Descrição de chapéu Folhajus ameaça autoritária

Bolsonaristas usam uniforme militar em atos, insuflam ataques e podem ser enquadrados em crime

Código Penal Militar prevê prisão de até 1 ano em caso de uso indevido de roupas, inclusive por civis, caso iludam terceiros

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Brasília

A manifestação de raiz golpista na Esplanada dos Ministérios contou com grupos numerosos de bolsonaristas vestidos com indumentárias militares, responsáveis por atos e discursos que remetiam a rotinas na caserna.

Partiram de parte desses grupos ofensivas inflamadas para invadir a via que dá acesso ao STF (Supremo Tribunal Federal), bloqueada desde o início da semana pela PM do DF. Caminhoneiros responsáveis por 101 caminhões estacionados na Esplanada também pressionaram pela invasão.

A Esplanada foi liberada nesta sexta-feira (10), até a altura do Ministério da Saúde. Os caminhões foram retirados das vias. Como ainda há manifestantes no local, com previsão de que continuem até domingo (12), o acesso à praça dos Três Poderes e ao STF segue bloqueado.

A Folha registrou em fotos a participação desses grupos na manifestação de 7 de Setembro e também acompanhou a atuação desses bolsonaristas radicais nos dois dias seguintes.

Bolsonaristas mais radicais comparecem com indumentária militar a ato com viés golpista no 7 de Setembro e nos dias seguintes
Bolsonaristas mais radicais comparecem com indumentária militar a ato com viés golpista no 7 de Setembro e nos dias seguintes - Vinicius Sassine/Folhapress

Eles se mostravam para os demais manifestantes como militares e conduziam marchas, discursos ou estratégias de ataque a instituições. Não fica claro se ali estavam militares da reserva, civis trajados com roupas militares ou paramilitares.

A reportagem mostrou as imagens a integrantes do Exército e às assessorias da Força e do MPM (Ministério Público Militar), este último responsável por investigar e denunciar crimes militares à Justiça.

O uso dos paramentos pode configurar crime militar, se ficar caracterizada a intenção de "enganar com algum propósito específico".

O Código Penal Militar prevê punição tanto a integrantes das Forças quanto a civis que se passam por esses integrantes. O crime é de "uso indevido de uniforme, distintivo ou insígnia" e tem pena de prisão de seis meses a um ano.

A punição, porém, vem esbarrando na jurisprudência adotada pela Justiça Militar. Tribunais vêm compreendendo que o uso parcial da farda é "incapaz de iludir terceiros".

Nas manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e contra o STF, com pedidos golpistas de fechamento da corte, os grupos com trajes militares se apresentavam e buscavam se comportar como militares.

Um deles era formado por "paraquedistas", com um traje em comum: uma boina vermelha. Outros usavam roupas camufladas da cabeça aos pés e tinham os rostos pintados de verde.

As insígnias plugadas às roupas eram as mais distintas possíveis: símbolo da ONU (Organização das Nações Unidas), bandeira de Israel, "selva", "paraquedista", "montanha", "cães de guerra". Outros estavam vestidos com camisas que traziam a inscrição "associação de reservistas".

Na Esplanada, homem traja uniforme de associação de reservistas durante ato de raiz golpista
Na Esplanada, homem traja uniforme de associação de reservistas durante ato de raiz golpista - Vinicius Sassine/Folhapress

Parte desses grupos conduzia marchas pelas vias bloqueadas da Esplanada dos Ministérios. Um deles chegou a mobilizar uma grande quantidade de bolsonaristas para entregar um "documento" em algum ministério, marchando até o suposto destino final.

Outro grupo tentou organizar uma forma de romper a barreira montada na altura do Itamaraty, a única que restou após duas barreiras serem derrubadas ainda no dia 6, véspera do 7 de Setembro.

O grupo não teve êxito. O bloqueio do acesso ao Congresso e ao STF seguiu funcionando até a tarde desta sexta.

Os atos dos militares, paramilitares ou civis trajados de militares eram marcados pela confusão, pela indefinição de propósitos, pelos ataques ao STF e por forte mobilização de outros manifestantes.

Em razão da hostilidade a jornalistas, a reportagem não abordou os manifestantes para entrevistas.

No Exército, o entendimento do comandante e de seu entorno —manifestado internamente na véspera da manifestação— era de que a participação de militares da ativa estava proibida em qualquer circunstância, mesmo à paisana.

A identificação de militares da ativa nos atos de viés golpista fica passível a abertura de processo disciplinar e punição, segundo esse entendimento. Até o momento, não teria havido identificação de casos pelo Exército.

No caso dos militares da reserva, uma lei de 1986 garante a manifestação de pensamento político, "ressalvada a responsabilização, quando desrespeitados os limites estabelecidos em lei", conforme o Exército, em nota enviada à reportagem.

Manifestantes durante ato de raiz golpista na Esplanada; uso de indumentárias militares por civis pode configurar crime
Manifestantes durante ato de raiz golpista na Esplanada; uso de indumentárias militares por civis pode configurar crime - Vinicius Sassine/Folhapress

O Exército tem 218 mil militares na ativa e 83 mil na reserva remunerada. Há ainda os que estão na reserva não remunerada, que prestaram apenas o serviço militar inicial e os que permaneceram como temporários.

"Os militares do Exército são constantemente orientados em relação às limitações legais para a participação em atos políticos. Não constitui prática desta Força fazer monitoramento da vida privada dos seus integrantes. Casos de ilícitos e transgressões disciplinares praticados durante atividades particulares são rigorosamente tratados conforme a legislação em vigor", cita a nota.

Quando um militar passa para a reserva, padrões de apresentação e uso do uniforme deixam de ser "impositivos", segundo o Exército.

"A grande quantidade de reservistas impossibilita fazer uma distinção entre militares e civis estando os dois públicos reunidos", afirmou em nota, após análise das imagens enviadas pela reportagem.

O uso indevido de uniforme, distintivo ou insígnia está tipificado como crime militar, afirmou o Exército. O crime, porém, vem sendo enquadrado quando há um "elemento privativo" das Forças Armadas usado para "prejudicar a fé pública e a credibilidade da administração militar".

"O fato de o uniforme estar incompleto, para muitos tribunais, se configura como fato atípico. Já que o uso parcial da farda seria incapaz de iludir terceiros, não seria possível aplicar os artigos 171 e 172 do Código Penal Militar", cita a nota.

O MPM, por sua vez, afirmou que a presença em manifestações de caráter político pode caracterizar transgressão disciplinar, cuja atribuição de investigação e punição é da própria Força.

"Especificamente quanto às pessoas fotografadas, somente seriam em tese criminosas suas condutas, à luz do artigo 172 do CPM, se tivessem a intenção de ludibriar, tentando-se passar por militares sem que o fossem", disse em nota.

Há peças usadas pelos manifestantes que "não necessariamente" pertencem às Forças Armadas, segundo o MPM. "Muitas delas, com estampas similares de camuflagem, podem ser adquiridas em lojas comerciais e na internet."

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