O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) retomará no começo da noite desta terça-feira (18) julgamento sobre a possibilidade de caracterizar o abuso de poder religioso durante o processo eleitoral.
A discussão foi levantada pelo ministro do TSE e do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin e prevê punição, que pode chegar à cassação de mandato, para candidatos que se aproveitarem da religião a que pertencem para influenciar o voto de fiéis.
A proposta, no entanto, criou desgaste na relação com o Congresso a poucos meses das eleições municipais, além de enfrentar resistência dentro do próprio TSE.
Prova disso é que dois ministros já se posicionaram contra a ideia. Ainda faltam votar outros quatro.
Fachin, no entanto, não desistiu e ainda tenta emplacar sua proposta. Isso ficou claro na última quinta-feira (13), quando o ministro fez questão de reiterar sua posição, apesar de já ter votado sobre o caso.
O magistrado também não cedeu à pressão da bancada evangélica no Congresso, que tenta evitar a criação do abuso de poder religioso.
Há duas semanas, Fachin teve uma reunião tensa por videoconferência com parlamentares e representantes da Associação Nacional de Juristas Evangélicos. O magistrado ouviu as ponderações e pouco falou durante o encontro, mas deputados e advogados presentes fizeram duras crítica ao voto do ministro.
Segundo eles, a iniciativa de Fachin viola pactos internacionais de direitos humanos por desrespeitar a liberdade religiosa e caracteriza ativismo judicial por não haver uma lei que preveja o abuso de poder religioso.
O voto de Fachin foi dado em 25 de junho, e o julgamento foi interrompido após pedido de vista do ministro Tarcísio Vieira de Carvalho. Já naquela oportunidade as resistências começaram a ficar mais claras.
Mesmo após Carvalho ter solicitado mais tempo para analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes pediu para antecipar seu voto e divergiu de Fachin.
"Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições", disse o magistrado.
Leia a seguir perguntas e respostas para entender o caso.
Qual é o placar atual e a tendência de resultado final no TSE? Fachin votou pela criação do abuso de poder religioso, e os ministros Alexandre de Moraes e Tarcísio Vieira de Carvalho divergiram. Ainda faltam quatro votos.
Parlamentares com força religiosa dizem acreditar que a pressão imposta aos magistrados que ainda não se posicionaram pode fazer prevalecer a divergência em relação a Fachin.
Deputados lembram da vinculação da bancada evangélica com o governo Jair Bolsonaro e apostam as fichas nos votos dos dois ministros do TSE oriundos da advocacia e dos dois do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que dependem de Bolsonaro para alçar voos maiores nos tribunais de Brasília.
Como o caso chegou ao TSE? O caso concreto trata de uma vereadora de Luziânia (GO). Pastora da Assembleia de Deus, Valdirene Tavares dos Santos é acusada de usar sua posição na igreja para promover sua candidatura e influenciar o voto de fiéis.
Fachin votou para absolver a vereadora por considerar que não há elementos suficientes para cassá-la. No entanto o magistrado defendeu que a corte deve criar um precedente que autorize a cassação por abuso de poder religioso no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral.
Qual o argumento de Fachin? Para o ministro, o respeito ao princípio da liberdade de escolha e a preservação da igualdade de oportunidades entre os candidatos “deve incidir sobre qualquer pessoa ou entidade que se encontre em situação de exercer influência sobre o eleitorado”.
Assim, Fachin defendeu que a influência de associações religiosas no processo eleitoral deve ser observada com atenção, “tendo em consideração que as igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para amainar a liberdade para o exercício de sufrágio e debilitar o equilíbrio entre as chances das forças em disputa”.
Se for criado, o abuso de poder religioso já valeria para o pleito deste ano? Caso prevaleça o voto de Fachin, o precedente pode ser aplicado no pleito deste ano. O ministro, porém, ressaltou que a regra não valeria para anos anteriores “devido ao caráter inovador da compreensão”.
O que está na lei atualmente? Hoje, há dois tipos de ação que podem levar à cassação da chapa: as Ações de Investigação Judicial Eleitoral e as Ações de Impugnação de Mandato Eletivo. Ambas tipificam apenas crimes de abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação.
O TSE extrapolaria seus poderes se criasse o abuso de poder religioso? Esta é a tese central de líderes do Congresso contrários à tipificação do abuso de poder religioso nas eleições.
Para a bancada evangélica, como não há na lei previsão para punições desta natureza, uma decisão do TSE nesse sentido caracterizaria ativismo judicial, nome dado às situações em que o Judiciário invade as competências do Congresso para legislar. Esta visão, inclusive, foi exposta por Alexandre de Moraes ao divergir de Fachin.
Há especialistas, no entanto, que divergem dessa tese. O professor e doutor em direito constitucional Ademar Borges, por exemplo, lembra que o TSE impõe inúmeras outras restrições às campanhas que não foram aprovadas pelo Congresso.
“O número de restrições legais é pequeno em comparação com a quantidade de restrições às campanhas criadas pelo próprio TSE. No geral, é preciso que tenha lei, mas o aspecto da legalidade estrita já é relativizado na Justiça Eleitoral pela quantidade enorme de resoluções que determinam regras para o pleito.”
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.