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PGR e AGU se alinham na defesa de atos de Bolsonaro, aponta estudo sobre ações movidas no Supremo

Ataques à Constituição e às instituições promovidos pelo presidente são responsáveis por intenso litígio no Supremo

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

Luiza Pavan Ferraro

Pesquisadora da FGV Direito SP

Um olhar minucioso sobre as ações constitucionais movidas contra os atos do governo Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal revela importantes informações sobre o perfil dos litigantes, a natureza dos atos questionados e o comportamento da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.

Olhando para as ações de controle de constitucionalidade levadas ao Supremo de janeiro de 2019 a junho de 2021, é possível perceber um aumento de litigiosidade sobre os atos do governo Jair Bolsonaro quando comparado a outros anos e governos: são 287 ações contra atos de Bolsonaro, comparadas a 69 ações levadas ao Supremo em 2015 e 2016, dois primeiros anos do governo Dilma Rousseff.

O grande número de ações contra atos de Bolsonaro se explica, em parte, pelo alijamento do Congresso Nacional no controle destes atos.

Os dados mostram que 75,1% das ações no Supremo questionam atos do governo Bolsonaro que foram editados sem participação do Congresso ou apenas com controle posterior (medidas provisórias, decretos, portarias, posturas individuais e omissões).

Uma vez excluídos da produção normativa, os partidos políticos são os principais atores a levar casos contra Bolsonaro ao Supremo: 64,5% das ações foram propostas por partidos políticos, sobretudo de oposição.

Porém não só o alijamento do Congresso da produção normativa explica o aumento de litigiosidade.

A sistematicidade de ataques à Constituição e às instituições democráticas promovida pelo governo Bolsonaro é responsável também pelo intenso litígio levado ao Supremo.

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Os temas das ações refletem frentes de violação constitucional encampadas pelo governo Bolsonaro, baseadas sobretudo em sua agenda ideológica: desmonte de direitos e políticas públicas sociais (49%), condução da pandemia de Covid-19 (35,7%) e ataques à qualidade democrática (15,3%).

Chama a atenção, diante da agenda de ofensas contínuas à Constituição promovidas pelo governo Bolsonaro, a quase inexistente participação da Procuradoria-Geral da República enquanto autora de ações: propôs 1,74% das ações contra atos do governo de 2019 a 2021, chegando à máxima retração como instituição de controle dos atos do Poder Executivo federal desde a ampliação da legitimação para ações constitucionais promovida pela Constituição em 1988.

Sob o comando de Augusto Aras, a Procuradoria-Geral da República tampouco tem exercido papel de controle dos atos do presidente Bolsonaro quando chamada a se manifestar nas ações.


Os dados mostram que a PGR tem se valido do uso do tempo para evitar eventuais confrontos com o presidente Bolsonaro nas ações em tramitação no Supremo.

No momento em que esta pesquisa foi finalizada, a PGR havia se manifestado em apenas 148 das 287 ações, sendo que em quase um terço o fez depois que da perda de objeto, seja pela revogação do decreto e pela caducidade ou conversão em lei da medida provisória.

Tendo em vista os prazos exíguos do processo constitucional (5, 10 ou 30 dias para manifestação), a demora parece ser uma escolha estratégica.

Quando se manifestou sobre o mérito das ações, a PGR promoveu um alinhamento com a Advocacia-Geral da União na defesa dos atos do governo Bolsonaro.

Os dados mostram alinhamento (concordância quanto à admissibilidade, pedido liminar e mérito) entre as posições da AGU e a PGR quando se manifestam nas ações que questionam atos do governo, mesmo que as ações se refiram a atos atrelados a um processo deliberado de degradação democrática, ameaças a direitos fundamentais e insegurança sanitária frente à pandemia de Covid.

Das ações analisadas em que há manifestações de ambas as instituições (103), há um alinhamento entre AGU e PGR em 85,71% das ações no mérito; em 71,43% das ações quanto ao pedido liminar e 93,97% em questões processuais de admissibilidade.

Não haveria nenhum problema neste alinhamento, se a AGU adotasse um comportamento técnico-jurídico em defesa da Constituição.

Porém os dados mostram que a AGU defende a ampliação do poder discricionário de Bolsonaro na edição dos atos normativos e a validade de tais atos baseada na escolha popular, e não na Constituição.

A AGU chancelou todos os atos questionados do presidente e de seus ministros, independentemente da institucionalidade e da gravidade dos mesmos, agindo, em muitos casos, com ausência de embasamento científico em relação à reestruturação de políticas públicas.

Por exemplo, AGU e PGR defenderam indicação, produção e distribuição de cloroquina e hidroxicloroquina pelo governo Bolsonaro na ADPF 707.

Para a AGU, tal incentivo ao uso de tratamentos comprovadamente ineficazes seria uma forma de “ampliar o acesso dos pacientes a medicamentos para o tratamento da Covid-19 no SUS”.

Para o PGR, não seria possível impedir “que o poder público federal recomende o uso de medicamento específico para tratamento da Covid-19, sob o fundamento de falta de comprovação científica de sua eficácia e da existência de riscos à saúde da população”.

A AGU e a PGR, ao não se apresentarem como controles argumentativos e processuais nas ações de controle de constitucionalidade e ao mobilizarem argumentos jurídicos favoráveis aos atos do governo Bolsonaro, contribuem para que tais atos se revistam de aparente legalidade.

Dessa forma, normalizam atos infralegais e parainstitucionais adotados sem controle do Congresso e responsáveis por uma agenda de desmonte de políticas públicas sociais, de disseminação da pandemia de Covid-19 e de ataques à democracia perante o sistema de Justiça.

Assim, quando a PGR se alinha à AGU, alinha-se também a um projeto de desmonte da Constituição e constroem uma arquitetura jurídica da desresponsabilização do presidente e de seus ministros.

Os dados para este estudo foram extraídos das ações em curso no STF e disponíveis, na íntegra, no site do tribunal.

Como os processos são dinâmicos, não estão encerrados e comportam novas ações e manifestações processuais. Estes dados poderão ser alterados ao longo do tempo.

Os dados e argumentos aqui usados fazem parte da pesquisa “Arquitetura jurídica da desresponsabilização: Advocacia Geral da União e Procuradoria-Geral da República nas ações contra o governo Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal” em projeto coletivo e interinstitucional de pesquisa: Project on Autocratic Legalism (PAL), com previsão de publicação em janeiro de 2022.

O que diz a pesquisa

Ações de controle de constitucionalidade levadas ao Supremo

  • 287 ações contra atos de Bolsonaro, de janeiro de 2019 a junho de 2021
  • 69 ações contra atos de Dilma Rousseff, em 2015 e 2016
  • 75,1% das ações questionam atos do governo Bolsonaro editados sem participação do Congresso ou apenas com controle posterior
  • 64,5% das ações contra a gestão atual foram propostas por partidos, sobretudo da oposição

Temas das ações contra Bolsonaro

  • 49% sobre desmonte de direitos e políticas públicas sociais
  • 35,7% sobre a condução da pandemia
  • 15,3% sobre ataques à qualidade democrática

Participação de PGR e AGU

  • 1,74% das ações foram propostas pela Procuradoria
  • 148 das 287 ações tiveram manifestação da PGR
  • 103 ações tiveram manifestação de PGR e AGU
  • 85,7% das ações com manifestação das duas entidades tiveram alinhamento entre elas no mérito
  • 71,4% das ações com manifestação das duas entidades tiveram alinhamento entre elas quanto ao pedido liminar
  • 93,9% das ações com manifestação das duas entidades tiveram alinhamento entre elas em questões processuais de admissibilidade
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