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Discussões sobre Lula e Moro exigem inadiável encontro do Supremo com seus próprios erros

Consequências já são sentidas para além dos casos de ex-presidente e da Operação Lava Jato

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal começa a passar a limpo parte importante da história judicial recente do país, ainda que tardiamente. Nos últimos dias, uma decisão reconheceu a incompetência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e foi retomado o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro para julgar o ex-presidente Lula.

Decisão monocrática do ministro Fachin declarou a incompetência da Vara Federal de Curitiba para julgar as ações penais contra Lula, na medida em que os crimes ali descritos não se referiam direta e exclusivamente aos desvios da Petrobras.

Argumento antigo e aceito pelo Supremo em vários outros casos, aguardava apenas uma oportunidade de deliberação.

A consequência processual imediata da declaração de incompetência foi a anulação de todas as decisões —recebimento de denúncia, condenação e corroboração das mesmas por tribunais— nas ações penais contra Lula relativas ao tríplex de Guarujá, ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula e envio dos processos ao juízo competente: a Justiça Federal do Distrito Federal.

A declaração de incompetência gerou enorme impacto no status dos direitos políticos do ex-presidente Lula, que deixa de ser condenado e passa a ser investigado, inocente (até uma eventual condenação com trânsito em julgado) e elegível.

Não deixa de ser consternador que tenha ficado privado de liberdade e alijado da disputa eleitoral por decisões de juízo incompetente. Aqui, a decisão vem tardiamente, e os danos são de impossível reparação.

O desenrolar dos acontecimentos sugere que o ministro Fachin tenha declarado a incompetência para se antecipar e talvez evitar o julgamento sobre suspeição de Sergio Moro (iniciado em 2018, suspenso após dois votos contrários à suspeição e, agora, novamente pautado pela Segunda Turma).

Ao declarar a incompetência, Fachin também aproveitou e declarou a perda de objeto, ou seja, o esvaziamento de outros recursos da defesa, inclusive daqueles que alegavam a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Os demais ministros da Segunda Turma, entretanto, discordaram de tais efeitos e impuseram derrota às tentativas de Fachin de adiar ou mesmo de deslocar o caso ao plenário.

Afinal, a suspeição poderia afetar outros atos para além daqueles anulados pela incompetência, abrangendo também, por exemplo, aqueles que envolveram a produção de provas.

A retomada do julgamento soma agora dois votos a favor da declaração de suspeição, ou seja, de parcialidade do ex-ministro Sergio Moro na condução da ação contra o ex-presidente Lula.

De um lado, estão os votos proferidos em 2018 por Fachin e Cármen Lúcia contra a suspeição; do outro, Gilmar Mendes e Lewandowski a reconhecendo agora em 2021.

Muito ocorreu neste intervalo. O ministro Nunes Marques pediu vistas (mais tempo para analisar o processo), com a justificativa de que não pôde se preparar a tempo, e proferirá o voto decisivo.

Os argumentos favoráveis à suspeição reconhecem que as ações de Moro foram juridicamente indefensáveis, como as que determinaram a condução coercitiva de Lula para depoimento (que, por ser ato de defesa, é inconstitucional) e a interceptação telefônica até de advogados (também inconstitucional), ou politicamente orientadas, como a que determinou o levantamento do sigilo da colaboração de Palocci às vésperas das eleições ou o aceite para integrar governo vencedor em eleições onde Lula, então candidato, foi impedido de concorrer.

Os argumentos sugerem que a persecução criminal de Lula foi usada para fins políticos eleitorais de Moro e de seus aliados.

Houve especial atenção à Operação Spoofing: as mensagens trocadas entre procuradores e o então juiz Sergio Moro foram classificadas como “cooperação espúria”, ainda que formalmente inexista uma declaração judicial sobre sua veracidade.

Caso a suspeição se confirme, a principal consequência processual será a anulação, não só das decisões, mas de todos os atos instrutórios ou pré-processuais relativos aos casos de Lula: todas as provas que contaram com a participação ou supervisão de Moro estarão eivadas de ilegalidade, já que contaminadas com parcialidade.

Mas há consequências, para além dos casos de Lula e da Operação Lava Jato, que já são sentidas.

Já não era sem tempo a necessária revisão da agenda de moralização que impôs um enorme desgaste ao tribunal. Afinal, em apoio à Operação Lava Jato, o tribunal endossou decisões excepcionais, criou ele mesmo uma jurisprudência de exceção que custou a rever e incorporou uma relação deletéria entre ministros, em guerras de monocráticas, manipulações de pautas e ofensas abertas.

Não à toa, foi notável o constrangimento dos ministros ao julgarem abusos com os quais anuíram ao longo dos últimos anos.

Porém, agora os fatos exigem um inadiável encontro do Supremo com seus próprios erros. O tribunal precisa demonstrar capacidade de decidir, coletiva e definitivamente, que não há fins que justifiquem meios, ao menos não em um Estado de Direito. Já é passada a hora.

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