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Atuação de ministros do STF no recesso ofusca Fux em discussão sobre Covid e Lula

Quatro integrantes da corte decidiram seguir trabalhando, e Lewandowski manteve casos de visibilidade

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Brasília

A iniciativa de quatro ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) de seguir trabalhando durante as férias tirou o tradicional protagonismo da presidência do STF nesse período e esvaziou os poderes do ministro Luiz Fux, atual chefe da corte.

A estratégia dos magistrados foi uma resposta às disputas internas do tribunal, acentuadas pela reviravolta no julgamento sobre a reeleição para o comando do Congresso, e tem dado certo.

O fato de o ministro Ricardo Lewandowski ter permanecido em atuação no recesso, por exemplo, retirou de Fux o poder sobre o principal tema do país no momento: a vacinação contra a Covid-19.

Ao lado de Lewandowski, Marco Aurélio estica a mão diante de fux, encobrindo parte de seu rosto
Os ministros do STF Marco Aurélio Mello (esq.), Ricardo Lewandowski e o presidente Luiz Fux em antessala do plenário - Pedro Ladeira - 27.nov.2019/Folhapress

O mesmo ocorreu com o pedido do ex-presidente Lula (PT) para ter acesso a mensagens captadas na Operação Spoofing, que investiga hackers que invadiram o celular de integrantes da Lava Jato e vazaram mensagens trocadas pelo ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, entre outros diálogos de investigadores.

Caso o recurso tivesse ido para a mesa de Fux, um dos principais defensores da Lava Jato no STF, provavelmente teria sido rejeitado e o caso teria o destino oposto.

Lewandowski impôs uma derrota à operação e autorizou o acesso do petista às conversas.

Os outros três ministros que seguiram trabalhando, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, ainda não tomaram nenhuma decisão polêmica nesse período.

A avaliação interna, porém, é que o sinal emitido por eles ao permanecer em atuação surtiu o efeito esperado, o de limitar os poderes do atual presidente.

A decisão de Gilmar, Moraes e Lewandowksi de não sair de férias ocorreu depois do julgamento que impediu os atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de disputarem a reeleição no cargo.

Os magistrados votaram a favor da possibilidade de ambos serem reconduzidos e contavam com o voto favorável de Fux nesse sentido.

Em conversas reservadas, os ministros dizem que o presidente da corte tinha se comprometido em liberar a reeleição e que Gilmar, relator do caso, só incluiu o tema para análise no plenário virtual por causa dessa sinalização.

Assim, o voto contrário de Fux soou como uma traição. Os colegas interpretaram que o presidente do tribunal não cumpriu a palavra e ainda os expôs, pois, se soubessem que não tinham maioria, não precisariam ter argumentado a favor da reeleição na contramão do que diz a Constituição.

A avaliação dos ministros, que contava com a simpatia de Fux, é que valia a pena fazer uma interpretação alargada da Constituição para garantir a permanência de Maia e Alcolumbre na chefia do Congresso.

Isso porque ambos eram vistos como peças importantes para impor freios ao presidente Jair Bolsonaro nos enfrentamentos com o Supremo e com o próprio Legislativo.

Diante da reviravolta no julgamento e do veto à reeleição, os ministros passaram a discutir formas de controlar a gestão de Fux à frente do Supremo.

Uma das ideias que deve ser levada à frente é a inviabilização do plenário em 2021, com pedidos de vista e votos longos.

Outra estratégia para enfraquecer o presidente foi justamente seguir o trabalho durante o recesso e não deixar concentrado no comando do Supremo a responsabilidade de responder pelo tribunal nesse período.

Os ministros enviaram ofício à presidência para comunicar que não sairiam de férias. Nos bastidores, foram travadas discussões sobre o tema, e a conclusão é que os ministros deixaram Fux de mãos atadas.

Isso porque, diante do excesso de processos em curso no tribunal e ainda mais durante uma crise de saúde sem precedentes, o presidente não teria argumento para dizer que não gostaria de dividir trabalho.

Além disso, diferentemente da ação coordenada de um grupo seguir em atuação, como aconteceu neste ano, decisões isoladas no recesso em casos sem tanta relevância já ocorreram e nunca foram contestadas.

Por meio de nota, o gabinete de Lewandowski afirmou que, por ser relator de diversos processos sobre a Covid-19, ele "não se sente no direito de descansar diante do enfrentamento da pandemia".

E ele foi o ministro que mais trabalhou neste recesso. Relator de ações que questionam a atuação do governo em relação à vacinação contra a Covid-19, Lewandowski foi protagonista no embate entre o Governo de São Paulo, comandado por João Doria (PSDB), e o governo federal sobre o tema.

Em 8 de janeiro, o magistrado impôs um revés ao presidente Jair Bolsonaro e impediu a União de requisitar seringas e agulhas do Executivo paulista destinados ao plano estadual de imunização contra o coronavírus.

Também no recesso, o ministro cobrou explicações do Ministério da Saúde em relação ao estoque de insumos para a vacinação.

Geralmente, o presidente divide os poderes do recesso apenas com o vice. Fux, por exemplo, sairá de férias em 18 de janeiro e dará lugar à ministra Rosa Weber, vice-presidente da corte, que fica no posto até dia 31, quando a corte retoma os trabalhos.

Todos os anos o recesso dura cerca de 15 dias e é emendado por férias coletivas dos ministros.

O gabinete de Lewandowski informou que, durante o recesso, que foi de 20 de dezembro a 6 de janeiro, foram recebidos 123 pedidos urgentes e em todos houve alguma decisão.

“Foram analisados habeas corpus, reclamações e medidas cautelares em ADI, ACO e ADPFs relacionadas aos processos sobre o combate à Covid-19, dos quais o ministro Ricardo Lewandowski é o relator”, afirmou.

Entre 6 e 12 de janeiro, chegaram ao gabinete 19 casos urgentes e todos também já foram analisados, segundo a assessoria do ministro.

Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela FGV, afirma que a permanência dos ministros no trabalho tem relação direta com o julgamento que vetou a reeleição no Congresso.

“Essa conduta é realmente anormal e remete lamentavelmente a uma motivação de natureza política e interpessoal”, analisa.

Segundo Chemim, discordâncias internas levaram a essa situação. “Digo isso porque se constata a existência de conflitos entre seus próprios membros. Conflitos que são decorrentes de divergências políticas, o que não deveria ocorrer no Poder Judiciário, que deve ser técnico e apolítico”, diz.

A constitucionalista afirma que a divisão interna ocorre principalmente devido a temas relacionados à Lava Jato e ao combate à corrupção.

Ela também cita a criação do juiz de garantias, que foi aprovada pelo Congresso e teve a implantação da medida suspensa por decisão de Fux.

No fim do ano passado, advogados renomados entraram com um habeas corpus no Supremo em que pedem a suspensão do despacho de Fux contra o juiz de garantias.

Relator do caso e um dos ministros que seguiram em atuação no recesso, Alexandre de Moraes pediu, no primeiro dia do recesso, esclarecimentos a Fux.

Na resposta, o presidente não deu uma data para o plenário analisar sua decisão monocrática e disse que realizou duas audiências públicas e que o terceiro encontro sobre o tema foi cancelado devido à pandemia.

Em tese, não caberia habeas corpus contra despacho individual de ministro do STF, mas, em meio aos conflitos internos, Moraes resolveu pedir informações em vez de arquivar a ação.

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