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Eleições 2020

Propaganda eleitoral na TV pode recuperar importância, mas merecíamos mais

Candidatos exibiem gente dizendo que vai votar neles, como se o espectador fosse um maria-vai-com-as-outras

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São Paulo

Depois de reinar por décadas como a mais eficaz arma eleitoral, a propaganda política na televisão saiu desmoralizada do pleito de 2018. Geraldo Alckmin (PSDB), o candidato que dispunha de mais tempo, terminou num humilhante quarto lugar. Enquanto isso, Jair Bolsonaro (sem partido), que contava com apenas 18 segundos no primeiro turno, foi eleito presidente usando uma estratégia de comunicação que privilegiava as redes sociais e as mensagens enviadas por WhatsApp.

Dois anos depois, ai do candidato que ignorar os meios digitais, que seguem com importância crescente. Mas a TV aberta continua aí, e não pode ser menosprezada.

Com dois blocos diários de 10 minutos, às 13h e às 20h30, além de comerciais veiculados ao longo do dia, o horário eleitoral gratuito do primeiro turno teve seu último dia nesta quinta-feira (12). Há quem diga que ele recuperou parte de sua eficácia em 2020 e vem sem apontado como um dos responsáveis pelo crescimento de Bruno Covas (PSDB) nas pesquisas.

O atual prefeito de São Paulo largou com vantagem. Dono do maior quinhão do bloco – três minutos e 29 segundos, mais que um terço do total – ele protagoniza vídeos de ritmo tranquilo, quase zen, sem a pressa algo desesperada de seus adversários. Sua campanha se dá ao luxo de explorar sua vida pessoal.

Depois de inicialmente dar detalhes da sua luta contra o câncer, o foco nesta reta final recai sobre o apartamento (“alugado”, Covas frisa em off) que ele divide com o filho na Barra Funda.

O que não aparece no vídeo também chama a atenção. Não há nenhuma menção ao governador João Doria, a quem Covas substituiu na Prefeitura de São Paulo, nem ao PSDB, nem a um mísero tucano sequer. Só o número do partido, 45, é exibido com algum destaque.

O segundo candidato com mais tempo é Márcio França (PSB), que dispõe de um minuto e 36 segundos. Mesmo com essa duração razoável, seus marqueteiros conseguiram errar feio.

As peças veiculadas nesta última semana mostram França falando diretamente à câmera – só que, em diversos momentos, ouvimos a voz de um locutor, e não a do candidato. Essas falas são sincronizadas com os movimentos labiais e o gestual de França, como se ele tivesse dito besteira antes e agora precisasse ser dublado. Só que, de repente, o locutor se cala e entra a voz do ex-governador, em on. O efeito canhestro é de um amadorismo inexplicável.

O petista Jilmar Tatto (1’07”) vem com muitas cenas gravadas na periferia e frases em português não-castiço (“40 mil casa popular!”). Joice Hasselmann, do PSL, usa seus 1’04’’ para demonstrar desembaraço em frente às câmeras, adquiridos quando a política era apresentadora de TV.

O deputado Celso Russomanno (Republicanos) também é apresentador há muito tempo, mas seu programete de 51 segundos deixa a desejar. A luz é pobrinha e o enquadramento, antiquado – pecadilhos que a própria Record, a emissora em que o candidato trabalha, já deixou para trás.

Andrea Matarazzo passa seus 45 segundos se mostrando como o mais experiente e racional de todos os postulantes. O resultado é pouco empolgante, sem vibração.

Guilherme Boulos (PSOL) faz, em seus parcos 17 segundos, algo que nenhum outro de seus rivais se atreve: uma menção verbal à sua companheira de chapa. Afinal de contas, sua vice, Luiza Erundina, foi prefeita de São Paulo, e tem recall mais alto que Boulos em certos círculos.

Orlando Silva (PCdoB) também tem apenas 17 segundos, e é o mais agressivo de todos contra Bolsonaro, chamando-o o fascista com todas as letras. Artur do Val, do Patriota, também é agressivo, mas na direção contrária. “Você vai arriscar em Boulos ou Covas?”, pergunta ele, em seus reles 16 segundos. “Me ponha no segundo turno, que eu ganho desses farsantes”.

O bloco termina com 18 segundos de tela preta, onde deveria entrar a propaganda de Filipe Sabará. Mas o ex-candidato do Novo foi desligado do partido, e deixou a corrida.

Quatro candidatos – Antonio Carlos Silva (PCO), Levy Fidelix (PRTB), Marina Helou (Rede) e Vera Lúcia (PSTU) – são de partidos que não superaram a cláusula de barreira e, portanto, ficaram fora do horário eleitoral. Suas campanhas se ressentem disso: nenhum deles pontuou bem na última pesquisa Datafolha.

De modo geral, nenhuma das propagandas exibidas pela TV prima pela originalidade, ou mesmo pelas qualidades de produção. Foram-se os tempos dos efeitos especiais usados por João Santana, o ex-marqueteiro do PT, mas a criatividade não tomou esse lugar.

É lamentável que, em pleno 2020 e com a população mais politizada do que nunca, ainda se escondam propostas no horário eleitoral. Candidatos tão díspares como Covas, Joice, Tatto e Russomanno preferem exibir gente do povo dizendo que vai votar neles, como se o espectador fosse um maria-vai-com-as-outras. Merecíamos mais.

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