Descrição de chapéu Folhajus STF

Senado aprova André Mendonça no STF e confirma 2ª indicação de Bolsonaro

Nome evangélico recebeu 47 votos a favor e 32 contra; em sabatina, descartou religião na corte e se descolou do presidente

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Brasília

​O Senado aprovou nesta quarta-feira (1º) a indicação de André Mendonça, 48, para uma vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O nome de Mendonça, ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, foi referendado por 47 votos a favor e 32 contra —houve duas ausências dentre os 81 senadores.

Eram necessários pelo menos 41 votos para a confirmação da indicação de Mendonça no plenário. A quantidade de votos a favor no Senado foi a mais baixa obtida dentre todos os atuais integrantes do STF.

André Mendonça, em sabatina na CCJ do Senado
André Mendonça, em sabatina na CCJ do Senado - Pedro Ladeira/Folhapress

Ele substituirá Marco Aurélio Mello, que deixou a corte em julho por atingir 75 anos —idade da aposentadoria compulsória dos ministros.

O presidente do STF, Luiz Fux, elogiou Mendonça e disse que pretende empossá-lo ainda neste ano.

"Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Além disso, em função da atuação na Advocacia Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano", disse em nota.

Mais cedo nesta quarta-feira, Mendonça foi sabatinado por oito horas pela Comissão de Constituição e Justiça. Em seguida, os membros da comissão confirmaram a indicação por 18 votos a favor e 9 contra.

Mendonça vai se tornar o segundo ministro do STF indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. No ano passado, o Senado aprovou o outro nome enviado pelo mandatário, o do atual ministro Kassio Nunes Marques.

Bolsonaro disse recentemente que tinha "10% de mim dentro do Supremo", em referência a Kassio Nunes.

O dia da sabatina de André Mendonça começou com um clima de indefinição, com senadores governistas e de oposição afirmando que as chances estavam bem divididas.

Durante sua fala, o ex-advogado-geral da União buscou romper a resistência de parlamentares ao tentar se distanciar de Bolsonaro. Fez acenos para a classe política e, apesar de sua base evangélica, afirmou que vai defender no Supremo o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Alguns senadores afirmam que o indicado ganhou alguns votos com esse comportamento e por se portar de maneira humilde.

Tema central da sabatina foi a questão de sua religião, evangélico presbiteriano, e como isso afetaria a atuação de Mendonça na corte. O indicado "terrivelmente evangélico", como havia prometido Bolsonaro, se comprometeu com a laicidade estatal, descartando o uso da religião no STF. "Como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", afirmou.

Mendonça até mesmo contrariou uma fala de Bolsonaro, que disse solicitar orações durante sessões no Supremo. O ex-ministro disse que vai preservar sua "individualidade", mas também garantiu compreender a separação existente entre atuação pública e atuação religiosa.

A defesa da laicidade, explicou, era um dos três compromissos que assumiu durante a sabatina. Os outros dois eram a defesa da democracia e da justiça. Nesse ponto, Mendonça proferiu uma frase polêmica afirmando que a democracia no Brasil não foi conquistada com derramamento de sangue, ignorando a repressão do período da ditadura militar.

"A democracia é uma conquista da humanidade. Para nós, não, mas em muitos países foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas. Não há espaço para retrocesso. E o Supremo Tribunal Federal é o guardião desses direitos humanos e desses direitos fundamentais", afirmou.

A fala foi questionada pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Em seguida, o próprio Mendonça pediu desculpas, buscou se explicar e reconheceu que houve mortes na consolidação da democracia brasileira.

Mendonça também foi questionado pelos senadores sobre o grau de independência que teria para atuar, levando-se em consideração sua proximidade com Jair Bolsonaro.

"Sempre pautei minha vida pública pelo respeito aos princípios da administração pública, não obstante sei a distinção entre os papéis de um ministro de Estado e de um ministro do Supremo Tribunal Federal", afirmou.

"Sei que, se aprovado por este Senado Federal, estarei credenciado a assumir o cargo de juiz da Suprema Corte do nosso país, incumbência que vai muito além de um governo, abrange a nação como um todo e o seu futuro, exige independência plena para julgar, de acordo com a Constituição e as leis", completou.

Antes mesmo de ser questionado, Mendonça buscou se justificar sobre o episódio em que solicitou aberturas de inquérito contra adversários de Bolsonaro, com base na Lei de Segurança Nacional.

Explicou que a legislação ainda estava em vigor naquela ocasião e que o presidente se "sentiu ofendido em sua honra" e ele, como ministro da Justiça, deveria agir sob risco de ser responsabilizado por prevaricação.

"Em suma, minha conduta sempre se deu em estrita obediência ao dever legal e em função do sentimento de ofensa à honra da pessoa ofendida, mas jamais com o intuito de perseguir ou intimidar", afirmou.

Outra fala vista como um aceno aos senadores foi a condenação feita por ele das delações premiadas e na linha de que "não se pode criminalizar a política". Mendonça foi apontado como próximo à Operação Lava Jato e mensagens apontaram que ele se reuniu com integrantes da força-tarefa e atuou para impulsionar a agenda política dos procuradores.

"Também entendo que uma delação premiada não é elemento de prova. Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação", afirmou.

Em outro aceno aos senadores, enalteceu o trabalho da CPI da Covid e apontou a possibilidade de desvio de condutas de autoridades durante o enfrentamento da pandemia.

"Nesse contexto, eu queria dizer que, em muitos momentos, eu pude observar que as autoridades foram aprendendo durante o processo. Logicamente, as situações podem ter extrapolado o que é o erro da má gestão e, às vezes, do desvio de conduta", afirmou.

Mendonça teve um nível de apoio baixo no plenário do Senado quando comparado com a votação dos atuais ministros do STF. Até então, o menor número de votos favoráveis no plenário era do ministro Edson Fachin, aprovado com o placar de 52 votos a 27.

Já considerando a votação na CCJ, em que o placar de Mendonça foi de 18 votos favoráveis e 9 contrários, apenas Gilmar Mendes obteve menos apoio: foi aprovado na comissão com 16 votos a 6.

Quanto aos votos contrários, nenhum dos atuais ministros tinha alcançado a marca de 9 votos. Os piores resultados, neste aspecto, eram de Fachin e Alexandre de Moraes, ambos com 7 votos desfavoráveis na CCJ.

O outro nome indicado por Bolsonaro, Kassio Nunes Marques foi aprovado com o placar de 57 votos a 10, no plenário, e por 22 votos a 5, na CCJ.

A bancada evangélica da Câmara compareceu em peso ao plenário do Senado para acompanhar a votação. Líderes como o deputado Marco Feliciano (PL-SP) e o ex-senador Magno Malta estiveram presentes na sessão. Mendonça assistiu à decisão do gabinete do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), onde também estava a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

O grupo que estava no plenário comemorou quando o resultado foi divulgado. "Missão cumprida", disse Feliciano. Minutos depois, eles acompanharam a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) —também evangélica e relatora da indicação do futuro ministro na CCJ— até o local onde Mendonça estava para parabenizá-lo.

Na CCJ, a relatora foi interrompida diversas vezes em sua fala inicial e, ao citar pesquisas sobre o 'manterrupting', ouviu um coro de gargalhadas. Ao abrir sua fala, Eliziane relatou que aquele era um momento histórico, pois era a primeira vez que uma mulher relatava uma indicação para o STF.

A indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo se tornou uma das principais disputas políticas recentes, envolvendo o Palácio do Planalto e o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O presidente Jair Bolsonaro cumpriu sua promessa de indicar um candidato "terrivelmente evangélico" e enviou ao Senado o nome de Mendonça no dia 13 de julho deste ano.

No entanto, Alcolumbre manteve a indicação em sua gaveta, recusando-se a pautar a sabatina do indicado pelo chefe do Executivo. Nos bastidores, atribui-se a resistência do presidente da CCJ à sua preferência pelo atual procurador-geral da República, Augusto Aras, para a vaga no STF.

Além disso, Alcolumbre entrou em rota de colisão com o Planalto ao perder o controle sobre a distribuição de emendas parlamentares.

Foram mais de quatro meses de disputa, que se encerrou na semana passada, quando Alcolumbre anunciou que marcaria a sabatina, após pressão de evangélicos, de parlamentares e até mesmo do seu aliado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Pacheco marcou um esforço concentrado para a votação de autoridades e afirmou ter "certeza" de que o presidente da CCJ pautaria a sabatina de Mendonça nesse período.

Por outro lado, Alcolumbre também vinha dizendo a interlocutores que apenas agendaria a análise de Mendonça na comissão quando tivesse certeza de que a indicação seria derrubada pelo plenário.

O senador pelo Amapá trabalhou fortemente nos bastidores para reverter votos a favor do ex-advogado-geral e para diminuir o quórum da sessão, tornando mais difícil a aprovação.

A aprovação de Mendonça, portanto, representa um duro golpe em Alcolumbre.

Apesar da prevista folga na votação da CCJ, senadores governistas e contrários à indicação de Mendonça consideravam o panorama no plenário incerto. Diziam que as chances de aprovação e rejeição estavam divididas em 50%, com qualquer resultado sendo possível.

Senadores também apontam que Mendonça acabou abandonado pelo Palácio do Planalto. O presidente chegou a realizar alguns gestos, como gravar um vídeo pedindo votos ao lado do próprio Mendonça. O material, no entanto, foi divulgado pelo pastor Silas Malafaia, e não postado nas redes sociais de Bolsonaro, que também não enviou o material para senadores e líderes de bancada.

Aliados afirmam que Bolsonaro chegou a defender o nome de Mendonça em conversa com parlamentares com quem se encontrou no Palácio do Planalto. No entanto, não tomou a iniciativa de ele próprio tentar articular votos em favor de seu ex-ministro.

Líderes das principais bancadas do Senado também afirmam que não receberam contatos de líderes e senadores governistas, na tentativa de influenciar votos a favor de Mendonça. O próprio filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), era apontado como articulador de uma eventual indicação de Aras.

Após a sessão na CCJ, Flávio Bolsonaro disse que seu pai "fez o trabalho dele, fez o que tinha que fazer, cuidando do indicado dele".

Na ausência de apoio do governo, coube ao próprio Mendonça e a líderes evangélicos trabalhar por sua aprovação. Pastores chegaram a oferecer aviões para que senadores viessem a Brasília para votar pela aprovação do ex-advogado-geral da União.

André Luiz de Almeida Mendonça é advogado de formação e foi servidor de carreira na Advocacia-Geral da União. Com a posse de Jair Bolsonaro, chegou ao posto máximo no órgão, tornando-se advogado-geral da União.

Em abril de 2020, foi escolhido ministro da Justiça por Bolsonaro, para ocupar o lugar de Sergio Moro, que deixou o governo. Viu-se envolvido numa polêmica ao assinar habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado a depor pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes por críticas durante reunião ministerial contra ministros da corte —ato sem precedentes de um ministro da Justiça.

A atuação dele no Ministério da Justiça também levantou dúvidas entre os parlamentares, que a consideravam autoritária. Durante a gestão dele, a pasta foi acusada de produzir um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários.

Voltou ao cargo de advogado-geral da União um ano depois, deixando a AGU apenas ao ser indicado para uma vaga no Supremo em julho deste ano.

Mendonça também ganhou a antipatia de parte do mundo político por sua defesa e proximidade com integrantes da operação Lava Jato. Arquivos apreendidos na Operação Spoofing mostram que André Mendonça se reuniu com procuradores da força-tarefa em 2019 e articulou com eles estratégias para impulsionar a agenda política deles. Os documentos circularam entre os senadores, aumentando a resistência a sua indicação.

Colaborou Renata Galf, em São Paulo

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