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Lobby por evangélico no STF inclui conversas com Bolsonaro, igrejas, Senado e Judiciário

Presidente sinaliza preferência por André Mendonça, mas há obstáculos no Senado, onde Humberto Martins leva vantagem

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Rio de Janeiro e Brasília

Silas Malafaia destacou as palavras impressas na lateral do jato: "A favor de Deus". A aeronave da Associação Vitória em Cristo, ligada à sua igreja, o levou do Rio até Brasília, onde naquele 19 de abril tinha um encontro com o presidente da República, seu amigo Jair Bolsonaro.

Almoçou numa churrascaria da capital e de lá foi para o Palácio do Planalto saborear as palavras presidenciais: estava garantida a indicação de um "terrivelmente evangélico" para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) que Marco Aurélio Mello desocupará em julho.

Cabe ao presidente da República escolher ministros do STF, mas a briga por uma cadeira na mais alta corte do Brasil tradicionalmente envolve articulações reservadas no Congresso e nos tribunais superiores. No governo Bolsonaro, o lobby também acontece nas igrejas evangélicas.

O presidente Jair Bolsonaro recebeu, em abril, o pastor Silas Malafaia em seu gabinete - Anna Virginia Balloussier/Folhapress

Favorito ao cargo, o advogado-geral da União, André Mendonça, é pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança, mais progressista do que a média das denominações que orbitam o bolsonarismo.

Bolsonaro sinalizou a interlocutores evangélicos que o nome da vez é mesmo o de Mendonça, que lhe serviu de fiel escudeiro durante sua passagem de quase um ano pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Sob sua gestão, críticas de opositores viraram caso de polícia por suposto crime contra a honra do presidente.

Bolsonaro teria inclusive autorizado seu subordinado a peregrinar por gabinetes do Senado, conforme disse a pastores. Senadores já avisaram ao mandatário que Mendonça não terá vida fácil na Casa, que sabatina nomeados para a posição no STF e tem o poder de barrá-los.

Para o chefe do Executivo, Mendonça cumpriu missões importantes para o governo e nunca se furtou em defendê-lo. Advogado público de carreira, pôs em risco a respeitada trajetória jurídica em diversos momentos para pavimentar o caminho para o Supremo.

A assinatura de um habeas corpus quando era ministro da Justiça em favor do então titular da Educação, Abraham Weintraub, que havia dito que por ele prenderia todos os integrantes do Supremo, foi um exemplo nesse sentido.

Mais recentemente, também foi alvo de duras críticas no STF devido à sustentação oral que fez no julgamento sobre a constitucionalidade de decretos que vetam celebrações religiosas durante a pandemia da Covid-19. Com discurso inflamado, chegou a afirmar que “os verdadeiros cristãos estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”.

Ao votar no caso, o ministro Gilmar Mendes, que tem influenciado nas escolhas de Bolsonaro para tribunais superiores, mandou um recado para Mendonça: “Não tentemos enganar ninguém, até porque os bobos ficaram fora da corte”.

Em outro gesto apreciado por pastores, o advogado recorreu a um versículo bíblico para sustentar o direito de templos funcionarem na crise sanitária: "Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles".

O presidente orientou Mendonça a amolecer a resistência no Senado à sua pessoa, segundo pastores. Há, contudo, uma parcela menor de líderes que aponta uma possível tentativa de Bolsonaro "lavar as mãos", alegando que tentou emplacar o preferido dos líderes evangélicos, mas foi o Senado que não quis ungi-lo.

A maioria dos senadores prefere a indicação do adventista Humberto Martins, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e não confia que o chefe da AGU atuará em defesa da classe política no Supremo.

Aliados evangélicos se resignaram quando Bolsonaro gastou sua primeira indicação para o STF com o juiz federal piauiense Kassio Nunes Marques, estimado por bambambãs como os ex-presidentes do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL). Seguraram-se no compromisso de que o próximo ministro seria não apenas um parceiro de fé, mas também um pastor.

O presidente tem dito que, se não cumprir a promessa agora, perderá a moral para entrar em qualquer igreja. Brinca até que nem em casa seria bem-vindo, pois teria de aguentar a fúria da primeira-dama, que já foi fiel da Assembleia de Deus de Malafaia e hoje pertence a uma denominação batista.

Enquanto segue com sua campanha nos bastidores políticos, Mendonça não descuida de suas bases evangélicas. Em fevereiro, por exemplo, fez um périplo por igrejas em São Paulo (Assembleia de Deus, Mundial do Poder de Deus, Assembleia de Deus e Brasil Para Cristo). Também visitou a Sociedade Bíblica do Brasil, onde ouviu sobre um projeto para distribuir a Bíblia nas capelanias das Forças Armadas.

Em 2020, uma comitiva de pastores que contava com Malafaia e César Augusto, apóstolo da Igreja Fonte da Vida, entregou a Bolsonaro três sugestões para o Supremo, todas evangélicas: o ex-juiz eleitoral Jackson Di Domenico, o procurador José Eduardo Sabo Paes e o juiz federal William Douglas. Listas tríplices são expedientes mais comuns no Ministério Público, que tem por tradição indicar nomes para a Procuradoria-Geral da República, por exemplo.

"Aquela lista foi uma opção caso o presidente tivesse um projeto com André para ser vice-presidente [na chapa de 2022]. Bolsonaro tinha conjecturado um vice evangélico. Por isso o nome do André não estava nela. Ele é hors concours", diz Malafaia à Folha.

Não há tanta unanimidade assim, contudo. Setores evangélicos com peso na discussão dizem, em caráter reservado, que Mendonça é qualificado, mas passou do ponto ao tentar agradar Bolsonaro. Um dos exemplos evocados é a reação que ele teve a uma entrevista publicada pelo jornal com o reverendo Augustus Nicodemus Lopes, respeitado no meio.

Presbiteriano como Mendonça, ele afirmou em abril que preservar templos abertos é um direito constitucional, mas, "infelizmente, muitas igrejas que querem manter o culto não fazem isso com preocupação cívica", e sim porque não querem prejudicar a coleta presencial do dízimo.

"Lamentável a forma preconceituosa e soberba com que Nicodemus se refere aos pentecostais", tuitou o advogado-geral na ocasião. Ele preferiu criticar um pastor da sua igreja para ficar bem com o presidente e seus aliados pentecostais, aponta um pastor ressabiado com ele.

Para catapultar a nomeação, a ala pastoral pró-Mendonça não se limita a enaltecer suas qualidades, mas em questionar o nome de Humberto Martins, o presidente do STJ, que também tenta se cacifar para o lugar de Marco Aurélio.

Em reunião com o presidente do STF, Luiz Fux, na semana passada, Malafaia afirmou que seu grupo não aceita a indicação de um “evangélico herege”. O encontro ocorreu a pedido do pastor, que conversou primeiramente com Fux na cerimônia em que o ministro recebeu uma medalha de Ordem do Mérito Militar, em abril.

Martins é da Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma linha cristã que muitos evangélicos descartam como parte do segmento. Apesar dos questionamentos, Martins ainda alimenta a esperança de ser escolhido, principalmente por contar com o apoio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O filho do presidente é alvo da Justiça no caso da “rachadinha” e é o parente que mais influencia o pai em definições para o mundo jurídico. Isso ocorreu, por exemplo, na predileção por Nunes Marques em 2020.

Desde que assumiu um assento no Congresso, no início de 2019, o senador se aproximou do filho de Martins, Eduardo Martins, que é advogado e ajuda o pai nas negociações para tentar chegar ao Supremo.

Além do aval de Flávio, o presidente do STJ aposta na falta de interlocução de Mendonça com o Congresso para chegar ao Supremo.

Conta a favor dele, também, capitanear o tribunal responsável por ações contra governadores —os que adotam medidas restritivas para frear a pandemia entraram na mira do presidente, que cobra investigações contra eles na CPI da Covid.

Outro ator importante no debate é a Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), entidade que provocou a discussão no STF sobre igrejas abertas na pandemia. Sua presidente em exercício, Edna Zili, afirma à reportagem que tanto Mendonça quanto Martins são quadros qualificados.

Também cita o procurador-geral da República, Augusto Aras, que não é evangélico, embora dialogue bem com pastores próximos ao presidente.

"A identidade ou filiação religiosa de um indivíduo não deve ser o critério determinante para assunção a qualquer cargo público, seja no âmbito do Poder Judiciário ou qualquer outro Poder", afirma Zili.

Evangélico ou não, a nomeação de um conservador, "defensor de valores pró-vida e pró-família", refletiria "os anseios da população brasileira, manifestos no resultado das eleições de 2018, que naturalmente espera que a indicação se dê com base nos princípios que o presidente defendeu durante toda a campanha".

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