sensíveis, segundo avaliação pessoal.​

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