Senadores costumam encher a boca para falar das virtudes de sua Casa, em oposição à sempre turbulenta Câmara dos Deputados: local de consensos nacionais e debates, digamos, mais elevados.
Obviamente isso é um despropósito histórico, bastando lembrar dos cruentos embates entre Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho no ano 2000 e da eleição de Davi Alcolumbre, há meros dois anos.
Em 2019, o senador do DEM-AP que agora passa a cadeira para o sucessor protagonizou uma disputa cheia de animosidades com Renan Calheiros (MDB-AL), cacique da velha guarda da política.
No cargo, Alcolumbre logrou aquilo que seus críticos chamam de paz dos cemitérios. Nome novo, trabalhou inicialmente à sombra do poderoso Rodrigo Maia (DEM-RJ), que comandava a Câmara com mão de ferro.
Aos poucos, enquanto Maia se afastava do Planalto de Jair Bolsonaro (sem partido), ele se aproximou do presidente. Estava presente à "mais longa das noites", talvez o ponto mais tenso do governo até aqui, quando em 4 de maio do ano passado o mandatário máximo havia decidido "tocar fogo na República".
Naquela madrugada, Alcolumbre foi chamado ao Palácio da Alvorada e avisado que o presidente iria desafiar o Supremo e indicar seu nome favorito para dirigir a Polícia Federal.
No começo daquela manhã, Bolsonaro estava mais calmo e desistira do choque. Alcolumbre viu crescer seu cacife como interlocutor.
Em troca, viu indicações serem feitas em seu favor e verbas federais antes inexistentes aportarem no seu Amapá natal. A pacificação da qual ele se orgulhou em entrevista coletiva antes da eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi obtida, a certo custo.
Nada disso significa que o novo presidente do Senado repetirá a mansidão de Alcolumbre em relação ao governo. Sua posição contrária à privatização da Eletrobrás será um dos primeiros testes dessa expectativa de continuidade.
Mesmo sua primeira fala no cargo foi carregada de um tom de seriedade e abordagem racional de questões que são tratadas de forma caótica pelo governo, como a necessidade de vacinação e apoio aos menos favorecidos na crise da pandemia.
Forte no contexto está o PSD de Gilberto Kassab, que tem a segunda maior bancada do Senado e não é palco de guerras fratricidas como o MDB, o maior agrupamento.
Kassab tinha um nome influente para lançar como candidato, Antonio Anastasia (MG). Ex-tucano, o atual vice-presidente da Casa não queria a missão, mas a sua possibilidade foi usada para costurar o apoio do PSD a Pacheco.
A moeda de troca foi a pacificação da situação em Minas Gerais, que virou um feudo de Kassab com o popular prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, e 2 dos 3 senadores mineiros filiados ao PSD.
Pacheco e Kalil fizeram as pazes, o que deve facilitar o caminho do pessedista para se candidatar ao governo estadual em 2022.
Com tudo isso, o Senado pode não apagar sua história de controvérsias e polêmicas, mas Alcolumbre conseguiu dar uma lustrada na fama de Casa. Pacheco, no melhor estilo mineiro, deverá ir na mesma trilha na superfície, mas é nas disputas subjacentes que se verá a que ele veio.
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