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Prescrição no caso tríplex antecipa embate entre Lula e Moro para 2022

Pedido de arquivamento dá munição a discursos, e Bolsonaro eleva tom contra ex-juiz, que se diz entristecido

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São Paulo

O pedido de arquivamento do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex de Guarujá (SP), emitido nesta segunda-feira (6) pelo MPF (Ministério Público Federal) sob o argumento de prescrição, paradoxalmente serve a discursos rivais na corrida presidencial de 2022.

Além do próprio Lula —que ganha mais um elemento para a narrativa de perseguição pela Operação Lava Jato e de inocência após a anulação de suas condenações pelo STF (Supremo Tribunal Federal)—, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) vê chance de reavivar a bandeira de combate à corrupção.

Moro, em evento em São Paulo na noite desta terça-feira (7) para lançar seu livro "Contra o Sistema da Corrupção", disse que a decisão do MPF o entristece e voltou a chamar de "erro judiciário" as anulações no STF.

MONTAGEM bolsonaro (Ueslei Marcelino/Reuters) lula (Marlene Bergamo/Folhapress) moro (Evaristo Sá/AFP)
Jair Bolsonaro (PL), Lula (PT) e Sergio Moro (Podemos) - Ueslei Marcelino/Reuters, Marlene Bergamo/Folhapress e Evaristo Sá/AFP

As reações iniciais à decisão reforçaram nesta terça o antagonismo entre os dois, no momento em que o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), eleva o tom contra o ex-aliado Moro, em esforço para estancar a perda de eleitorado à direita para seu ex-ministro da Justiça.

No front petista, o tom de comemoração dominou falas e postagens em redes sociais de parlamentares e apoiadores do ex-presidente. Lula se limitou a reproduzir a manifestação de sua defesa, na linha de que o processo foi "inventado pela Lava Jato" e comprova a parcialidade do ex-magistrado.

A nota dos advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins aproveitou para atacar o ex-procurador do MPF Deltan Dallagnol, que também se filiará ao Podemos e deve disputar uma cadeira de deputado federal. Para os defensores, Moro e Deltan agiram em conluio para tirar Lula da eleição de 2018.

Ao comentar o pedido do MPF em uma rede social, Moro lamentou que "manobras jurídicas" tenham "enterrado de vez" o processo contra o petista e acenou à base lava-jatista.

"Crimes de corrupção deveriam ser imprescritíveis, pois o dano causado à sociedade, que morre por falta de saúde adequada, que não avança na educação, jamais poderá ser reparado", afirmou o ex-juiz.

Mais tarde, no lançamento do livro, o presidenciável afirmou: "Essa decisão hoje me entristece, porque a gente vê um sistema de Justiça que não decide mérito, um sistema de Justiça que não dá respostas para as pessoas". Ele voltou a defender seu trabalho na Lava Jato e ironizou retóricas petistas.

Em nota, Deltan disse que neste momento "cumpre restabelecer a verdade". "O ex-presidente foi acusado nesse caso por crimes gravíssimos de corrupção e lavagem de dinheiro por mais de 15 procuradores e foi condenado por 8 julgadores independentes de três instâncias do Poder Judiciário."

As críticas à decisão do MPF foram endossadas por nomes à direita próximos a Moro. O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), cofundador do MBL (Movimento Brasil Livre), falou em "vergonha" e "vitória da impunidade". O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) disse que a luta contra a corrupção sofre um golpe.

"Isso [prescrição] coroa uma arquitetura a favor da impunidade, que visa a beneficiar o ex-presidente e outros alvos da Lava Jato. A ala da corrupção quer vingança, e o principal alvo é o Moro. Por isso eles sequestram a narrativa, distorcem os fatos", afirmou o senador à Folha.

A expectativa de que o acerto de contas entre Lula e Moro seja um dos temas centrais da campanha de 2022 faz parte dos cálculos eleitorais dos dois lados.

"Não temos dificuldade de fazer esse debate", disse à Folha o secretário nacional de comunicação do PT, Jilmar Tatto. "Não nos recusamos a discutir esse tema e revelar essa farsa, embora nossa prioridade seja falar de combate à fome, ao desemprego e às mazelas que fazem o povo brasileiro sofrer."

O entendimento pela prescrição do caso tríplex se soma a uma sequência de vitórias judiciais obtidas por Lula após as decisões do STF que reabilitaram seus direitos políticos e levaram Moro a ser considerado parcial ao condenar o petista na Lava Jato do Paraná.

Segundo Tatto, não é o caso de falar em surpresa da cúpula petista pelas decisões favoráveis em cascata ("elas apenas restabelecem a verdade", diz ele), mas há a avaliação no partido de que Judiciário e Ministério Público têm agido com celeridade para tentar resgatar sua credibilidade.

"O fato de Moro ter se filiado a um partido e iniciado sua pré-candidatura, confirmando tudo o que estamos falando desde o início, desmoralizou as instituições. É evidente que essas decisões ajudam Lula [na eleição], mas, antes de tudo, contribuem para restaurar o devido processo legal", afirmou.

O dirigente disse ainda que o presidenciável do Podemos "não tem autoridade moral" para criticar o pedido de arquivamento. "Ele [Moro] fez parte da corrupção que ajudou a quebrar o país. Corrompeu as instituições, por não ter sido um juiz imparcial. Quer corrupção maior do que essa?"

O PT adotou a estratégia de culpar Moro pelos problemas na Petrobras e associar a crise na empresa, por exemplo, à alta nos preços dos combustíveis. Além disso, a legenda atribui à Lava Jato a derrocada de empresas atingidas pelas investigações e o consequente fechamento de vagas de emprego.

O ex-juiz reagiu à tese petista dizendo se tratar de uma tática para "alterar a verdade e inverter valores", transformando "bandidos em heróis" e culpando "quem combateu o crime".

Para Alvaro Dias, o debate sobre o enfrentamento da corrupção "será inevitável" em uma disputa com a participação de Lula e Moro. "Obviamente, os preciosismos processuais serão discutidos na academia e nos tribunais, mas na rua o que será discutido é se houve ou não o roubo", disse.

"Tenho certeza de que na rua o condenado será o STF, e não Moro. Vai prevalecer o sentimento de que houve assalto aos cofres públicos", completou. Segundo ele, a questão pode ser benéfica à campanha do ex-juiz: "Será uma forma de recuperar o patrimônio adquirido em tantos anos usando toga".

O aliado de Moro repisou, na defesa do ex-magistrado, informações como a de que as sentenças dele na Lava Jato tinham sido confirmadas por tribunais superiores e que a troca de mensagens entre membros da operação não expôs nada além de "uma interação regular entre agentes públicos".

Enquanto se desenrola o embate entre Lula e Moro em torno da Lava Jato, Bolsonaro intensifica os ataques a seu ex-auxiliar e reforça a pecha de traidor, deixando de lado momentaneamente a polarização com Lula.

Nos últimos dias, o presidente disse que o ex-juiz "não aguentaria dez segundos de debate" com ele e pôs em xeque seu trabalho como ministro.

O atual titular do Planalto afirmou que Moro atuou contra portarias para flexibilizar o armamento, mesmo sabendo de sua posição em defesa da pauta. "Como é que o cara aceita trabalhar comigo sabendo que eu sou armamentista e depois trabalhar contra?", questionou, insinuando falta de caráter.

Bolsonaro também o chamou indiretamente de idiota e declarou que o rival "nunca abriu a boca em reunião de ministros", é despreparado para atuar no Executivo e está fazendo "um papel de palhaço" com a pré-candidatura.

"Nossa oposição é aos dois. Moro e Bolsonaro são a mesma coisa, representam o mesmo tipo de projeto", diz Tatto, do PT.

"É a revelação de um certo desespero [de Bolsonaro]", afirma Dias, do Podemos. "Moro é um protagonista, vai apanhar da direita e da esquerda. Mas é igual clara de ovo: quanto mais bate, mais cresce."

Moro durante o lançamento do livro "Contra o Sistema da Corrupção", nesta terça-feira (7), em São Paulo - Mathilde Missioneiro/Folhapress

No evento para lançar seu livro na capital paulista, Moro buscou desconstruir versões alardeadas pelo PT, como as de que ele agiu na Lava Jato com intenções políticas, integrou uma conspiração para prejudicar Lula e perseguiu ou poupou investigados baseado em preferências e interesses pessoais.

O ex-juiz reclamou da impunidade no Brasil, defendeu mudanças no sistema judicial e criticou anulações de condenações como a que beneficiou o ex-ministro Antonio Palocci, proferida na semana passada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), derrubando decisão de Moro quando ele era magistrado.

"[Tem alguma coisa profundamente errada] quando a gente vê tribunais anulando condenação por corrupção, até de quem confessou crime. Eu vi esses dias lá, do Palocci. Confessou e devolveu dinheiro", afirmou.

Moro se disse insatisfeito também com o envio em série de casos apurados pela Lava Jato para a Justiça Eleitoral. "Quando fazem isso, dizem lá: 'Ah, o Moro mais uma vez foi derrotado'. O Moro? Quem está sendo derrotado somos nós, é o país. É o país que está perdendo a oportunidade de avançar", discursou.

"O que faz um país prosperar são instituições fortes. E você não conhece nenhum país que prosperou ou construiu com êxito o seu modelo de desenvolvimento baseado na corrupção."

Como mostrou a Folha, a pré-candidatura de Moro atrai dissidentes do bolsonarismo e pode reunificar setores da direita que estiveram com Bolsonaro em 2018, em especial grupos lava-jatistas, antipetistas, defensores do liberalismo econômico e alas das Forças Armadas.

O ex-juiz, além de atacar o PT pelo envolvimento em escândalos de corrupção, fustiga o ex-chefe pelas denúncias de "rachadinha" que envolvem a família.

O agora presidenciável é instado por aliados a ampliar o rol de pautas de sua pré-campanha e abordar temas para além da causa anticorrupção. Ele deu um passo ao abraçar o liberalismo e nomear o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore como seu conselheiro para a área.

Presidentes de alguns dos principais partidos do país avaliaram, nos últimos dias, que o ex-juiz tem grandes chances de ultrapassar Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto dos próximos meses, segundo reportagem da coluna Painel.

Há, no entanto, uma postura de cautela em relação à decolagem da candidatura, mesmo em setores da chamada terceira via que podem vir a se aliar ao projeto do Podemos. Políticos e potenciais aliados dizem ser preciso avaliar, por exemplo, a variação da taxa de rejeição a ele.

Bolsonaristas têm também espalhado a mensagem de que o ex-magistrado, que rompeu com o presidente ao pedir demissão em abril de 2020, possui teto de 15% de intenções de voto e não conseguirá abalar o núcleo de apoio de 25% que está com o atual mandatário.

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