Eleição no Congresso expõe apostas contraditórias dos partidos na disputa

Legendas vivem aparente incoerência ao formarem base em uma Casa e serem oposição na outra

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Brasília

O DEM está fechado com o governo no Senado e, ao mesmo tempo, suas lideranças brigam para resguardar a Câmara da influência do presidente Jair Bolsonaro. PDT, PT e Rede vivem o mesmo dilema: base de apoio em uma Casa, oposição na outra.

Já o MDB ameaçou cerrar fileiras com a oposição ao governo no Senado, mas acabou optando por rifar a senadora Simone Tebet (MS). O PSL vive uma duradoura crise entre os bolsonaristas e a Executiva Nacional do partido que ora o coloca na base, ora no bloco contrário a Bolsonaro na disputa às eleições no Congresso.

A dinâmica acima retrata a aparente incoerência dos partidos na briga pela sucessão à Câmara dos Deputados e ao Senado. Por trás das escolhas supostamente contraditórias, cálculos políticos que buscam aumentar o poder dos partidos em uma eventual vitória dos candidatos que apoiam nas duas Casas.

No caso do DEM, que hoje comanda a Câmara, com Rodrigo Maia (RJ), e o Senado, com Davi Alcolumbre (AP), o fundamental era manter o domínio sobre uma das Casas. E isso se provou mais fácil no Senado, onde já havia um alinhamento maior com o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Alcolumbre, depois de ver barrada sua possibilidade de reeleição pelo STF (Supremo Tribunal Federal), passou a articular para fazer um sucessor. O escolhido, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), conta com a “simpatia” de Bolsonaro e deve manter a postura conciliatória do atual presidente do Senado.

Na Câmara, o cenário era completamente diverso para o DEM. A última gestão de Maia foi marcada por enfrentamentos com o Palácio do Planalto, e o deputado se tornou o maior opositor declarado de Bolsonaro.

Nesse contexto, Maia, que foi barrado de tentar reeleição na mesma decisão que afetou Alcolumbre, trabalhou para construir uma candidatura de independência. “O bloco Democracia e Liberdade se une pra [sic] condenar o autoritarismo, o fascismo e a incompetência”, escreveu em uma rede social. “São muito naturais as críticas e o incômodo de Bolsonaro à nossa união.”

Por “nossa união” o deputado fazia referência ao bloco formado por DEM e MDB, de seu candidato, Baleia Rossi (SP), mas também à adesão de partidos como PT, PC do B, PDT e PSB. No entanto, Maia não conseguiu manter o apoio do DEM até o final e, na noite de domigo (31), o partido anunciou que ficaria neutro na disputa da Câmara.

PT, PC do B, PDT e PSB, por sua vez, se encontram num paradoxo ainda mais complexo: se, na Câmara, engrossaram o grupo contra Bolsonaro, no Senado se aliaram a Pacheco —​ou seja, podem dar votos para ajudar a eleger o nome apoiado pelo presidente.

Ao tomar a decisão, o PT argumentou que a questão era circunstancial e afirmou que Pacheco não estaria “comprometido com a necropolítica do atual governo”, nas palavras do senador Humberto Costa (PT-PE).

Pesou a proximidade dos senadores petistas com Alcolumbre e Pacheco, além da possibilidade de ganhar o comando de comissões, estando do provável bloco vencedor da eleição. Em relação a estar no mesmo lado de Bolsonaro, a avaliação é que isso seria um problema menor do que acompanhar Simone Tebet e seu bloco “lava-jatista”.

“Os dois blocos são liberais, são a favor da pauta do governo”, afirma o líder da bancada, Rogério Carvalho (PT-SE).

“Mas estamos diante da condenação do presidente Lula, em um processo judicial marcado por irregularidades, como mostrou a Vaza Jato, condenado por um juiz que depois se tornou ministro do governo. Então conta muito para nós estar do lado de um candidato que defenda as garantias individuais”, completa.

Na Casa vizinha, o cenário envolvendo a esquerda é um pouco mais confuso. PT, PC do B, Rede, PDT e PSB anunciaram adesão ao bloco de Baleia Rossi (MDB-SP).

No entanto, Maia e seus aliados têm feito uma ofensiva para evitar defecções na oposição que possam aumentar as chances de vitória de Arthur Lira (PP-AL), nome de Bolsonaro.

Em alguns partidos, como o PSB, a situação relatada nos bastidores favorece Lira: quase metade dos parlamentares tenderia a votar no líder do Centrão. Sem contar o PSOL, que não aderiu ao bloco capitaneado por Maia e decidiu lançar candidatura independente de Luiza Erundina (SP) na disputa.

O próprio MDB de Baleia protagonizou uma novela própria no Senado. Em meados de janeiro, oficializou Tebet como o nome que rivalizaria com Pacheco. O discurso da senadora, ao assumir, se alinhou ao do presidente do MDB: independência “harmônica” em relação ao Palácio do Planalto. Não funcionou.

Com a dificuldade de Tebet de reunir votos e vendo cada vez mais partidos engrossando o lado de Pacheco, o MDB abandonou a candidata, na expectativa de conseguir algum posto na mesa diretora em caso de vitória do senador do DEM —Alcolumbre havia acenado com a vice-presidência da Casa ao MDB, conforme adiantou o Painel.

Com isso, o partido se viu na situação de ter uma emedebista concorrendo no Senado com uma campanha avulsa e de independência em relação ao Planalto, ao mesmo tempo em que a legenda dará votos ao senador apoiado por Bolsonaro e, na Câmara, tem um nome que rejeita que a Casa se torne um “puxadinho do governo”.

O PSL é outro partido que enfrenta uma turbulência interna. Em dezembro, o alinhamento de Maia com o presidente do partido, Luciano Bivar (PE), levou o PSL a integrar o grupo de Baleia. O único porém é que a legenda é a mesma com a qual Bolsonaro se elegeu, assim como boa parte da tropa de choque do presidente.

Valendo-se dessa vantagem, bolsonaristas passaram uma lista de assinaturas para migrar o partido para o bloco de Lira —seria necessária a assinatura de 50% da bancada mais um. Conseguiram e o PSL oficializou a ida para o grupo do líder do centrão no último dia 21. Ainda pode haver uma nova reviravolta, pois 17 deputados da legenda estão suspensos por divergências.

No Senado, o PSL lançou candidatura própria com Major Olímpio (SP), mas os dois parlamentares da bancada estavam prontos para apoiar Tebet. Com o racha no MDB, a candidatura está mantida, mais pelos dez minutos de discurso reservados aos candidatos, que devem ser usados para criticar tudo e todos.

Ironicamente, os partidos apontados fisiológicos, como PP e PL, foram os que se mostraram coerentes, com o mesmo posicionamento nas duas Casas.

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