Grande SP vive apagão de mulheres eleitas; Cotia só escolhe homens há 32 anos

Candidatas desafiam histórico de baixa representatividade na região, onde mulheres são apenas 8% dos vereadores

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Girrana Rodrigues Halitane Rocha Katia Flora
São Bernardo do Campo e Cotia | Agência Mural

A última vez que Cotia, na Grande São Paulo, elegeu uma mulher vereadora, o Brasil ainda vivia os últimos momentos da ditadura militar.

O ano era 1982 e, entre os 15 eleitos, estavam Gilda Pompeia (então no PMDB) e Sonya Gaioto (PT). De lá para cá, duas suplentes chegaram a assumir uma vaga nessas quatro décadas, mas nenhuma mulher foi eleita desde o pleito seguinte, em 1988.

A situação de Cotia, cidade de 250 mil habitantes, não é incomum em Câmaras Municipais da Grande São Paulo. Ao todo, 12 cidades não elegeram nenhuma mulher para os Legislativos em 2016.

Das 664 cadeiras nos 39 municípios, apenas 56 (8%) são de vereadoras, proporção menor do que a média nacional (13%). No caso do comando das prefeituras, são 3 prefeitas nas 39 cidades.

Entre os fatores que levam ao baixo número de legisladoras está a forma como os partidos funcionam, avalia a cientista política e professora da Universidade Federal de São Carlos Maria do Socorro Sousa Braga.

Ela cita o grande número de siglas comandadas por homens. “São verdadeiras oligarquias que controlam essas máquinas."

Segundo levantamento recente feito pela Folha, só 1 dos 33 partidos no país tem mais mulheres do que homens em seu diretório nacional, o PMB (Partido da Mulher Brasileira), com um percentual de 54%. Na outra ponta, legendas como Novo, PCB e PCO têm menos de 20% dos cargos internos ocupados por representantes femininas.

A professora Maria do Socorro também aponta a falta de atrativos para a entrada na política. “As mulheres estão lutando por espaços para receber salários iguais aos dos homens. Elas acabam preferindo continuar tentando crescer na carreira profissional a deixar isso tudo para tentar um cargo político, dada a competitividade que é muito alta no Brasil."

Candidata a vereadora em Cotia pelo PT, Olympia Navasques, 55, tem avaliação semelhante. Mas cita que o fato de as mulheres se desdobrarem entre vida pessoal e profissional também é uma barreira. “A divisão desigual do trabalho doméstico não favorece a participação da mulher na política."

“As mulheres das periferias estão mais preocupadas em sobreviver do que participar da política e aí parece que os debates são mais elitizados e isso me angustia muito.”

Olympia disputará a segunda eleição consecutiva e diz que há urgência em levar para o Legislativo pautas para o apoio às mulheres vítimas de violência doméstica.

Filiada ao PT há 30 anos, iniciou a vida política na adolescência, se engajou nas Diretas Já e, desde então, atua no movimento pela igualdade de gênero e socioambiental.

O PT de Cotia decidiu no último fim de semana ter candidato próprio à prefeitura, com o lançamento de José Geraldo de Souza, o Zé do Boné. Desde o começo do mandato, contudo, fez parte da base do prefeito Rogério Franco (PSD), que reuniu um grupo que tinha partidos como PT e PSDB no mesmo governo.

Franco, que disputa a reeleição, anunciou Angela Maluf (PV) como candidata a vice, suplente na última eleição e que chegou a assumir por um ano o cargo de vereadora.

“Me preocupa se é por competência ou por moda”, afirma a candidata a vereadora Lyli Martins (PSC), da coligação do candidato de oposição Wellington Formiga (PSB).

Lyli diz acreditar que a limitação das pautas, como falar apenas de violência doméstica, atrapalha na inclusão das mulheres na política. Apesar disso, percebe também a diferença de tratamento no meio político. “Tenho que provar duas vezes a minha competência."​

Cenário semelhante a Cotia vive o ABC Paulista, onde quatro cidades não têm mulheres no Legislativo.

No caso de São Bernardo do Campo, por exemplo, a vereadora e candidata à reeleição Ana Nice Martins (PT) é a única mulher a ocupar uma das 28 cadeiras da Câmara Municipal.

“O pessoal se refere a você não como autoridade política da cidade, mas como uma figura feminina. Teve colega que falou, porque eu sou negra e por causa do meu cabelo: ah, Globeleza."

Ana Nice diz que logo no início do mandato o então presidente da Câmara Pery Cartola (PSDB) tentou emplacar um código de conduta, que recomendava esmaltes e batons claros. “Esmalte vermelho não podia." No final, o vereador recuou e editou outro manual.

“A gente tenta o tempo todo usar a tribuna e, na maioria das vezes, é cortado o microfone”, diz. “Você acaba muito isolada para fazer a discussão da inclusão."

Apesar das dificuldades, ela comemora a aprovação do projeto de lei 6.634, que dispõe sobre diretrizes municipais de combate à violência contra as mulheres.

O tema também é considerado um dos principais em Taboão da Serra, cidade que foge à regra. A Câmara Municipal é composta por 13 vereadores, sendo 4 mulheres (30,8%): Joice Silva (PTB), Érica Franquini (PSDB), Rita de Cássia (PSDB) e Priscila Sampaio (Republicanos).

No entanto, Priscila anunciou que não disputará o pleito em 2020. Todas foram eleitas junto à base do atual prefeito, Fernando Fernandes (PSDB), reconduzido em 2016 para o quarto mandato. Duas delas, Érica e Rita, vieram da área da saúde.

Se reeleita, Joice chegará ao terceiro mandato, seguindo os passos da mãe, a ex-vereadora Arlete Silva, que esteve no Legislativo de Taboão por três períodos.

A vereadora do PTB foi também a primeira mulher presidente da Câmara da cidade. "É um grande avanço, mas precisa mudar muito”, afirma. “É uma vitória ter quatro mulheres vereadoras na cidade, mas esse número poderia ser maior."

"Será necessário se reinventar", avalia Érica, que também disputará o terceiro mandato. "Não encontrei resistência para trabalhar, ao contrário, sempre tive apoio para a aprovação dos meus projetos de lei."

Rita também é otimista. Afirma que a sociedade está em busca de mais vozes femininas na política. “A mulher demonstra confiabilidade para a população."​

Se a presença nas Câmaras Municipais é pequena, no cargo de chefe do Executivo a situação é ainda pior.

Atualmente, há apenas três prefeitas na Grande São Paulo: Renata Sene (Republicanos) em Francisco Morato, Fábia Porto (Republicanos) em Santa Isabel, e Maria Lucia em Embu Guaçu (PSB) —esta última porém, desistiu de disputar a reeleição.

Rafaela Bolani, 21, quer fugir à essa regra em Diadema. Candidata pelo PSOL, ela tem a idade mínima permitida para entrar na disputa e participou da ocupação de uma escola estadual em 2015, quando estudantes do ensino médio protestavam contra a reorganização proposta pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Questionada sobre a razão de se candidatar à prefeitura, Rafaela afirma que “quer ser um espelho para outras mulheres que têm essa vontade de sair candidata, de encarar a política com outros olhos”. Ela afirma que, se eleita, no mínimo 50% das secretarias serão destinadas a mulheres.

Além dela, também é candidata à prefeitura Denise Ventrice (PRTB), que já foi vereadora. Para ela, “os partidos veem as mulheres como cota e infelizmente foi o resultado que acabou se dando para o município”.

Ventrice diz apostar em sua carreira política e critica o fato de a Câmara de Diadema ser uma das que não têm mulheres representando a população.

“A Câmara de Diadema tem se mostrado inoperante, a gente sabe que a participação da mulher, em qualquer atividade que seja, empresarial, comercial, faz toda uma diferença”.

Na disputa pela prefeitura, o prefeito Lauro Michels (PV) tenta emplacar como sucessor o vereador Revelino Almeida (DEM), conhecido como Pretinho. Também são candidatos o ex-prefeito José Fillipi (PT), Ricardo Yoshio (PSDB), Taka Yamauchi (PSD) e Ronaldo Lacerda (PDT).

Erramos: o texto foi alterado

A reportagem afirmou incorretamente que ocorreu eleição municipal em Cotia em 1985. A data correta é 1988. O texto foi corrigido.

 

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