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Russomanno acumula condenações por constranger na TV e leva bronca de juízes

Ao votar por indenização, desembargadora disse que deputado acirra litígios em programa

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São Paulo

Trunfo eleitoral e trampolim da carreira política, a atuação na televisão tem rendido uma série de problemas judiciais para o candidato a prefeito de São Paulo Celso Russomanno (Republicanos), também apresentador da Record.

O deputado foi condenado por danos morais, juntamente com a emissora, em ao menos três ações nos últimos três anos movidas por pessoas mostradas na "Patrulha do Consumidor", quadro em que questiona empresas e prestadores de serviços a respeito de reclamações enviadas por telespectadores.

Uma dessas ações já teve seus recursos esgotados e obrigou a Record a pagar no ano passado mais de R$ 30 mil de indenização a um ex-funcionário das lojas Telhanorte.

O ex-empregado diz ter sido humilhado ao atender a equipe de filmagem com a exposição em rede nacional e contou que foi demitido por causa do episódio.

Nas condenações, juízes ainda repreenderam os métodos de abordagem do apresentador. "Produção de matéria televisiva de cunho sensacionalista" e exposição "a fim de garantir os índices de audiência a qualquer preço" são algumas das expressões usadas pelos magistrados.

Em comum, os autores dos pedidos de indenização dizem que foram xingados ou constrangidos nas redes sociais após aparecerem no programa e que suas reputações profissionais sofreram danos por causa das gravações.

Duas condenações ainda serão discutidas em segunda instância. A reportagem localizou na Justiça de São Paulo outros cinco pedidos de indenização ainda pendentes de julgamento definitivo, sendo que dois deles já foram negados em primeiro grau.

O mote de defesa do consumidor na TV deu projeção nacional a Russomanno a partir do início dos anos 1990 e o ajudou a ser eleito deputado federal pela primeira vez em 1994, à época pelo PSDB.

Em paralelo à carreira política, o hoje candidato a prefeito manteve sua atuação televisiva. Nas eleições municipais de 2016, seu histórico nas telas se tornou uma vidraça política. À época, viralizou um vídeo gravado em 2005 no qual bateu boca com atendentes de um supermercado, ao exigir que produtos como rolos de papel higiênico fossem vendidos de maneira unitária, e chamou a Polícia Militar.

No único debate realizado na campanha deste ano, foi questionado a respeito daquele vídeo pelo candidato Guilherme Boulos (PSOL).

O episódio que provocou a condenação em segunda instância foi ao ar em 2015. Na ocasião, o deputado foi a uma loja da Telhanorte em Guarulhos (SP) acompanhado de uma cliente insatisfeita.

O então supervisor de vendas Cícero da Silva Lins, hoje com 34 anos, disse à Justiça que não tinha relação com aquela reclamação específica, mas aceitou recepcionar a equipe do programa porque não havia no local outro representante da empresa disponível.

Em determinado momento da entrevista, Russomanno cobrou um prazo para a resolução do problema da cliente, o que o então funcionário disse que não havia como estabelecer.

Segundo diz a desembargadora Rosangela Telles em voto, o político afirmou então "em tom ameaçador que, caso a controvérsia não fosse solucionada em uma semana, exporia a loja em rede nacional​". Como é comum no quadro, também falou em chamar a polícia.

O empregado disse que não autorizava a exibição de sua imagem e ouviu como resposta do deputado: "Isso para mim e nada significam a mesma coisa".

Para a desembargadora, o modo como o deputado conduz a discussão acirra o litígio entre consumidores e fornecedores, "de modo avesso à sobriedade que deve ser buscada para a solução de disputas".

Procurada, a Telhanorte não respondeu.

A condenação em primeira instância mais recente de Russomanno ocorreu no início deste ano. O processo foi aberto pela dona de um espaço de eventos em São Bernardo do Campo (SP) que tinha sido acusada no programa, em 2015, por um casal de noivos de barrá-los na própria festa de casamento por falta de pagamento. A empresa argumentava que apenas alterou o cardápio porque não havia recebido os valores devidos antes do evento.

A juíza responsável entendeu que Russomanno não agiu com "com ponderação e proporcionalidade" no caso e o condenou, junto com a Record, a pagar indenização de R$ 20 mil.

A outra sentença, de 2018, estabelecia indenização de R$ 30 mil a ser paga pelo deputado, pela emissora e por duas pessoas que fizeram a reclamação que motivou as filmagens, em 2016.

O processo foi aberto por uma fotógrafa de Tatuí (SP), que tinha sido contratada por um casal para fazer ensaios e, segundo eles, rompeu o contrato sem entregar as fotos feitas. A profissional argumentou que não forneceu todo o material por falta de pagamento.

Mais recentemente, a pandemia do novo coronavírus também entrou na pauta do quadro, que deixou de ser apresentado pelo deputado em agosto por causa do período eleitoral.

Duas empresas que foram alvos das filmagens em março —uma revendedora de gás de cozinha e uma loja de produtos hospitalares— processam o deputado na Justiça de São Paulo.

Nesses dois casos as filmagens da equipe do político foram acompanhadas por fiscais do Procon paulistano, incluindo o agora ex-coordenador Marco Silva, indicado para o cargo pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e conhecido por ser próximo a Russomanno.

"Vocês estão recebendo uma fiscalização do Procon", anuncia o deputado, ao lado do então coordenador e de outros fiscais.

Procurado, o Procon municipal disse apenas harmoniza "interesses dos participantes das relações de consumo, sem nenhuma distinção de atendimento".

No caso da loja de produtos hospitalares, Russomanno já foi absolvido em primeira instância.

Nessa e em outra ocasião recente que a defesa da emissora e do apresentador foi bem-sucedida, os juízes evocaram em suas decisões a necessidade de preservar a liberdade de imprensa.

Consideraram que as gravações se limitaram ao exercício profissional de informar a população e de apresentar crítica.

Questionamentos judiciais em relação aos métodos do apresentador não são novidade desde os anos 1990. Em um deles, o SBT foi condenado em segunda instância em 2009 a pagar R$ 100 mil a uma empresa de instalação de linhas telefônicas. Esse caso, porém, não tinha Russomanno como réu e ainda está até hoje com recurso pendente no Superior Tribunal de Justiça.

Mais recentemente, em 2016 a Record pagou R$ 47,7 mil a uma médica gravada com uma câmera escondida em seu programa —o valor inclui honorários advocatícios. Também nesse caso o deputado não foi incluído entre os réus.

OUTRO LADO

A Folha procurou o deputado Celso Russomanno e a TV Record para se manifestar sobre o assunto. A emissora disse que não faz comentários sobre questões jurídicas.

A assessoria do candidato disse que ele construiu "a história dele como repórter com a defesa do consumidor". "Os casos citados estão sub judice e temos a certeza que as condenações provisórias serão reformadas."

A defesa conjunta da Record e de Celso Russomanno nos processos tem afirmado que o modo como os casos são mostrados na "Patrulha do Consumidor" estão dentro dos limites do direito à informação e da livre manifestação e possuem interesse público, como reportagem jornalística.

Em um dos processos, por exemplo, os advogados afirmaram que o objetivo do quadro é veicular uma "situação real e os direitos de cada uma das partes na relação de consumo".

No processo que trata do ex-supervisor de vendas demitido, os advogados da emissora e de Russomanno disseram que o quadro tinha o objetivo de "ajudar, atender ao interesse público, mesmo que para isso seja necessário incomodar algumas pessoas", como o autor do pedido de indenização.

No caso dos noivos de São Bernardo do Campo, a defesa da emissora e do apresentador disse que ele conversou ao vivo com a dona do espaço de festas por telefone, sem expor a imagem dela.

No processo da fotógrafa, os advogados da rede de TV e do político disseram que penalidades como a indenização caracterizariam, "ainda que de forma posterior, uma censura".

Também nessa ação, diz que as afirmações do apresentador "não foram inverídicas ou injustas, como pretende fazer crer" a autora do pedido de indenização.

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