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Coronavírus CPI da Covid

Show de omissão de Queiroga na CPI lembra que o problema é Bolsonaro

Discussão sobre uso da cloroquina vira uma faca de dois gumes na comissão da Covid

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São Paulo

Por falta de opção, salvo a de pedir demissão, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) protagonizou um show de omissão durante seu depoimento à CPI da Covid nesta quinta (6).

Ao fazê-lo, lembrou a quem se dá ao trabalho de acompanhar o debate que o verdadeiro problema a ser discutido pela comissão é o papel do presidente Jair Bolsonaro na condução da crise sanitária mais grave em um século no mundo.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante seu depoimento à CPI da Covid no Senado
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante seu depoimento à CPI da Covid no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado/via AFP

Queiroga foi grelhado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), ainda que o alagoano ainda pareça pouco à vontade no papel de inquisidor —talvez os anos vividos como vidraça no Senado o tenham condicionado ao trabalho público mais defensivo.

Mas o serviço era simples. O ministro da Saúde simplesmente não tinha como equilibrar sua posição vista como ponderada, com o foco na vacinação contra a Covid-19 e o senso comum do uso de máscaras e distanciamento, com o fantasma do chefe.

Bolsonaro, afinal, é o proponente máximo do ilusório tratamento precoce, responsável final pelo temido apagão das vacinas, entre outras falhas. Assim, como sujeito nada oculto, a CPI cada vez mais será colocada à frente do inescapável: vai ouvir o presidente?

Há dúvidas jurídicas sobre tal possibilidade, sem precedentes. Mas o conjunto que se forma com as acusações incisivas do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e nem tanto pelo seu sucessor, Nelson Teich, parece obrigar a algum tipo de questionamento da fonte dos principais problemas em apuração.

É um caso em construção, ajudado pelo próprio presidente, que na véspera havia disparado críticas a restrições de circulação de vírus, defendido o tal tratamento precoce e aberto um novo contencioso com a fornecedora da matéria-prima da maioria esmagadora das vacinas em uso no Brasil, a China.

"Seus dois antecessores apresentaram o mesmo quadro, mas enfrentaram um muro de ignorância", disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) a um lacônico ministro, sugerindo simpatia à sua situação.

Queiroga ofertou evasivas, disse que não foi consultado sobre a ideia de um decreto contra medidas de estados e municípios contra a Covid-19, tentou dizer que tem autonomia. A impressão geral foi a de alguém preocupado com o emprego, ainda que mentiras óbvias poderiam ser recebidas com voz de prisão.

Se a tentativa de colar a CPI aos eventuais problemas locais de desvio de dinheiro, e certamente eles existem, os governistas podem ao menos comemorar a emergência de uma faca de dois gumes nas mãos daqueles contrários a Bolsonaro: o debate sobre a cloroquina.

Por óbvio, a promoção do Planalto do medicamento sem comprovação de eficácia contra a Covid-19 em detrimento a medidas de isolamento e compras de vacina em 2020 seria um item vistoso na coleção de falhas, ou coisa pior, a serem imputadas ao presidente.

Isso poderá ganhar peso se for investigado o indício de que o colapsado Amazonas foi um laboratório do fármaco com o patrocínio do Planalto, algo que ultrapassa a mera propaganda ou crendice. Há método sendo revelado.

Por outro lado, a CPI virou um palco para alguns senadores fazerem proselitismo em favor do remédio e de outros do chamado tratamento precoce. "Há divisão na classe médica", disse Queiroga a um estupefato Otto Alencar (PSD-BA).

Até aqui, fora noticiado que a revisão de protocolos do Ministério da Saúde iria excluir enfaticamente a cloroquina, ivermectina e outras drogas.

Queiroga, talvez para não se indispor com o chefe, preferiu ser evasivo e não dar sua opinião nem como médico, fingindo ser um ministro do Supremo que não poderia falar sobe ação em primeira instância —como se os titulares da corte máxima no Brasil não o fizessem, mas esta é outra história.

Com o terceiro depoimento de gente que sentou na cadeira da Saúde, a CPI pegou ritmo de jogo. Não teve um hábil depoente como Mandetta, que municiou a comissão com a sua única prova física, a carta na qual alertava Bolsonaro de problemas, ou uma sonolenta confirmação de motivo de demissão, dada por Teich.

Falta estofo técnico ao colegiado, que fez cobranças pontuais a Queiroga, recebeu um "vou checar" de resposta e deixou por isso.

Há exceções, como o supracitado Alencar: médico e didático, o baiano ofusca senadores governistas que tentam soletrar nomes estrangeiros ou citam experiências ao estilo feira de ciências Brasil afora.

Como já foi dito, a fuga de Eduardo Pazuello do depoimento da quarta pode configurar um tiro no pé pelo tempo que dá à montagem de uma grelha mais eficaz.

Vulnerável e espelho de Bolsonaro, o polêmico general e ex-ministro tem tudo para oferecer mais para o debate do que Queiroga trouxe.

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