Após ordem do STF, Senado cria CPI da Covid para investigar gestão Bolsonaro e verba a estados

Plenário do Supremo vai analisar nesta quarta-feira decisão do ministro Barroso para instalar comissão

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Brasília

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), oficializou nesta terça-feira (13) a criação da CPI da Covid, cinco dias depois da determinação do ministro do STF Luís Roberto Barroso que irritou Jair Bolsonaro e provocou novo desgaste na relação entre os Poderes.

Em meio à pressão da base governista para tentar minar a comissão, Pacheco decidiu unir dois requerimentos apresentados por senadores, formando uma única comissão que, além de investigar a gestão do presidente Bolsonaro, também tratará de repasses de verbas federais para estados e municípios.

Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), durante sessão deliberativa remota - Jefferson Rudy/Agência Senado

O requerimento inicialmente analisado, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), previa apenas a investigação das ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia, em particular em relação ao colapso do sistema de saúde de Manaus.

O escopo acabou ampliado após líderes e bancadas governistas assinarem em peso outra proposta, do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que pretendia também envolver estados e municípios, conforme pedido de Bolsonaro.

Esse tipo de investigação, porém, ficará restrito aos casos que envolvem recursos federais, sem ser direcionado à apuração do trabalho de governadores e prefeitos, como pretendia o presidente da República.

"A comissão terá como objeto o constante do requerimento do senador Randolfe Rodrigues, acrescido do objeto do requerimento do senador Eduardo Girão, limitado apenas quanto à fiscalização dos recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate à pandema da Covid-19, e excluindo as matérias de competência constitucional atribuídas aos estados, Distrito Federal e municípios", afirmou Pacheco durante a sessão.

A limitação era considerada necessária, uma vez que o regimento do Senado afirma que não será admitida a investigação por CPI de matérias pertinentes à Câmara dos Deputados, às atribuições do Poder Judiciário e aos estados.

O presidente do Senado fez questão de ressaltar, na leitura do requerimento, que estava criando a comissão apenas por ordem judicial —referência à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que obrigou Pacheco a criar a CPI por avaliar que os requisitos exigidos haviam sido cumpridos, incluindo a assinatura de mais de um terço da Casa.

O plenário do Supremo ainda vai analisar nesta quarta-feira (14) a questão, podendo confirmar ou rejeitar a decisão monocrática de Barroso.

A leitura do requerimento por Pacheco significa que a comissão foi criada, mas não significa a sua instalação imediata. Não foi definido, por exemplo, se, devido à pandemia da Covid, os trabalhos deverão ser presenciais ou remotos.

Antes de a comissão iniciar as atividades, ainda há um prazo até a meia-noite para que senadores incluam ou retirem suas assinaturas do requerimento —se a quantidade de adesões cair para menos do que os 27 necessários, a CPI pode ser inviabilizada.

Além disso, a instalação de fato acontece apenas com a primeira sessão da comissão. Para isso, é necessário que os blocos partidários indiquem seus representantes para a composição do colegiado. O governo pressiona para que partidos segurem as indicações, atrasando esse processo.

A comissão terá inicialmente 90 dias de atividades para a conclusão das investigações —prazo que pode ser prorrogado.

A sessão desta terça foi marcada por uma grande pressão sobre a presidência da Casa, seja pela instalação ou por seu adiamento.

Líderes e bancadas governistas também buscaram retardar a leitura do requerimento, apresentando dezenas de pedidos para que fossem analisados pela presidência.

O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), solicitou logo na abertura da sessão que a CPI apenas pudesse funcionar quando todos os participantes estivessem imunizados contra a Covid-19.

Gomes argumentou que o Senado já perdeu três parlamentares, além de assessores e funcionários terceirizados, em decorrência de infecções pelo novo coronavírus.

O pedido foi rebatido pelo líder da oposição e autor do requerimento da CPI, Randolfe Rodrigues. O senador da Rede afirmou que, considerando a lentidão na vacinação, seria possível que a comissão não fosse instalada no mandato do presidente Jair Bolsonaro.

"Na prática, a questão de ordem apresentada inviabiliza o funcionamento desta comissão parlamentar de inquérito enquanto durar a pandemia e, aí, eu diria, talvez enquanto durar este governo", afirmou o líder da oposição.

A CPI da Covid terá 11 membros efetivos e 7 suplentes, sendo que só pode ser instalada com a maioria absoluta deles —ou seja, com 6 parlamentares, no mínimo. Quando isso acontecer, serão escolhidos o presidente e o relator da comissão.

A tendência é que ela seja composta majoritariamente por senadores independentes ou de oposição a Bolsonaro.

Segundo o regimento interno do Senado, não há prazo para que os blocos partidários façam as indicações. Na prática, isso deixaria aberta a possibilidade de que os partidos governistas evitem apontar seus representantes, como um obstáculo para o início dos trabalhos.

Mas Pacheco tem dito a interlocutores que considera o prazo de dez dias razoável. Além disso, a maioria das siglas já definiu os nomes indicados para compor o colegiado.

Caso haja uma obstrução prolongada, partidos podem ingressar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal. Servidores do Senado lembram que essa situação aconteceu em 2005, durante a CPI dos Bingos, com os partidos governistas evitando fazer indicações.

Na ocasião, o STF determinou que o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), aplicasse por analogia o regimento da Câmara dos Deputados —na ausência de regras próprias do Senado. A decisão do STF determinou então que Renan designasse ele próprio os integrantes dos partidos que ainda não haviam escolhido seus membros.

Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos, em 2007, a do Apagão Aéreo, e, em 2014, a da Petrobras. ​

A CPI se mostrou o primeiro grande desafio para o presidente Rodrigo Pacheco, uma vez que o requerimento de Randolfe Rodrigues atingiu as 27 assinaturas necessárias no dia 4 de fevereiro deste ano, portanto três dias após a posse do senador.

Senadores da oposição e mesmo de bancadas que costumam votar com o governo em algumas questões, como PSDB, PSD e Podemos, assinaram o requerimento. A pressão cresceu com o passar dos meses e a elevação no número de mortos em decorrência da Covid-19.

Corredores do Senado Federal vazios por conta da pandemia da Covid-19 - Pedro Ladeira/Folhapress

Pacheco, por sua vez, se mostrou contrário à CPI desde o princípio. Seu argumento principal era de que não haveria condições para uma comissão de investigação, uma vez que o Senado está atuando em um sistema remoto. Além disso, passou a dizer que considerava que uma CPI atrapalharia o enfrentamento da pandemia.

A pressão indicava que estava menor nos últimos dias, principalmente após a saída do ministro da Saúde Eduardo Pazuello, substituído por Marcelo Queiroga. O novo titular compareceu ao Senado e à Câmara e parecia agradar os parlamentares.

Foi nesse momento que o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) ingressou com um mandado de segurança no Supremo, para obrigar Pacheco a instalar a CPI. O pedido foi então atendido por Barroso.

Desde então, governo e oposição vem travando uma disputa para ocupar os principais cargos da CPI, a relatoria e a presidência, e o Planalto também está montando uma tropa de choque para atuar na comissão em sua defesa.

No final de semana, Bolsonaro pediu ao senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) para ampliar a CPI da Covid e apurar a conduta de prefeitos e governadores. A conversa foi gravada e publicada pelo congressista em redes sociais.

Bolsonaro disse que, se os senadores não mudassem o escopo da CPI, ampliando para investigar as ações de governos regionais também, seria investigado apenas o governo federal e seus aliados.

"Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana. Tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto, é um limão que tá aí. Dá para ser uma limonada", disse ao senador.

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