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Após apoiar Lula Livre, João Campos investe no antipetismo para o 2º turno no Recife

PT integra o governo do PSB em Pernambuco; já o PSB participou das três gestões petistas na cidade

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Recife

Em desvantagem na largada do segundo turno, o deputado federal João Campos (PSB) mudou o tom. Numa encruzilhada imposta pelo novo desenho da disputa eleitoral no Recife, saiu de cena o candidato que prometia oferecer uma proposta a cada agressão sofrida e entrou em ação um João no ataque com forte teor antipetista.

A estratégia de bater com força no PT é considerada pelo PSB a cartada mais importante para vencer a disputa contra Marília Arraes (PT), neta do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes e prima de João Campos. A ofensiva já iniciada é pesada e, segundo fontes da própria sigla, bastante arriscada.

O PT, que nas palavras recentes de João Campos não pode falar em corrupção porque sequer é possível contar nos dedos das mãos a quantidade de pessoas do partido que foram presas por desvios, participa do primeiro escalão do governo Paulo Câmara (PSB) e, até outubro, também do prefeito do Recife, Geraldo Julio.

Encontro de Lula com João Campos e Renata Campos no Recife, em novembro de 2019
Encontro de Lula com João Campos e Renata Campos no Recife, em novembro de 2019 - Ricardo Stuckert

Nas primeiras inserções publicitárias do segundo turno na televisão, a propaganda de João Campos diz que o PT nacional já está de malas prontas porque sonha em mandar no Recife.

“Você lembra quem faz parte do PT nacional? José Dirceu, Gleisi Hoffman, Mercadante. Pense antes de votar. Eles querem voltar”, diz a propaganda, que mostra um avião decolando em direção à capital pernambucana.

​“É de causar estranheza uma candidata do PT falar em corrupção”, disse João Campos durante um dos debates. No discurso após o resultado do primeiro turno, falou que o Recife sabe o que as “arengas do PT” causaram à cidade.

O PSB integrou o primeiro escalão das três últimas gestões petistas no Recife, de 2001 a 2012. Ocupou a vice do petista João da Costa, que saiu muito mal avaliado, entre 2009 e 2012.

Em 2018, João Campos esteve, já no primeiro turno, com o petista Fernando Haddad na disputa presidencial e, consequentemente, na campanha Lula Livre.

Quando esteve em Pernambuco, em novembro de 2019, logo após ser solto, Lula participou de almoço com João Campos, Renata Campos, que é sua mãe, e Geraldo Julio, com direito a fotos.

João Campos, Renata Campos e Lula em encontro no Recife, em novembro de 2019
João Campos, Renata Campos e Lula em encontro no Recife, em novembro de 2019 - Ricardo Stuckert

Em 2018, a partir de Pernambuco, foi costurada uma aliança entre PT e PSB para que Marília Arraes não disputasse o governo contra Paulo Câmara.

Obedecendo ordens de Lula, Marília foi retirada da disputa em troca do não apoio do PSB nacional a Ciro Gomes (PDT) na disputa presidencial. O pedetista, inclusive, estará no Recife neste domingo (22) para participar de ato de campanha em apoio a Campos.

Na época, classificou o acordo entre PT e PSB como uma violência. “Tirar alguns segundos de mim cortando o pescoço de uma jovem mulher pernambucana politizada, neta do Miguel Arraes, eu acho de uma violência que, na minha longa estrada, nunca vi coisa igual”, disse.

A temperatura bastante elevada no embate familiar recifense chegou às ruas. Nesta quinta-feira (20), o recife amanheceu coberto por cartazes apócrifos colados em vários pontos da cidade.

Em um deles, aparece a imagem de Marília Arraes e a mensagem “PT nunca mais”. Em outro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com uma imagem em referência à falta de um dos dedos na mão do petista e a palavra “basta”.

A Justiça eleitoral foi acionada. Ainda não há identificação de quem foi o responsável pelo ato. Em 2014, logo após morte de Eduardo em acidente aéreo durante a campanha presidencial, vários muros do Recife foram pichados com a frase: “O PT matou Eduardo”.

Na primeira etapa da disputa, João Campos foi o alvo preferencial dos adversários. Encampou a estratégia de não citar os nomes dos concorrentes e nem responder aos ataques.

Na propaganda, enquanto os dois candidatos da direita se atacavam mutuamente e ele se defendia, Marília corria solta sem ser fustigada por ninguém. No início desta semana, João Campos viu a prima jogar politicamente e conseguir avançar no campo conservador e evangélico com apoios do PTB, PL e Podemos.

A estratégia de comunicação da campanha do candidato começou a ser questionada em reserva dentro do próprio PSB assim que as urnas mostraram uma diferença de apenas 1,2% entre os primos. Houve algumas turbulências internas.

Nos bastidores, uma ala defende que a gestão de Geraldo Julio, muito mal avaliada nas pesquisas, deveria ter sido explorada de maneira mais enfática.

Uma fonte bastante próxima à família Campos e que sempre foi muito ligada a Eduardo Campos diz que a estratégia de pancadaria desmedida no PT pode se mostrar um erro.

A avaliação é de que o PSB perdeu tempo em não desconstruir Marília na sua atuação parlamentar e apontar contradições de sua trajetória, o que só começou a ser feito agora.

Na propaganda, Geraldo Julio e Paulo Câmara foram escondidos no primeiro turno. Geraldo sofreu intenso desgaste após recorrentes operações da Polícia Federal na Prefeitura do Recife. As investigações apontam indícios de desvios de recursos públicos destinados ao combate da pandemia.

O núcleo político decisório da campanha do socialista é formado por Geraldo Julio, pelo secretário chefe da assessoria especial do governador, Antônio Figueira, e pelo próprio João Campos.

O deputado também escuta bastante o argentino Diego Brandy, responsável pela formulação de pesquisas desde 2006, quando Eduardo Campos tornou-se governador de Pernambuco pela primeira vez.

Ganhou fama por nunca errar projeções. Nos bastidores, após desempenho de João no primeiro turno abaixo do esperado, setores do PSB em reserva começam a questionar seu trabalho. Identificam que, sem a leitura certeira de Eduardo, há alguns deslizes na linha estratégica.

Filho do ex-governador Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes, João entrou na política em 2018.

Naquele ano, fez toda sua campanha se autointitulando “o filho da esperança”. Obteve expressivos 460.387 votos. Em 1986, quando Arraes venceu a disputa pelo governo de Pernambuco após voltar do exílio, um dos slogans era “a esperança está de volta”.

Ao se lançar na vida pública, aos 24 anos, contou com o apoio intenso do governador Paulo Câmara e do prefeito Geraldo Julio.

O espólio eleitoral familiar fez com que ele conseguisse a maior votação da história de Pernambuco. Superou, inclusive, o seu bisavô Miguel Arraes que, em 1990, teve 339.158 votos.

A primeira disputa entre Marília e João Campos ocorreu quando Eduardo quis emplacar o filho no comando da Juventude do PSB em Pernambuco, cargo que tinha assento na executiva do partido.

Depois de conflitos internos no partido, João anunciou logo em seguida que estava desistindo da vaga para se dedicar aos estudos. E assim o fez.

No segundo turno das eleições presidenciais de 2014, ao lado da mãe, Renata Campos, resolveu apoiar o candidato Aécio Neves (PSDB).

Carismático, João Campos guarda semelhanças com o pai. Nas ruas, é abraçado pelo povo em tom bastante emotivo em razão da memória de Eduardo Campos.

Na reta final do primeiro turno, a imagem do pai foi usada com bastante intensidade. João Campos reproduz o gestual, o olhar e frases que Eduardo usava bastante.

Um das preferidas é “tô pegado no serviço”, que virou bordão de campanha. Tem facilidade de absorver informações rapidamente sobre os mais variados temas.

Em reuniões, assim como fazia o pai, está sempre anotando números em papéis. Gosta de chamar todos pelo nome. Nos debates, em algumas momentos, parece preso a um script e pouco natural. Fala como se estivesse gravando para propaganda eleitoral.

João Campos precisou gastar tempo nas peças publicitárias para dizer que, apesar de muito jovem, se sentia preparado para governar o Recife.

Na vida pública, teve apenas duas experiências. Foi chefe de gabinete de Paulo Câmara e exerce há pouco menos de dois anos mandato de deputado federal.

“Eu entendo se você acha que eu sou muito novo para ser prefeito da cidade do Recife, mas queria que você me conhecesse. Na minha vida, nunca dei um passo maior do que eu poderia dar”, diz.

Ele faz um esforço contínuo para não parecer tutelado por Geraldo Julio. Em um debate numa rádio local, foi confrontado pela sua prima neste ponto.

“Eu nunca me dobrei nem ao PSB, na época em que mandava e desmandava nesse estado. Vou me dobrar a ninguém. Quem lidera o processo político aqui sou eu. Agora, você ninguém sabe se quem vai mandar é sua mãe, é Geraldo Julio, é Paulo Câmara”, disse Marília.

Há uma disputa clara com sua prima pelo legado de Arraes. Os filhos de Arraes, de maneira geral, são bastante discretos em relação ao embate familiar. Nos bastidores, a maioria torce por Marília.

No primeiro programa eleitoral deste segundo turno, Marília colocou Chico Buarque cantando a música “bate, bate, bate coração", famosa na voz de Elba Ramalho. Chico participou ativamente da campanha de 1986, quando Arraes disputou o governo de Pernambuco após voltar do exílio.

Desde o início, havia uma preocupação de que a questão familiar elevasse a temperatura da disputa no Recife e pudesse atrapalhar os planos de João Campos.

O maior incômodo familiar chama-se Antônio Campos, tio de João e único irmão de Eduardo Campos. Ele, que declarou voto em Marília Arraes e preside a Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco), protagonizou no fim do ano passado um entrevero público com o sobrinho.

Após receber críticas de João Campos, durante audiência na Câmara, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, lembrou que o tio do parlamentar trabalhava com ele no MEC.

No mesmo momento, João disse que não tinha relação com Antônio Campos e destacou que ele era um “sujeito pior” do que o ministro. A declaração foi reprovada publicamente pela avó do deputado, a ministra do TCU (Tribunal de Contas da União) Ana Arraes.

Em nota após o episódio, Antônio Campos disse que João havia “sido nutrido na mamadeira da Odebrecht”, a principal construtora apontada pela Lava Jato como integrante de financiamento ilegal de campanhas políticas.

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