Jornalismo sofre novas formas de intimidação, dizem participantes de seminário

Evento com a presença de ministro do STF Luís Roberto Barroso marca Dia Mundial da Liberdade de Imprensa

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São Paulo

As ameaças à liberdade de imprensa têm adquirido novas e preocupantes formas ultimamente, que vão desde a censura privada à intimidação sutil sobre o trabalho jornalístico.

Esta foi uma das conclusões do seminário online “Informação como bem público”, realizado nesta segunda-feira (3) para marcar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

O evento é fruto de uma parceria entre Unesco, Instituto Palavra Aberta, Folha, Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais) e Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas).

Participam ainda Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Jeduca (Associação de Jornalistas da Educação) e Embaixada dos EUA no Brasil.

Participantes do seminário sobre liberdade de imprensa; a partir da esquerda, em sentido horário: Flávio Lara Resende (Abert), Marcelo Rech (ANJ), Marlova Noleto (Unesco), Luís Roberto Barroso (STF) e Flavia Lima (Folha) - Reprodução

Um dos integrantes do evento, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse que a censura no Brasil vem de longe, citando desde a carta de Pero Vaz de Caminha, que teve “partes indecorosas” sobre as índias seminuas vetadas, até os aparatos repressores do Império, do Estado Novo e do regime militar.

“Durante muito tempo, a liberdade de imprensa foi o tormento dos donos do poder”, afirmou Barroso.

Mas há fenômenos novos por meio dos quais esses ataques se manifestam, disse o ministro, adaptados à atual fase de convergência de mídias.

“Vejo três novas ameaças à liberdade de expressão: campanhas de desinformação, teorias conspiratórias e as campanhas de ódio com efeito silenciador do discurso alheio."

Segundo o ministro, a estratégia atual é a promoção de ataques pessoais a quem pensa diferente.

“São ataques aos oradores, procurando desqualificá-los, com campanhas de cancelamento para sufocar a manifestação publica de alguém que tem por adversário grupos de milicianos digitais”, disse.

Mediador do evento, o presidente da ANJ, Marcelo Rech, disse que há uma degradação paulatina do ambiente de liberdade de imprensa no Brasil, semelhante ao que se verifica em outros países, como Venezuela, Índia e Hungria.

Ele chamou o fenômeno de “soft censorship” (censura suave). “Não é mais a censura por decisão superior, como no regime militar. É um processo contínuo que se manifesta pela violência contra jornalistas, tentativas de invasão de prédios e Redações”, afirmou, citando ainda tentativas de quebra do sigilo da fonte, uma garantia constitucional.

Também participante do debate, a ombudsman da Folha, Flavia Lima, ressaltou que atritos da imprensa com governantes sempre existiram, mas que a dimensão que esses conflitos adquiriram no atual governo é o que traz preocupação.

“Desconforto com perguntas e manchetes não é novo. A violência também não, infelizmente. O que diferencia o período atual, em que convivemos com governos autocráticos, é uma tática de guerra, uma tentativa de deslegitimar o trabalho da imprensa e ferir de morte o bolso e a credibilidade dela”, disse.

Segundo ela, a maneira de reagir a essa ofensiva é fazer bom jornalismo. “Não tem outra saída”, afirmou Flavia, citando como bom exemplo a cobertura da imprensa sobre a pandemia, ao apontar as formas de transmissão do vírus e desmistificar supostos medicamentos eficazes.

Representante no Brasil da Unesco, agência da ONU para cultura e educação, Marlova Noleto também mencionou a pandemia, mas para apontar um efeito colateral da tragédia sanitária: a guerra pela informação.

“Desinfodemia é a palavra que a Unesco usa para descrever esse problema que os cidadãos do mundo enfrentam em paralelo à própria Covid: informações falsas sobre o vírus, as vacinas, os mecanismos de proteção”, disse ela.

O antídoto, afirma, é a prática do bom jornalismo, mas para isso é preciso enfrentar diversas questões, como a viabilidade econômica da mídia eletrônica, a transparência das plataformas de internet e a “alfabetização informacional”.

Ela defendeu que as chamadas “big techs”, grandes plataformas de internet, estejam comprometidas com a liberdade de imprensa. “Elas desempenham um papel importante. Precisam poder identificar as fontes de desinformação, precisam coibir a proliferação dos haters [disseminadores de ódio nas redes]”, defendeu.

Já o presidente da Abert, Flávio Lara Resende, disse que a liberdade de imprensa é importante também para o desenvolvimento econômico do país.

Ele citou uma estatística segundo a qual jornalistas sofrem seis ataques virtuais por minuto no Brasil. “Mas nem mesmo tais ameaças foram capazes de parar a imprensa, que continua nas ruas para levar à população, que segue em isolamento, conteúdo de credibilidade."

Segundo Resende, “enquanto houver um único jornalista ameaçado, estará em risco a liberdade de imprensa no país”.

Para a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, os 30 anos da Declaração de Windhoek, dia que homenageia a liberdade de imprensa, não são apenas de celebração.

“Os desafios não são poucos. Principalmente no Brasil, onde o número de atentados a jornalistas não para de crescer e os índices de liberdade de imprensa têm caído ao longo dos anos."

Ela ressaltou que é preciso ter “ética, senso crítico e responsabilidade” para exercer a liberdade de expressão.

“Infelizmente, na prática os conteúdos que mais chamam a atenção são os carregados de ódio e histórias sensacionalistas, que colocam em xeque o ambiente informacional”, afirmou.

O seminário continua nesta terça (4), com um debate sobre polarização e liberdade de imprensa.

Participam Amanda Ripley (jornalista dos EUA), Guilherme Canela (Unesco), Aline Midlej (GloboNews) e Guilherme Amado (Abraji). O evento começa às 16h, é gratuito e pode ser acompanhado online.

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