ACM Neto tenta fazer contenção de danos em jantar com Doria

Presidente do DEM, que quer manter vice-governador paulista no partido, nega alinhamento a Bolsonaro; tucano e Aécio voltam a se criticar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Seguindo o roteiro previsto, o presidente do DEM, ACM Neto, sinalizou durante um jantar com o governador João Doria (PSDB-SP) que não está alinhado a Jair Bolsonaro e que poderá vir a apoiar o tucano para a disputa do Planalto.

O movimento do ex-prefeito de Salvador foi o de contenção de danos, depois de uma semana e meia de crise na qual viu seu partido implodido devido ao apoio tácito da sigla ao candidato de Bolsonaro na disputa pela presidência da Câmara.

O então prefeito de Salvador, ACM Neto, durante convenção que lançou Doria ao governo paulista em 2018
O então prefeito de Salvador, ACM Neto, na convenção que lançou Doria ao governo paulista em 2018 - Patrica Stavis - 20.jul.2018/Folhapress

O objetivo primário do movimento do dirigente é o de manter o vice-governador paulista, Rodrigo Garcia, na sigla. Com a guinada bolsonarista do DEM, ele foi convidado por Doria para se unir ao PSDB e, apesar de uma história no seu partido que começa em 1994, está inclinado a aceitar.

O secundário é tentar aliviar a crise de imagem mais imediata e manter seu leque de opções aberta. Ao sinalizar apoio a Doria, o que não descarta um outro nome como o de Luciano Huck, ACM Neto tentou mudar a leitura de que iria de Bolsonaro em 2022.

Disse que a eleição na Câmara nada tinha a ver com a de 2022. Em entrevista à Folha na semana passada, o baiano havia dito que não podia descartar aliança com ninguém, inclusive Bolsonaro.

Em entrevista na tarde de quarta, Doria afirmou que ACM Neto disse "de forma cabal" que o DEM não apoia Bolsonaro nem agora, nem apoiará depois.

Entre os presentes, contudo, o clima relatado foi de relaxamento da tensão. Na prática, não muda o plano de Doria de trazer Rodrigo Maia (DEM-RJ) e seu grupo para o PSDB.

O ex-presidente da Câmara rompeu com ACM Neto após o partido ser liberado para apoiar quem quisesse na eleição para o comando da Casa.

Na prática, isso levou a maioria de seus 29 deputados para o colo de Arthur Lira (PP-AL), o candidato do centrão e do Planalto que derrotou fragorosamente por 302 votos a 145 Baleia Rossi (MDB-SP), o nome de Maia e Doria na disputa.

Em relação ao DEM, a expectativa no governo paulista agora é sobre Garcia, e depende da evolução do quadro partidário. Doria lhe prometeu a vaga de seu candidato a governador ano que vem, quando pretende deixar o Bandeirantes para disputar o Planalto.

Se houver alguma segurança de que o DEM volta ao barco tucano, ele poderia ficar no partido sem grandes problemas. Mas hoje, apesar do gesto de ACM Neto, isso não existe: a lembrança de que o baiano deixou seus aliados na mão ao negar a disputa pelo governo estadual quando era um prefeito popular de Salvador, em 2018, é viva.

ACM Neto visitou São Paulo acompanhado do ex-ministro Mendonça Filho (DEM-PE). Do lado paulista, além de Doria e Garcia, estavam presentes o ex-ministro Antonio Imbassahy (PSDB-BA), e o presidente estadual tucano, o secretário Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional).

A implosão do DEM, que ACM Neto agora tenta reverter parcialmente, espirrou nos planos de Doria, que contava com o tripé PSDB-MDB-DEM para buscar a Presidência no ano que vem.

Agora o movimento é de rearranjo, enquanto o tucano lida com uma crise interna em seu próprio partido, que quase embarcou na "independência", aspas obrigatórias, na eleição na Câmara.

Na segunda (8), ele iniciou um movimento para forçar uma posição de confronto com Bolsonaro e para isolar o grupo que ele aponta como responsável pelo racha da bancada federal, liderado por Aécio Neves (MG).

Só que o método acentuou a divergência: seus aliados em um outro jantar no Palácio dos Bandeirantes sugeriram que ele deveria ser o novo presidente do PSDB, na convenção de maio. A proposta caiu mal e mesmo figuras mais neutras a desaconselharam.

Nesta quarta, Doria afirmou que, após sua colocação sobre se opor a Bolsonaro, as lideranças "aquiesceram". "O PSDB é oposição", disse.

E apontou o dedo a Aécio: "Ou ele se incorpora ao PSDB e passa a fazer oposição ao governo ou pede para se retirar e vai encontrar um partido onde ele possa exercer o seu adesismo e exaltar Jair Bolsonaro, o bolsonarismo e a suas circunstâncias. E todos os demais que queiram seguir esta linha. Chega de PSDB do muro"

Disse também que "entre o chão da fábrica [referência a uma frase de Lira sobre o Congresso] e o chão do povo, fico com o povo".

Por ora, o grupo de Doria vai insistir na ideia, apostando que o conflito com a Aécio e outros é produtivo. A ala da Câmara, por sua vez, deve ir na quinta (11) a Porto Alegre para pedir que o governador tucano Eduardo Leite declare sua postulação à Presidência.

Leite, em entrevista à CNN Brasil na terça, cutucou Doria dizendo que ele deveria "construir sua liderança". Ele é visto como um quadro promissor, mas mesmo adversários de Doria concedem que o peso de São Paulo e o protagonismo do paulista na "guerra da vacina" com Bolsonaro são fator importante.

Na entrevista desta tarde, Doria disse ver com "naturalidade" a demanda dos deputados. "Ele é um grande governador."

Aécio, por sua vez, voltou a criticar o paulista. "Querer transformar a posição de parlamentares do partido na eleição para a presidência da Câmara em movimento de apoio ou de oposição a qualquer governo é desconhecer, minimamente, o processo político no Congresso", disse, em nota.

"A obsessão do sr. João Dória em reafirmar, diariamente, que é oposição talvez seja um esforço inconsciente (ou não) para tentar apagar da sua memória, e da memória dos brasileiros, a sua mudança de nome nas últimas eleições, de João Doria para Bolsodoria", completou.

Para aliados de Doria, se o partido insistir em não embarcar na sua candidatura, até uma saída da sigla, levando consigo a ala paulista e talvez o grupo de Maia no DEM, é uma hipótese —ainda que de difícil execução.

O imbróglio está sendo digerido em velocidades diferentes pelas diversas alas tucanas.

Enquanto Doria e Aécio trocaram notas em termos duríssimos na terça (9), com o governador pedindo o afastamento do mineiro e recebendo acusação de oportunismo em troca, a velha guarda paulista da sigla estuda uma solução para abaixar a temperatura.

Também nesta quinta Doria irá se encontrar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o patrono do tucanato, para discutir a situação.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.