Descrição de chapéu Eleições 2020 cracolândia

Cracolândia de SP volta ao centro do debate eleitoral com promessas e ataques

Candidatos Arthur do Val (Patriota) e Joice Hasselmann (PSL) foram criticados por terem feito vídeos no local

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São Paulo

A última vez que um político anunciou o fim da cracolândia foi em maio de 2017, quando o então prefeito João Doria (PSDB) declarou que a ocupação dos quarteirões do centro de São Paulo por usuários de crack havia sido extinta por uma megaoperação.

Pouco mais de três anos depois, apesar de não mais com um quarteirão inteiro dominado por uma facção criminosa, a cracolândia continua lá. E foi arrastada para o debate das eleições deste ano, com novas promessas para o fim de um problema que já derrotou tantos prefeitos paulistanos.

Arthur do Val (Patriota) vem explorando o assunto por meio de vídeos e polêmicas. Influenciador digital, ele tem 3,3 milhões de inscritos no YouTube.

Com uma câmera escondida, Arthur entrou na cracolândia ao lado do candidato a vereador Comandante Braga (Patriota), que atuou na Guarda Civil Metropolitana (GCM) por quase 30 anos. Em outro vídeo, flagrou um confronto entre a guarda e usuários de drogas.

Arthur fez ainda a promessa de mudar a sede da prefeitura para a cracolândia, caso seja eleito, até que a situação seja resolvida. E passou a criticar ONGs (acionou o Ministério Público contra uma delas) e o padre Julio Lancellotti, responsável pela Pastoral do Povo de Rua.

"No centro do coração da cidade, temos um ponto onde a lei não existe. [...] Aí, ó, padre Julio Lancellotti, o que você está fomentando", diz o candidato em um dos vídeos.

Na visão de Arthur, o trabalho social do padre dá condições para que as pessoas continuem na rua reféns do tráfico. Ele nega que a crítica seja direcionada à Igreja Católica e rechaça a ideia de que suas falas incentivem ameaças como as que Lancellotti disse ter sofrido nos últimos dias.

O candidato rebate acusações de que sua ação na cracolândia seja marqueteira, característica que vê nos outros. "O maior desafio não é técnico, é midiático. Existem pessoas que vão lá na cracolândia pagar de boas samaritanas e não fazem um bom trabalho", diz.

Uma das propostas de Arthur é descentralizar os equipamentos públicos para que os usuários possam ser atendidos na periferia, onde têm seus vínculos familiares. Também planeja a prisão de traficantes, a internação compulsória, a reurbanização da área e ações de zeladoria.

O candidato à Prefeitura de São Paulo Arthur do Val (Patriota) com o candidato a vereador Comandante Braga (Patriota), na cracolândia - Reprodução/YouTube Mamaefalei

Em reação, outros candidatos —como o prefeito Bruno Covas (PSDB), Jilmar Tatto (PT), Guilherme Boulos (PSOL) e Márcio França (PSB)— saíram em defesa do padre.

A visita de Joice Hasselmann (PSL) à cracolândia em 7 de setembro também foi ruidosa. A deputada federal e postulante a prefeita foi criticada por aparecer ao local de salto alto, com equipe de filmagem e cabeleireiro, pronta para gravar uma propaganda.

Seus adversários a acusaram de se preocupar com sua imagem e não com a miséria. "Eu fui exatamente como eu sou. Não sou uma farsa. Eu não vou me fantasiar de 'noia' ou de gari para fingir ser o que eu não sou", afirma a candidata, em crítica ao governador Doria.

A campanha de Joice conseguiu ainda uma decisão judicial para remover da internet vídeos que a acusavam sem comprovação de ter contratado atores para se passarem por mendigos.

A deputada afirma que dá para resolver a cracolândia e que o fará no primeiro ano de mandato, mas adota tom de cautela —não promete uma erradicação.

Para ela, o trabalho das igrejas é essencial. Joice afirma que o padre Julio é bem-vindo, apesar de associá-lo à esquerda e criticá-lo por "não oferecer uma porta de saída" ao usuário. Ela promete prender traficantes e fazer internações compulsórias.

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A candidata à Prefeitura de São Paulo Joice Hasselmann (PSL) tem o cabelo arrumado enquanto grava vídeo na cracolândia - Reprodução Twitter de Eduardo Bolsonaro

A GCM, ligada à prefeitura, pode eventualmente fazer prisões, mas a função de investigar e prender traficantes é da Polícia Civil, enquanto a Polícia Militar atua ostensivamente. Ambas são vinculadas ao governo estadual.

A respeito de internações forçadas, uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro permite que servidores públicos solicitem o procedimento, algo antes autorizado só pelas famílias.

A cracolândia já passou por várias ações policiais, que fizeram usuários de crack se espalharem pela cidade, dando uma falsa impressão de que o problema havia diminuído. No quesito tratamento, o assunto costuma ser polarizado entre a manutenção de abstinência e a redução de danos (quando se privilegia melhorar a qualidade de vida dos usuários), gerando descontinuidade de políticas.

​Em meio às promessas de campanha, dois candidatos que já estiveram a cargo da cracolândia na administração municipal afirmam terem conseguido quase erradicar o número de usuários e culpam gestões posteriores pela piora.

​"Diferentemente dos outros que foram ver, quando eu fui subprefeito [da Sé, entre 2005 e 2009], eu vivi isso", afirma Andrea Matarazzo (PSD). "Qualquer um que falar que vai resolver, sem se aprofundar, vai quebrar a cara. Eu apanhei muito lá e aprendi estudando. ​​Resolvi uma vez e vou resolver de novo."

O candidato também é a favor da internação compulsória.

Filipe Sabará (Novo), que foi secretário de Assistência Social da gestão Doria na prefeitura, quer retomar o Trabalho Novo, projeto que empregou moradores de rua em empresas privadas. O programa foi finalizado em 2019 sem cumprir a meta de 20 mil empregos —foram firmados 2.600 contratos.

Sabará aparece numa foto com Doria na época em que o então prefeito decretou o fim da cracolândia. Na ocasião, uma operação policial do governo estadual pulverizou moradores de rua por 23 locais do centro.

"Acho triste ver candidatos que nunca se preocuparam com vulneráveis usarem a fragilidade dos outros como palco e palanque eleitoral. Frequento a região há mais de 15 anos. Respeito muito o trabalho do padre Julio e acredito que ele também tem carinho por mim", diz Sabará.

A candidatura do Novo está temporariamente interrompida por decisão do conselho de ética do partido, que aplicou uma suspensão a Sabará após receber denúncias de filiados.

Uma das bandeiras de Doria consistia em tentar internar usuários de drogas à força para garantir a abstinência, o que a Justiça vetou. Ele encerrou o programa de Fernando Haddad (PT), o De Braços Abertos, que dava um auxílio em dinheiro para usuários de crack, uma medida de redução de danos.

O atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), mudou os planos de Doria e resgatou a ideia de dar uma bolsa-auxílio aos usuários, mas em moldes diferentes. Eles recebem R$ 731,46 para 20 horas semanais de capacitação e trabalho. Sua atuação também investe em acolhimentos terapêuticos, com cinco espaços voltados a esse atendimento.

“A meta da prefeitura é reduzir em 80% o número de usuários nas ruas na região da Luz e oferecer apoio médico, psicológico e social”, afirma a campanha de Covas, em nota.

A equipe do tucano também cita o aumento de 53% dos moradores de rua, o que se reflete na cracolândia. “No ano passado foi inaugurado o primeiro conjunto habitacional para essa população e mais de 250 unidades habitacionais foram entregues somente na região central", diz a nota.

A gestão Covas sofre críticas em consequência de abusos de guardas-civis contra usuários de drogas.

Candidato mais bem colocado na campo da esquerda, Boulos aposta na ampliação da rede de atendimento ambulatorial e psicológico.

“Vamos criar centros de convivência, cuidado integral e direitos humanos, bem como programas de acolhimento e inserção no mercado de trabalho para usuários de drogas em tratamento”, afirmou o coordenador da campanha de Boulos, Josué Rocha.

Tatto quer retomar o projeto petista De Braços Abertos. Seu programa fala em aumentar a verba para assistência social e envolver a GCM em diretrizes de direitos humanos.

Marina Helou (Rede) também quer retomar o programa de Haddad. "Essa falta de continuidade dos programas a cada quatro anos impede resultados. É preciso ter convivência e acolhimento", diz a candidata, que pretende se espelhar no exemplo do combate à pandemia de heroína na Suíça.

Márcio França também fala em parcerias com ações de igrejas. "Dar atendimento especializado, combater o crime que se aproveita do vício, resgatar as pessoas com tratamento, capacitação e tentar incluí-las no mercado de trabalho", diz.

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