O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinava o compartilhamento de dados da Lava Jato com a PGR (Procuradoria-Geral da República).
Toffoli havia dado a decisão no início de julho porque, durante o recesso do Judiciário, o presidente do Supremo fica responsável por todos os processos que chegam ao tribunal.
Com o retorno dos trabalhos nesta segunda-feira (3), Fachin reassumiu o caso e reverteu a decisão do colega. Agora, cabe a Toffoli decidir se leva o tema para julgamento no plenário do STF. A PGR informou que recorrerá da decisão de Fachin.
Um integrante da PGR ouvido pela Folha afirmou que a decisão desta segunda-feira foi animadora para a maioria preocupada com os sinais de desestruturação das forças-tarefas.
Com a decisão de Fachin, a PGR não poderá mais usar os elementos colhidos para abrir procedimento disciplinar contra os procuradores, por exemplo. O ministro do STF também determinou que o processo não deve mais correr sob sigilo.
A ordem de Fachin tem efeito retroativo, o que invalida as providências já tomadas pela PGR, a partir do que havia decidido Toffoli.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia enviado integrantes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, vinculada ao seu gabinete, para buscarem dados da Lava Jato nas forças-tarefas de Curitiba, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Em Curitiba, devido ao grande volume de dados, o trabalho levaria até um mês. A PGR não informou o status das atividades no Rio e em São Paulo. O trabalho de intercâmbio dos dados envolve informações sigilosas.
A relação entre a PGR e a Lava Jato ficou mais tensa após a decisão de Toffoli. Aras afirmou em uma videoconferência, na semana passada, que o trabalho da operação não tem transparência.
"Não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos, com caixas de segredos. Todo o MPF, em seu sistema único, tem 40 terabytes. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositados. Ninguém sabe como [esse nomes] foram escolhidos, quais foram os critérios", disse Aras.
O ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro rebateu essa declaração de Aras e disse que "desconhece segredos ilícitos" da operação.
A ofensiva do procurador-geral da República contra a operação foi reforçada, inclusive, com a saída de Moro do governo federal, em abril, após se desentender com o presidente Jair Bolsonaro.
A solicitação da PGR para ter acesso aos dados foi feita em 13 de maio. A Procuradoria-Geral deixou para o início do recesso, porém, para entrar com uma ação no STF pedindo que a Lava Jato fosse obrigada a compartilhar os dados. E Toffoli, que respondia pelo tribunal no recesso, atendeu à solicitação.
Desde o início, porém, ministros do Supremo mais alinhados à Lava Jato criticaram nos bastidores o despacho de Toffoli. Esses magistrados consideraram que a ordem do presidente do STF foi muito ampla e não respeitou a jurisprudência atual sobre a necessidade de indicação de fatos e pessoas específicas para justificar o acesso a dados sigilosos.
Fachin deixou isso claro na decisão de 16 páginas publicada nesta segunda-feira. O ministro afirmou que o princípio da unidade do Ministério Público, alegado pela PGR e reforçado por Toffoli, não permite o intercâmbio de provas entre os membros da carreira.
Quando o STF declarou o princípio da unidade do Ministério Público, diz Fachin, a questão do compartilhamento de provas não havia sido discutida.
Fachin rechaçou o argumento de princípio de unidade usado pelo procurador-geral da República para tentar acessar os dados da Lava Jato. Aras mencionou uma ação ajuizada contra decisão do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) que disciplinou a remoção, por meio de uma permuta nacional, entre membros de Ministérios Públicos das diferentes unidades da federação.
"Decisão sobre remoção de membros do Ministério Público não serve, com o devido respeito, como paradigma para chancelar, em sede de reclamação, obrigação de intercâmbio de provas intrainstitucional. Entendo não preenchidos os requisitos próprios e específicos da via eleita pela parte reclamante."
O ministro alega ainda que a possibilidade de a Lava Jato ter investigado foro especial e usurpado a competência da PGR e do STF não justifica a decisão de Toffoli. Segundo ele, o tema já é tratado em outra ação, que corre sob sigilo.
No meio político, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), investigada na Lava Jato, usou as redes sociais para afirmar que a decisão de Fachin é descabida.
“Está claro que a República de Curitiba atuava como polícia política, investigava 38 mil pessoas sem critérios e tem 50 mil documentos em segredo, atuando com parcialidade. Qual o interesse em manter essa caixa-preta?”, questionou.
Apoiador da Lava Jato, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que Edson Fachin corrigiu “o absurdo articulado por Aras e Toffoli”. “É preciso garantir a continuidade do combate à corrupção", disse. “O sistema sujo não vai desistir. Outras tentativas virão, mas vamos combater a impunidade com todas as forças.”
Embate com a Lava Jato
A disputa entre a cúpula da Procuradoria-Geral e a força-tarefa em primeira instância tornou-se pública após visita a Curitiba no fim de junho da subprocuradora Lindora Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR e uma das principais auxiliares de Aras.
Os procuradores a acusaram de tentar manobrar para ter acesso a bancos sigilosos de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativas para a tomada dessa providência. Uma reclamação foi encaminhada à corregedoria do MPF.
A PGR, por sua vez, apresentou ação ao STF na qual relata que expediu um ofício às forças-tarefas do MPF nas três capitais “com o objetivo de obter as bases da dados estruturados e não estruturados utilizadas” pelos investigadores. Porém os procuradores se negaram a atender a solicitação.
A Procuradoria-Geral sustenta que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Aras, o que inclui zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos e coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualmente sobre qual esfera toca determinadas investigações.
Durante o recesso do Judiciário, ao dar decisão favorável, Toffoli ressaltou que a postura da Lava Jato viola o princípio da unidade do Ministério Público, além de ferir a competência do Supremo para supervisionar investigações relativas a autoridades com foro.
Segundo a PGR, há “elementos de informação em trânsito na Lava Jato” relativos aos presidentes da Câmara e do Senado “cujos nomes foram artificialmente reduzidos em tabelas acostadas à denúncia apresentada ao Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba”.
Assim, disse Toffoli, é necessário impedir essa investigação “no seu nascedouro”. “Aliás, o que se busca garantir, além da preservação da competência constitucional da corte, é o transcurso da investigação sob supervisão da autoridade judiciária competente, de modo a assegurar sua higidez."
O presidente do Supremo apontou que é evidente a necessidade do “imediato intercâmbio institucional de informações, para oportunizar ao Procurador-Geral da República o exame minucioso da base dados estruturados e não-estruturados colhidas nas investigações”.
No processo foi anexado um relatório da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, ligada à PGR, que apontou que os locais usados pela força-tarefa do Paraná para guardar as informações da Lava Jato têm “estrutura inadequada para o armazenamento de evidências”.
A análise foi feita durante visita que Marcelo Caiado, assessor-chefe da secretaria, fez no dia 21 de julho ao edifício Patriarca, em Curitiba, onde ficam armazenados os documentos.
“Observa-se que o material apresentado se encontrava acondicionado em caixas, envelopes e em armários, de forma bastante precária”, escreveu o técnico sobre a sala Ópera de Arame, no sexto andar do prédio, onde parte do material está guardado.
Durante o procedimento para a extração de cópia de arquivos, afirmou Caiado, “ocorreram erros em algumas mídias que impossibilitaram a geração da cópia, potencialmente em função de um armazenamento inadequado”.
No oitavo andar, outro pavimento usado pela força-tarefa para o armazenamento de dados, foi constatada “infraestrutura de rede totalmente inadequada”.
E no segundo andar, acrescentou Caiado, “existe uma possibilidade que, em tese, pode permitir o acesso pela janela externa por algum invasor”.
O assessor-chefe da secretaria concluiu que a PGR em Brasília tem condições de armazenar os dados da força-tarefa “de forma mais segura do que aquele observado no edifício Patriarca”.
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