Bolsonaro é internado com obstrução intestinal e pode passar por nova cirurgia em São Paulo

Presidente se queixava de soluços há 11 dias, em meio a crise com Poderes, cerco de CPI e popularidade em queda

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Brasília e São Paulo

Com quadro de obstrução intestinal, o presidente Jair Bolsonaro foi levado de Brasília para São Paulo nesta quarta-feira (14). A equipe médica vai avaliar a necessidade de uma cirurgia de emergência após a realização de exames mais detalhados.

A ambulância com o presidente chegou ao hospital Vila Nova Star, na zona sul de São Paulo, às 19h37. O comboio presidencial partiu do aeroporto de Congonhas, onde a comitiva desembarcou.

O hospital ainda não divulgou informações sobre o estado de saúde do paciente nem detalhou os próximos passos. Até o início da noite, a situação na região era tranquila, sem a presença de grupos de apoiadores ou manifestantes.

Bolsonaro, que chegou em uma UTI móvel, é atendido por uma equipe comandada pelo médico Antonio Macedo. Ele operou o presidente em setembro de 2018, quando Bolsonaro levou uma facada no abdômen durante ato de campanha.

Pela manhã, Bolsonaro foi internado no HFA (Hospital das Forças Armadas), na capital federal. A transferência foi decidida após a avaliação de Macedo, que foi chamado a Brasília.

O presidente Jair Bolsonaro em imagem divulgada por ele em suas redes sociais
O presidente Jair Bolsonaro em imagem divulgada por ele em suas redes sociais nesta quarta-feira (14) - Faceboock @jairbolsonaro

"Após exames realizados no HFA, em Brasília, o dr. Macedo, médico responsável pelas cirurgias no abdome do presidente da República, decorrentes do atentado a faca ocorrido em 2018, constatou uma obstrução intestinal e resolveu levá-lo para São Paulo, onde fará exames complementares para definição da necessidade, ou não, de uma cirurgia de emergência", afirmou a Secretaria Especial de Comunicação Social, em comunicado.

Bolsonaro falou nas redes sociais sobre seu estado de saúde. No momento em que acena com uma trégua no discurso radical e nos ataques aos Poderes, ele aproveitou para criticar o PT e o PSOL, seus adversários políticos.

"Mais um desafio, consequência da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil. Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia", escreveu.

"Peço a cada um que está lendo essa mensagem que jamais desista das nossas cores, dos nossos valores! Temos riquezas e um povo maravilhoso que nenhum país no mundo tem. Com honestidade, com honra e com Deus no coração é possível mudar a realidade do nosso Brasil. Assim seguirei!"

No texto, com forte conotação política, Bolsonaro afirmou que pretende seguir atuando para "tirar o país de vez das garras da corrupção, da inversão de valores, do crime organizado, e para garantir e proteger a liberdade".

A internação ocorre após o presidente escalar a retórica golpista. Nos últimos dias, ele questionou a lisura das eleições, criticou as urnas eletrônicas e disse que, sem voto auditável, não haverá pleito em 2022.

Na última segunda-feira (12), ele ensaiou uma trégua e moderou suas declarações golpistas. Também aceitou participar de um encontro com os chefes dos demais Poderes nesta quarta, mas a reunião foi cancelada diante da internação hospitalar.

O presidente também se cercado pelo avanço da CPI da Covid no Senado, que apura ações e omissões do governo federal na pandemia. Soma-se ainda a queda de popularidade. Pesquisa Datafolha realizada no início deste mês apontou que a reprovação a Bolsonaro chegou a 51%, um novo recorde para ele.

Na madrugada desta quarta, Bolsonaro deu entrada para exames no HFA com dores abdominais. Segundo nota do Planalto, ele seguiu orientação da equipe médica para a realização de exames a fim de investigar a causa de soluços.

Mais tarde, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente, relatou que o pai havia apresentado durante a noite muito incômodo e dificuldade de respirar.

"Soube cedo, bastante cedo, quando ele estava se dirigindo ao hospital. Mas passou a noite também com dificuldades por causa do soluço, dificuldade de respirar, estava com muito incômodo, então foi ao hospital para ser examinado", disse.

Ministros ouvidos sob reserva disseram à Folha que, no início da tarde, Bolsonaro estava sedado por causa dos exames que havia feito. Eles esperavam a avaliação do médico, mas defendiam que o presidente fosse logo submetido a uma cirurgia para corrigir eventuais problemas decorrentes da facada.

"O presidente está no HFA em repouso, foi medicado. Falei com o ajudante de ordem dele, ele está bem. Teve fortes dores às 4h, mas nada de grave até o momento. Então, graças a Deus, ele está muito bem. Repousando, que é o que ele precisa", disse o ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos.

A informação de que Bolsonaro havia sido sedado para descansar foi confirmada posteriormente pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria. "O presidente está bem, ele foi sedado pela manhã para descansar. Acordou, conversou com o médico e o médico vai levá-lo para São Paulo", afirmou.

Flávio deve seguir nesta quinta-feira (15) para São Paulo para acompanhar o tratamento do pai. Segundo ele, a previsão é que Bolsonaro fique em observação por três dias para avaliar a necessidade de cirurgia.

"Pelo que estou sabendo é uma pequena obstrução no intestino dele, foi preciso tirar uma quantidade de líquido do estômago e talvez esteja aí a razão de ele estar tossindo tanto, com tanto soluço. Mas a informação médica que eu tenho até o momento é que está tudo sob controle, o presidente está bem."

Flávio afirmou ainda que pessoas próximas ao presidente vêm notando que Bolsonaro tem apresentado dificuldades para falar e discursar. Por isso, segundo o senador, ele vem recebendo conselhos para reduzir compromissos.

"Ele está se submetendo a uma agenda muito intensa, todo mundo até pedindo para que ele dedicasse um pouquinho mais de seu tempo a dormir bem, porque ele não dorme bem. É só dar uma pequena mudança em seus hábitos alimentares, na rotina, sob os cuidados médicos e muito breve estar 100%."

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) viajou nesta quarta para Angola, onde participa de reunião da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). Ele manteve a agenda mesmo com a internação de Bolsonaro.

Na noite anterior à internação, na terça, o presidente demonstrava certo abatimento quando se queixou a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada sobre os 11 dias de uma crise de soluço.

Além disso, Bolsonaro já havia dito aos seguidores que teria de passar por uma nova cirurgia para corrigir uma hérnia. O próprio presidente abordara a crise de soluços com apoiadores em uma entrevista na semana passada.

"Peço desculpa a todos que estão me ouvindo, porque eu estou com soluço já tem cinco dias. Eu fiz uma cirurgia para implante dentário no sábado [3], já aconteceu comigo no passado, talvez, em função dos remédios que eu estou tomando, eu estou 24 horas por dia com soluço", disse Bolsonaro à rádio Guaíba.

Depois da conversa que teve com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, na última segunda-feira, Bolsonaro concedeu uma entrevista de cerca de 30 minutos, mas só soluçou no começo.

Já na terça-feira (13) conseguiu fazer um discurso inteiro sem interrupções. Mas, pouco depois da cerimônia no Planalto, chegou de motocicleta ao Palácio da Alvorada e voltou a soluçar diante de apoiadores.

"Eu estou sem voz, pessoal. Se eu começar a falar muito, volta a crise de soluço", disse o presidente. "Já voltou o soluço", afirmou logo em seguida. Posou para fotos e gravou vídeo para um apoiador. "Está ruim de falar", disse.

O que é o soluço?

"Soluço é uma contração abrupta do diafragma, que é o músculo da respiração, seguido de fechamento abrupto da glote, que é como uma tampinha que impede que a comida entre na traqueia. O fechamento abrupto da glote é que dá o ruído tradicional do soluço", afirma o médico gastroenterologista clínico Ricardo Barbuti.

Entender esse processo ajuda a entender possíveis causas, diz o especialista.

"Qualquer músculo do nosso corpo precisa de um estímulo para contrair, e o diafragma não foge à regra, Quem dá estímulo para esse músculo contrair é o nervo frênico, que é um ramo de outro nervo importante, o nervo vago. Qualquer coisa que irrite o nervo frênico ou vago nesse trajeto até o diafragma pode dar soluço."

Segundo Barbuti, um dos fatores mais comuns é a doença do refluxo gastroesofágico, em que há uma irritação do esôfago. Bolsonaro já afirmou sofrer de refluxo. Outras causas também podem estar relacionadas, como um estímulo direto sobre o diafragma.

"Processos em que têm distensão muito grande do estômago podem fazer com que o fundo do estômago encoste no diafragma e isso gera soluço. É muito comum, por exemplo, soluço depois que come e bebe muito."

Ingerir líquidos muito gelados também pode levar a soluço, lembra o médico ao comentar os casos mais simples.

Estresse emocional, mudança de temperatura, aerofagia (quando a pessoa engole muito ar ao consumir alguns alimentos), consumo de bebidas com gás e álcool, por exemplo, também podem levar ao quadro, geralmente temporário, diz o otorrinolaringologista Geraldo Druck Sant’Anna, membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia.

Ele explica que o quadro costuma durar pouco tempo —às vezes, uma crise pode durar 48 horas. "E tem pessoas com soluço por mais tempo, o que faz com que tenha que entrar em investigação."

Nesse caso, diz ele, o soluço pode estar ligado a um quadro maior, como alterações no pescoço, no esôfago ou tireoide, além de alterações no sistema nervoso, metabólicas (como diabetes), problemas renais, uso de alguns medicamentos, entre outros.

"É uma série de situações que podem acontecer. Às vezes a pessoa faz uma anestesia geral e acorda com soluço, que pode ficar por algum tempo", exemplifica.

Barbuti concorda. "As pessoas acham que o problema é sempre no estômago, e não é. Pode ser até algo longe do estômago. Problemas cardíacos, neurológicos, sistêmicos, tudo isso pode levar a soluços."

O caso deve ser avaliado em conjunto com o médico, por meio do exame do paciente e análise do histórico de saúde, dizem os especialistas, que evitam comentar o caso específico do presidente.

"De forma geral, após 48 horas, as pessoas procuram seu médico", afirma Sant'Anna, segundo quem a conduta e diagnóstico dependem de cada caso. "Não é uma receita de bolo, igual para todo mundo."
Para Barbuti, há possibilidade de haver relação com o uso de medicamentos, como citado por Bolsonaro, mas é difícil avaliar sem detalhes.

Segundo ele, alguns remédios podem ser usados para tratar o soluço ou o fator principal que levou a ele. "Se são secundários a uma doença, como refluxo, tratamos a doença e o soluço melhora."

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