Descrição de chapéu Lava Jato Folhajus STF

Em decisão pró-Lula, Fachin se apoia em discussão sobre elos com Petrobras feita desde 2014

Investigados na Lava Jato falavam em manobra para manter caso com vara de Sergio Moro em Curitiba

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São Paulo

Os laços entre as suspeitas apuradas em Curitiba com a Petrobras, que motivaram a ordem do ministro Edson Fachin para anular as condenações do ex-presidente Lula nesta segunda-feira (8), despertam intensos debates no meio jurídico desde que a operação foi deflagrada, em 2014.

Os investigados, especialmente os políticos, como Lula, afirmam desde aquela época que havia uma manobra para garantir à Vara Federal então comandada por Sergio Moro a incumbência das investigações que começaram mirando uma rede de doleiros liderada pelo operador Alberto Youssef.

O entendimento da Justiça, em especial do STF (Supremo Tribunal Federal), foi gradualmente migrando de uma adesão às teses das autoridades de Curitiba (que pleiteavam ampla autonomia para apurar ilícitos nas mais diferentes áreas do poder público) até culminar com a decisão desta segunda-feira, que retirou do Paraná o mais conhecido braço da investigação, envolvendo seu mais importante alvo.

A Lava Jato chegou à Petrobras ainda em sua primeira fase, quando se descobriu que Youssef havia presenteado, dentro de seu esquema de lavagem de dinheiro, um ex-diretor da estatal, Paulo Roberto Costa, com um automóvel Land Rover.

A partir daí, Costa foi preso, se tornou delator e detalhou um esquema de propinas na petrolífera que envolvia grandes empreiteiras e partidos políticos como PT, PMDB e PP.

Foi a ponte para que a equipe de investigação da Polícia Federal, reforçada com agentes de outros estados, e a força-tarefa da Procuradoria da República no Paraná avançassem sobre indícios de irregularidades ocorridas a milhares de quilômetros da capital paranaense e que abrangiam empresas das mais diferentes áreas e políticos de diversos espectros, além de tentáculos em outros órgãos, como Caixa Econômica e a usina nuclear de Angra.

O então juiz Moro considerava que, como o ponto de partida havia ocorrido no Paraná e existia elo entre os esquemas políticos e os operadores financeiros, além de ligações com suspeitos recém-convertidos em delatores, era perfeitamente legal que braços da operação envolvendo, por exemplo, o Ministério do Planejamento, ficassem em Curitiba.

E assim foi até que, em 2015, o Supremo resolveu impor pela primeira vez um “fatiamento” às autoridades do Paraná, determinando que o caso do Planejamento tramitasse em São Paulo, por falta de ligação com o restante da operação.

Esse precedente foi relembrado na decisão desta segunda-feira na qual Lula foi beneficiado por Fachin. O ministro ainda citou no despacho uma declaração que hoje soa curiosa, proferida na época pelo ministro Gilmar Mendes, do STF. “No fundo, o que se espera é que processos saiam de Curitiba e não tenham a devida sequência em outros lugares. É essa a expectativa.”

O temor dos investigadores e de apoiadores da operação era o de que a medida acabasse esvaziando os trabalhos no Sul do país, o que só acabou se concretizando anos depois. Gilmar se tornaria posteriormente o principal crítico da Lava Jato no STF.

O estabelecido naquele julgamento foi restringir Curitiba como o foro responsável por crimes ligados apenas à Petrobras, enviando para outras partes do país suspeitas centradas em outros setores. O caso Eletronuclear, por exemplo, foi para as mãos do juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro.

A medida do Supremo obrigou os procuradores a sempre se equilibrar em uma tênue ligação das apurações com a estatal de petróleo para garantir que os casos permanecessem na vara paranaense.

Veio daí, por exemplo, a necessidade do procurador Deltan Dallagnol em esquematizar suas acusações contra Lula no célebre Powerpoint apresentado em 2016.

Os itens da apresentação falavam em “petrolão + propinocracia” e “pessoas próximas na Lava Jato”, ressaltando os vínculos com os demais processos em tramitação no estado.

A narrativa da acusação, posteriormente referendada nas sentenças, era a de que Lula mantinha na Petrobras diretores sabidamente corrompidos e que, com isso, recebeu vantagens de empreiteiras como a OAS e a Odebrecht.

Curitiba continuou com o grande filão das investigações, mas principalmente a partir de 2017, ano marcado por uma certa mudança de humores no Supremo em relação à operação, começou a gradualmente perder mais pontas relevantes por alegada falta de vínculo com a Petrobras.

Com a exoneração de Moro, em 2018, até o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), corte de segunda instância geralmente alinhada a Curitiba, passou a enviar casos do Paraná para outros estados.

Na decisão desta segunda-feira, Fachin listou várias dessas derrotas da força-tarefa nos últimos anos para embasar sua decisão de anular as duas condenações de Lula e enviar os casos ao Distrito Federal.

Com votos historicamente a favor da operação, invariavelmente vencido em sua argumentação nos últimos tempos pela dupla Gilmar-Ricardo Lewandowski, Fachin se ateve a um ponto aparentemente de menor relevo para, por iniciativa própria, impor uma das principais derrotas da Lava Jato em sete anos de operação.

Ele afirmou que a acusação do Ministério Público Federal aponta Lula como figura central em grupo criminoso com atuação em diversos órgãos, incluindo entre eles a Petrobras.

Como a suspeita não tratava exclusivamente da estatal de petróleo, escreveu Fachin, “o caso, portanto, não se amolda ao que veio sendo construído e já decidido no âmbito do Plenário e da Segunda Turma do Supremo”, sobre a atribuição da Vara Federal de Curitiba.

A Segunda Turma, formada por cinco juízes, se tornou cada vez mais palco de reveses da operação nos últimos anos. Um de seus integrantes era Celso de Mello, que em muitas ocasiões votou favoravelmente à Lava Jato, mas esteve de licença em 2020 e se aposentou em outubro passado.

Ele foi substituído por Kássio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro e de conhecida tendência mais garantista (contrária a teses de acusação).

Fachin ressaltou nesta segunda-feira o peso dos precedentes da corte para tomar a decisão neste momento, embora a defesa do ex-presidente conteste há anos a regularidade da tramitação em Curitiba.

“Aplico aqui o entendimento majoritário que veio se formando e agora já se consolidou no colegiado. E o faço por respeito à maioria, sem embargo de que restei vencido em numerosos julgamentos”, escreveu o relator da Lava Jato.

Fachin mencionou que foi vencido, por exemplo, em julgamento que determinou que suspeitas sobre a refinaria Abreu e Lima, na região metropolitana do Recife, fossem enviadas a Pernambuco, em 2018, e citou decisão sobre políticos do MDB, na qual ficou estabelecido que a tramitação deveria ocorrer no DF.

Mais recentemente, o Supremo decidiu retirar de Curitiba processos que envolviam a Transpetro (subsidiária da Petrobras) e ex-senadores emedebistas. Na ocasião, os ministros afirmaram que não se poderia estabelecer um “juízo universal” para suspeitas de propina.

Fachin ainda buscou se dissociar da decisão da pecha de atuação política constantemente feita à Lava Jato: “Não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”.

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