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Sob pressão, Mendonça optou por renegar pilares do bolsonarismo

Afagos a gays, estado laico, antifascismo e garantismo miraram oposição e centrão

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Brasília

Tendo levado um chá de cadeira de quase cinco meses entre a indicação e a sabatina desta quarta-feira (1º), André Mendonça chegou ao Senado com um roteiro talhado para tentar vencer resistências, ao gosto do freguês.

E o gosto do freguês se mostrou bem oposto ao do bolsonarismo. Oposição, centrão, antilavajatistas, "garantistas", democratas, ateus, gays, minorias em geral, todos tiveram sua parcela de afago nas oito horas de sessão.

Em um exemplo raríssimo de desautorização pública dos principais valores e práticas do responsável por sua indicação, Mendonça se comprometeu claramente com a democracia, o estado laico e os direitos das minorias, todos valores atacados por Jair Bolsonaro (PL) e aliados.

No momento talvez mais simbólico de toda a estratégia, chegou inclusive a concordar com o senador petista Rogério Carvalho (SE) e dizer "que todos nós somos antifascistas".

André Mendonça durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - Adriano Machado/ Reuters

Embora o fascismo clássico diga respeito a outros períodos históricos —em especial à Itália de Benito Mussolini—, a similaridade de alguns valores e ações do bolsonarismo com esse movimento leva muitos de seus críticos a classificar o presidente de fascista.

Mendonça chegou à sabatina com uma das maiores pressões contrárias na história de indicados para uma cadeira na mais alta corte da Justiça brasileira.

A pressão se refletiu tanto nos placares da CCJ —19 a 8, só 9 votos de folga— e do plenário, 47, só 6 a mais do que o necessário, ambos os mais apertados para indicados ao STF nos últimos 20 anos, pelo menos.

Com resistência aberta do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da oposição e de integrantes do centrão, que o viam como perigosamente alinhado à Lava Jato, o ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça acusou o golpe.

O discurso antibolsonarista foi direcionado a todos os antibolsonaristas, da esquerda à direita. A pregação contra o ativismo do Judiciário, contra a criminalização da política e a favor do "garantismo" —ou seja, da estrita observância das leis, segundo os defensores da tese, ou da impunidade, segundo os críticos—, se dirigiu à coalizão contrária à Lava Jato, que une centrão e esquerda em um só bloco.

Sobre a única vez em que falou diretamente sobre a Lava Jato, Mendonça afirmou: "Eu falei da importância, principalmente para o homem público, da sua imagem —de todo cidadão. Quando nós fazemos prejulgamentos, por vezes, nós inviabilizamos a própria recuperação dessa imagem ao longo dos anos", disse, repetindo uma expressão que virou uma espécie de mantra do antilavajatismo.

"Nós não podemos criminalizar a política, criminalizar os partidos políticos e criminalizar a administração pública. Precisamos entender que uma democracia apenas se constrói com política, com partidos políticos e com políticos que os integrem."

Se irá cumprir à risca todos esses compromissos, talvez a resposta (a de que é impossível saber agora) esteja indicada em uma frase dita sobre a afirmação de Bolsonaro de que ele seria mais um voto no STF a favor do marco temporal na questão indígena, bandeira dos ruralistas.

"Eu não posso responder pela fala do presidente, eu tenho que responder pelas minhas falas. Eu não posso e até gostaria de antecipar, mas eu me tornaria impedido para me manifestar lá."

O indicado ao STF que passou por maior tensão no processo de aprovação pelo Senado foi Edson Fachin, em 2015. Em um ambiente já carregado pelo clima que levaria ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) no ano seguinte, o hoje ministro do STF foi confrontado pela oposição à época e por parlamentares conservadores sobre declarações anteriores simpáticas a partidos e movimentos de esquerda.

Assim como a estratégia usada por Mendonça nesta quarta, Fachin modulou o discurso para o lado da direta, chegou a inclusive filosofar sobre uma questão que ele próprio classificou como profana. "Não se deve heterossexualizar a homossexualidade. São coisas distintas, cada uma tem a sua esfera. E o casamento foi um instituto pensado e, historicamente, levado a efeito para a heterossexualidade."

Na sabatina, ele também disse que a colaboração premiada se mostrava como indício relevante, "mas, até prova em contrário, o acusado é inocente". Dois anos depois, o ministro assumiria a relatoria da Lava Jato, sendo um dos integrantes da corte mais favoráveis à operação.

A sabatina de Fachin foi a mais longa dos últimos 20 anos —12 horas e 39 minutos. Sua aprovação em plenário, também, a mais apertada, 52 votos a 27. Até Mendonça.

Na sabatina desta quarta, o futuro ministro do STF tentou, é fato, se equilibrar em suas falas para também mandar recados e elogios ao presidente e aos religiosos em geral, embora sempre frisando que essa parte se restringe ao campo pessoal.

Falou genericamente, por exemplo, sobre as perguntas "de forma não jurídica", de "pensamento de vida", que sua defesa "é ao direito à vida" e que sua concepção é a de que "as drogas fazem mal".

Apesar de todo o discurso que contradiz claramente o que pensa o bolsonarismo e as promessas de defender o "garantismo" em contraposição ao "​punitivismo", Mendonça não precisou se preocupar com bolsonaristas e lavajatistas, de uma maneira geral.

Álvaro Dias (Podemos-PR), um dos principais entusiastas de Sergio Moro (Podemos), o ex-xerife da Lava Jato, abriu mão das perguntas, por exemplo.

Flávio Bolsonaro (RJ), um dos filhos do presidente, se limitou a elogiar a confiabilidade e caráter do indicado, "sua lealdade não a pessoas, mas a princípios, princípios judaico-cristãos". Flávio disse ainda que ninguém será surpreendido futuramente "porque sabe exatamente qual é o pacote que o senhor traz consigo".

Assim como em outras sabatinas, alguns parlamentares se limitaram a platitudes, a repetição de perguntas e a apresentação meramente formal de questionamentos que, feitos em bloco, alguns deles nem respondidos foram.

Entre os parlamentares que fizeram questionamentos mais contundentes e detalhados estiveram Eliziane Gama (Cidadania-MA), a relatora, e Fabiano Contarato (Rede-ES), a quem coube arrancar do propalado "terrivelmente evangélico" André Mendonça a afirmação clara e diretamente contrária à pregação do bolsonarismo e de boa parte do mundo evangélico: "Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo."

AS SABATINAS DOS MINISTROS DO STF, NAS ÚLTIMAS DUAS DÉCADAS

2002

Gilmar Mendes - 4 horas e 39 minutos
Aprovado na CCJ por 16 votos a 6. No plenário, por 57 votos a 15

2006

Ricardo Lewandowski - 2 horas e 23 minutos
Aprovado na CCJ por 21 votos a 1. No plenário, por 63 votos a 4

Cármen Lúcia - 2 horas e 11 minutos
Aprovada na CCJ por 23 votos a zero. No plenário, por 55 votos a 1

2009

Dias Toffoli - 7 horas e 44 minutos
Aprovado na CCJ por 20 votos a 3. No plenário, por 58 votos a 9

2011

Luiz Fux - 3 horas e 58 minutos
Aprovado na CCJ por 23 votos a zero. No plenário, por 68 votos a 2

Rosa Weber - 6 horas e 31 minutos
Aprovada na CCJ por 19 votos a 3. No plenário, por 57 votos a 14

2013

Luís Roberto Barroso - 7 horas e 22 minutos
Aprovado na CCJ por 26 votos a 1. No plenário, por 59 votos a 6

2015

Edson Fachin - 12 horas e 39 minutos
Aprovado na CCJ por 20 votos a 7. No plenário, por 52 votos a 27

2017

Alexandre de Moraes - 11 horas e 39 minutos
Aprovado na CCJ por 19 votos a 7. No plenário, por 55 votos a 13

2020

Kassio Nunes - 10 horas e 1 minuto
Aprovado na CCJ por 22 votos a 5. No plenário, por 57 votos a 10

2021

André Mendonça - 7 horas e 55 minutos
Aprovado na CCJ por 18 votos a 9. No plenário, por 47 votos a 32

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