Descrição de chapéu Folhajus STF

Bolsonaro teria 25 indicações em 5 tribunais com PEC que muda aposentadoria no STF

Integrantes do Supremo afirmam que proposta que anteciparia aposentadoria é inconstitucional; Lira nega acordo para votá-la

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Brasília

Ainda sem acordo para avançar na Câmara, a PEC (proposta de emenda à Constituição) que antecipa de 75 para 70 anos a aposentadoria de membros de tribunais superiores abriria, em caso de aprovação, 25 vagas para indicação do presidente Jair Bolsonaro até o final de 2022.

Além do STF (Supremo Tribunal Federal), para o qual Bolsonaro poderia apresentar mais 2 nomes, estariam em jogo 23 postos em 4 cortes: STJ (Superior Tribunal de Justiça); STM (Superior Tribunal Militar); TST (Tribunal Superior do Trabalho); e TCU (Tribunal de Contas da União).

Na terça-feira (23), a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou a admissibilidade da proposta. Com isso, o colegiado entendeu que o texto preenche requisitos legais para tramitar na Casa.

Ministros no plenário do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr.-2.ago.21/SCO/STF

Em conversas reservadas, ministros do Supremo avaliam não haver chance de a corte permitir que a PEC atinja magistrados que já estão no cargo.

Magistrados dizem que a jurisprudência autoriza o arquivamento da proposta antes mesmo de ela ser aprovada no Congresso, sob o argumento de que violaria a independência do Judiciário, cláusula pétrea da Constituição.

Ministros veem o avanço do tema na Câmara como uma retaliação após a corte suspender a execução das emendas de relator —dinheiro manejado por governistas às vésperas de votações de interesse do Planalto.

A PEC foi aprovada duas semana depois de o STF barrar por falta de transparência o instrumento de negociação política. Por ora, magistrados dizem acreditar que a matéria não irá avançar a ponto de forçar uma intervenção.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já afirmou nesta quarta-feira (24) que a PEC de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), aliada de Bolsonaro e presidente da CCJ, não tem acordo para prosseguir na Casa.

No entanto, se a PEC for aprovada como está, os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, hoje com 73 anos de idade, teriam de se aposentar imediatamente.

Rosa Weber é relatora do inquérito que apura se Bolsonaro prevaricou ao ser avisado de irregulares no processo de compra da vacina Covaxin. Lewandowski, por sua vez, foi autor de uma série de decisões que impuseram ao governo a adoção de medidas para o enfrentamento da pandemia.

Bolsonaro já indicou ao STF o ministro Kassio Nunes Marques. Ele foi empossado no ano passado, após a aposentadoria de Celso de Mello.

Para o lugar do ex-ministro Marco Aurélio Mello, que deixou o tribunal no início de julho, o presidente escolheu o ex-advogado-geral da União André Mendonça, que espera o crivo dos senadores há mais de quatro meses. A sabatina está prevista para ocorrer na próxima semana.

A PEC afeta também os demais tribunais superiores em números ainda mais expressivos. Oito ministros têm ou completarão 70 anos até dezembro de 2022 no STJ. Há cinco casos no STM. No TST, são seis integrantes nessa situação.

A proposta em tramitação na Câmara mexe também com o TCU, instituição vinculada ao Legislativo.

Quatro ministros têm mais de 70 anos ou atingirão a idade até o final do ano que vem, incluindo Raimundo Carreiro, indicado por Bolsonaro para assumir a embaixada brasileira em Portugal.

O mérito da PEC será avaliado por uma comissão especial e pelos plenários da Câmara e do Senado.

Para ser promulgado e passar a valer, o texto precisará do apoio de 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores, em votação em dois turnos.

Em 2018, quando era presidente do Supremo, o ministro Dias Toffoli criticou publicamente a proposta. Ele chegou a afirmar que não havia chance de ela ser validada pela corte.

Para defender a proposta, Kicis afirmou que o Congresso errou ao mudar, em 2015, a idade de aposentadoria de ministros dos tribunais superiores de 70 para 75 anos.

"A mencionada elevação de idade para aposentadoria compulsória, além de não proporcionar à administração pública qualquer benefício considerável, revelou-se extremamente prejudicial para a carreira da magistratura, que ficou ainda mais estagnada do que já era", escreveu na justificativa da PEC.

No primeiro semestre de 2015, em meio a uma disputa por espaço no segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), líderes da base aliada, em especial do MDB, levaram adiante a proposta que retirou da petista a possibilidade de fazer até cinco indicações ao Supremo.

O professor de direito do Insper Diego Werneck Arguelhes entende que a extensão dos mandatos de ministros do Judiciário é tema a ser enfrentado pelo país, mas faz ressalvas quanto ao teor da proposta em análise na Câmara e ao momento.

"Esse é um tipo de tema a respeito do qual a gente vê sempre esse teatro. Parece que se quer discutir o sistema, mas na verdade o que se faz é uma atuação na conjuntura contra outros Poderes", afirmou.

"Em 2015, quando foi aprovada a PEC da Bengala, não era segredo para ninguém que a ideia era tirar indicações da ex-presidente Dilma num momento de tensão com o Congresso".

Ele defende mandatos fixos para ministros de modo a evitar, por exemplo, que um magistrado ocupe a cadeira por 10 anos e um outro, por 35 anos.

"Acho superior um sistema em que ministros cumpram mandatos por períodos que sejam iguais para todos e suficientemente longos, não extensos demais, a lhes assegurar a oportunidade de desenvolver sua visão constitucional."

"Se o diagnóstico é o de que ministros do STF estão ficando por muito tempo lá, antecipar a aposentadoria de 75 para 70 anos faz a diferença?"

Werneck disse não ver chance de o Supremo considerar constitucional a PEC que faça com que os ministros que lá já estejam tenham que se aposentar.

"Isso é impeachment de ministros disfarçado", disse o professor do Insper. "Não pode o governo da vez criar uma medida que vai possibilitar a ele tirar ministros e colocar ministros numa escala fora do cronograma constitucional previsto."

Para o advogado constitucionalista Saul Tourinho Leal, a PEC que muda a idade de aposentadoria em tribunais superiores viola a Constituição e não poderia atingir os magistrados que já estão no cargo.

"É preciso ter cuidado para que essas alterações na idade de aposentadoria dos ministros do STF não se convertam em manipulação da composição do Tribunal", disse Leal.

"Isso violaria a independência entre os Poderes. Penso que a composição atual, por exemplo, não poderia ser alcançada pela proposta, exatamente para evitar qualquer interferência indevida."

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