Suposto sócio oculto de empresa que deu garantia irregular na compra da Covaxin é ligado a Barros

Em ação, Marcos Tolentino é citado como real dono da FIB Bank Garantias, firma com endereços e telefones coincidentes aos de outros negócios; ele nega sociedade oculta

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Brasília

Um empresário próximo ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, é apontado como sócio oculto da empresa que forneceu uma garantia irregular no negócio de compra da vacina indiana Covaxin.

Marcos Tolentino da Silva, cujo empreendimento mais conhecido é uma rede de TV sediada em Curitiba, é alvo de uma ação de cobrança na Justiça em São Paulo que pede o pagamento de uma dívida de R$ 832 mil. Uma construtora cobra o valor de Tolentino e de sete empresas que, segundo a ação, teriam o empresário como sócio oculto.

Entre essas empresas está a FIB Bank Garantias S.A., empreendimento usado pela intermediadora do negócio da Covaxin —a Precisa Medicamentos— para oferecer uma “carta de fiança” ao Ministério da Saúde.

A garantia oferecida no contrato de R$ 1,61 bilhão, dinheiro referente a 20 milhões de doses, é do tipo fidejussória, pessoal, e não está prevista no documento assinado entre Precisa, Bharat Biotech (a fabricante indiana do imunizante) e ministério.

O instrumento para cobrir 5% do contrato, no valor de R$ 80,7 milhões, deveria ser uma fiança bancária, um seguro-garantia ou uma caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, como consta no contrato.

A “carta de fiança” foi apresentada dez dias após o fim do prazo contratual. O ministério incluiu a garantia fidejussória no sistema de pagamentos do governo federal como se fosse um seguro-garantia. As irregularidades foram reveladas pela Folha em reportagens publicadas na semana passada.

Agora, surgem suspeitas de que a FIB Bank teria um sócio distinto dos que aparecem nos registros oficiais, sendo ele próximo a Barros. O parlamentar tem relação com as suspeitas da Covaxin, segundo afirmação que teria sido feita pelo próprio Bolsonaro ao ser avisado sobre as irregularidades no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro, Barros e Tolentino aparecem no Palácio do Planalto, publicada pelo próprio deputado em suas redes sociais no último dia 13. Ela se deu em evento oficial da privatização da Eletrobras.

Já em 20 de janeiro, Barros intermediou para o empresário uma reunião no Ministério das Comunicações. Os dois estiveram reunidos com o secretário de Radiodifusão, Maximiliano Salvadori.

Com base nos registros da Receita Federal, a reportagem constatou que o endereço da Rede Brasil de Televisão, emissora de Tolentino, é o mesmo de uma das duas empresas acionistas da FIB Bank, a Pico do Juazeiro Participações. O endereço informado nos registros dos CNPJs é rua Francisco Rocha, número 198, bairro Batel, Curitiba.

A segunda empresa acionista da FIB, a MB Guassu Administradora de Bens Próprios, tem o mesmo número de telefone do escritório de advocacia de Tolentino em São Paulo. O endereço também é o mesmo, levando em conta os registros públicos.

Empresas no nome de Ricardo Benetti, um dos sócios da Pico do Juazeiro, pertenceriam na verdade a Tolentino, conforme a ação de cobrança ajuizada na Justiça pela construtora GCI.

A ação, assinada pelo advogado Rafael D’Errico, reproduz uma procuração dada por essas empresas a Tolentino, com amplos poderes para ele abrir contas bancárias e fazer depósitos e retiradas.

O telefone informado à Receita como sendo da FIB Bank também é o mesmo de uma das empresas de Benetti. O nome dele está na denominação do escritório de advocacia de Tolentino: Benetti & Associados Gestão Tributária Empresarial.

“Não possuo qualquer participação na sociedade [da FIB Bank], que possui autonomia própria, não havendo qualquer ingerência da minha parte nos negócios da empresa”, disse Tolentino à Folha, por escrito. “Não sou sócio oculto da empresa.”

A FIB Bank presta serviços de garantias a clientes de seu escritório, conforme o empresário. Uma acionista da empresa de garantias e seu escritório estão num mesmo prédio, mas em conjuntos distintos, afirmou.

“Tal proximidade se deve ao fato de o escritório jurídico ter se utilizado dos serviços prestados pelo FIB Bank, desde que este iniciou suas operações, permanecendo ainda os números de telefone da época como canal de atendimento dos clientes”, disse. A cobrança da construtora GCI é indevida e a dívida cobrada já está quitada, afirmou Tolentino.

A FIB Bank foi acionada na Justiça ainda em razão de uma suspeita de fraude envolvendo os nomes dos primeiros sócios. Geraldo Rodrigues Machado e Alexandra Pereira de Melo foram colocados como antigos sócios, mas eles negam. Cada um moveu uma ação na Justiça em São Paulo dizendo ter sido vítima de fraude.

Machado afirmou morar no sertão de Alagoas e ter descoberto que seu nome foi usado ao tentar sacar um seguro-desemprego. Melo passou a receber cobranças indevidas, se viu num inquérito policial e teve a concessão do Bolsa Família encerrada diante do uso de seu nome, conforme a ação.

No caso da mulher, a Justiça declarou a inexistência da relação jurídica, anulou os registros e estabeleceu o pagamento de R$ 20 mil por danos morais. Ficou constatado que a assinatura usada é distinta da assinatura de Melo, conforme decisão judicial.

A ação de cobrança contra a FIB Bank afirma que o terreno de Curitiba tido como principal patrimônio da empresa, usado para justificar um capital de R$ 7,5 bilhões, é um quarto do informado. Além disso, conforme a ação, um laudo aponta que se trata de loteamento clandestino, com indício de que seja uma invasão.

“Inexiste qualquer empresa ou pessoa física oculta, tampouco identidade de endereço e telefone com a pessoa de Marcos Tolentino da Silva”, disse a FIB Bank em nota.

“A companhia já se valeu de empresas para a intermediação de suas operações, dentre as quais a Benetti Representações, sem exclusividade, como outras empresas no mercado, se valendo do número de telefone dos parceiros para contato e aproximação com clientes”, cita.

A empresa afirmou que a dívida cobrada na Justiça já está paga. “A relação com Marcos Tolentino da Silva e as empresas que ele representa são meramente comerciais. Por questões contratuais, de compliance, as informações negociais são protegidas por sigilo.”

Não houve fraude envolvendo os nomes de sócios anteriores e o patrimônio da empresa está lastreado em bens imóveis, afirmou. “A área relativa ao suposto loteamento clandestino foi destacada do instrumento público e não compõe o capital social da empresa.”

Segundo a nota, as tratativas com a Precisa se deram entre empresas, sem intermediários, e a garantia oferecida é regular e amparada por lei.

A reportagem não localizou o empresário Ricardo Benetti.

À Folha, por meio da assessoria de imprensa, Barros não respondeu se foi ele que levou Tolentino ao evento no Planalto.

“Tolentino é dono da Rede Brasil de Televisão e por isso estava no evento.” Já a agenda no Ministério das Comunicações serviu para “acompanhar protocolos que envolvem sua rede de televisão”, disse o deputado.

O líder do governo na Câmara afirmou desconhecer informações sobre participação oculta do empresário na FIB Bank. “Tolentino tem emissoras de televisão no Paraná e o conheço deste setor. Também é advogado com trabalho reconhecido.”

Tolentino disse que Barros “é um conhecido há muitos anos, quando residia em Curitiba, onde até hoje mantenho contato”. O empresário confirmou ter comparecido a órgãos públicos, com a participação de autoridades que incluem o presidente da República. O assunto, segundo ele, foi marcos regulatórios do setor de telecomunicações.

“Conheço o presidente desde que ele era deputado federal, mas não possuo amizade pessoal”, disse o empresário. O encontro no Planalto foi “meramente casual”, segundo ele.

Tolentino confirmou ter pedido a Barros uma agenda no Ministério das Comunicações. A “especial gentileza” foi solicitada ao deputado em razão de “limitações físicas” causadas por um tratamento para Covid-19, afirmou.

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