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Coronavírus CPI da Covid

Crise entre militares e CPI expõe tigre de papel criado por Bolsonaro

Sem apoio para aventuras, presidente usa insatisfação da caserna como nova ameaça

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São Paulo

O agravamento da crise entre o governo e a CPI da Covid ganhou um novo elemento na confusa sessão de quarta (7), quando o depoente saiu preso em um teatro pouco convincente do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

O protagonista foi próprio senador amazonense, que externou o que todo o mundo político comenta: a presença ostensiva de figuras militares nos rolos que vêm sendo descobertos nas entranhas do Ministério da Saúde.

Braga Netto faz pronunciamento na apresentação dos três novos comandantes de Força, a seu lado
Braga Netto faz pronunciamento na apresentação dos três novos comandantes de Força, a seu lado - Sergio Lima - 31.mar.2021/AFP

Para ficar numa analogia bélica, a reação foi desproporcional. O presidente Jair Bolsonaro incitou o ministro Walter Braga Netto (Defesa) a formular uma nota incendiária, que só falta sugerir que o Senado precisa se curvar aos desígnios da caserna.

Pior, na avaliação de alguns oficiais-generais, ele trouxe no texto a assinatura dos três comandantes de Forças, recém-alçados ao posto após a crise que derrubou o antecessor do general Braga Netto, Fernando Azevedo, e toda a cúpula militar em abril.

Isso ocorreu em alguns momentos agudos da crise no ano passado, mas com tom mais sereno típico do também general Azevedo.

Não que a fala de Aziz tenha sido relevada: mais de um desses oficiais considera inadmissível que as Forças Armadas sejam vilipendiadas, nas palavras deles, por causa da eventual transgressão de cinco oficiais da reserva —sob o comando, aí o tom de voz fica mais comedido, de um general da ativa, Eduardo Pazuello, então ministro.

Bolsonaro manipulou tal sentimento. Aziz, por sua vez, então explicou tardiamente que não falava do estamento militar como um todo, mas respondeu à altura ao dizer que não se intimidaria nem com 50 notas.

Tendo humilhado o Comando do Exército quando impediu a punição a Pazuello por ter ido ilegalmente a um ato político com ele, Bolsonaro fez valer sua repetida asseveração de controle dos fardados —logo ele, que saiu pelas portas dos fundos da Força.

A nota diz que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro".

O problema é óbvio para elas: não aceitarão como? Vão sitiar o Senado e infiltrar Forças Especiais, talvez lideradas pelos colegas de curso de Pazuello, para prender Aziz?

Considerando que os Altos-Comando do Exército e da Aeronáutica, além do Almirantado, têm se colocado contra as insinuações de aventuras autoritárias de Bolsonaro, a impressão que fica é de que seus comandantes estão passando recibo por meia dúzia de suspeitos —e aí cada um entende o que quiser.

O nervo exposto é a conhecida reversão do processo de atuação política dos fardados. O roteiro é conhecido: empoderados no governo Michel Temer e no episódio do habeas corpus de Lula, os militares embarcaram na candidatura Bolsonaro e foram fiadores da montagem de seu governo.

Só que, como apontou o próprio Temer, que nega ter disparado o processo, uma coisa é ter alguns militares em pontos afeitos às suas funções, outra é inundar a Esplanada com fardas e ocupar a Saúde com pessoas alheias à pasta em meio a uma pandemia.

Assim, além do vaivém como bucha de canhão retórica de Bolsonaro contra o mundo, as Forças acabaram se vendo escrutinadas administrativamente —logo elas, que sempre se orgulharam da imagem de profissionalismo. Daí para a associação com corrupção, conhecendo a máquina pública brasileira, é um pulo.

Fardados são atores políticos no Brasil desde a Questão Militar, pelo menos, no Império. A República nasceu sob espadas, e temos todo o século 20 para pontuar a questão. O caminho da profissionalização deveria ser o único para estabelecer o papel moderno das Forças.

Há setores militares francamente incomodados com o rumo que a associação com Bolsonaro tomou, ainda que sejam poucos os que façam mea culpa explícito. O argumento do "o PT não poderia voltar" ainda é sacado com frequência, o que leva à questão sobre o que acontecerá se Lula for eleito em 2022.

A própria CPI é vista, nos altos escalões, como um instrumento do jogo político, que visa ao fim estabelecer a igualdade de condições entre Bolsonaro, Lula e quem mais aparecer: todos seriam corruptos.

Até aí, avaliação política é livre —e o fato de o governo estar tentando se livrar dos acusados no episódio das vacinas mostra a dimensão de risco percebida, já aferida de resto na caracterização do presidente como um corrupto nos protestos recentes.

Mas há modos e modos de protestar institucionalmente. Ao aceitar o padrão Bolsonaro de rugido, os militares acabam sendo expostos como tigres de papel, exceto que desejem violar a Constituição.

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