Entenda o cerco ao Telegram, as alegações de PF e STF e o desbloqueio do app no Brasil

Ministro Alexandre de Moraes, do STF, revogou decisão inicial e liberou a ferramenta em todo o país

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São Paulo e Brasília

O ministro do STF Alexandre de Moraes revogou a decisão que determinava o bloqueio do Telegram em todo o Brasil após o aplicativo de mensagens cumprir um conjunto de determinações judiciais.

A determinação que suspendia a plataforma acolhia pedido da Polícia Federal e criticada por Bolsonaro, que a chamou de inadmissível, e pelo ministro da Justiça, Anderson Torres —a PF é ligada à pasta dele.

Logomarca do Telegram - Dado Ruvic - 18.nov.15/Reuters

O que é o Telegram?

É um aplicativo de mensagens com funcionamento parecido com o do WhatsApp. Além de ter alta capacidade de viralização, com grupos que podem comportar até 200 mil membros, o Telegram possui uma dinâmica que se assemelha muito mais a redes sociais. Apesar disso, não modera conteúdo —a não ser em casos como de terrorismo.

Por que o Telegram não foi bloqueado?

O ministro do Alexandre de Moraes considerou que houve "atendimento integral" às determinações judiciais feitas à plataforma em uma intimação enviada no sábado (19):

1) indicar o representante da empresa no Brasil (pessoa física ou jurídica);

2) informação de todas as providências adotadas para combater desinformação e divulgação de notícias falsas no canal;

3) imediata exclusão de publicações no link jairbolsonarobrasil/2030;

4) bloqueio do canal claudiolessajornalista.

Os perfis e links foram excluídos, como constatou o STF. Além disso, o Telegram informou o cumprimento integral das medidas que restavam, indicou um representante oficial no Brasil e informou qual será sua política de combate à desinformação.

O representante da plataforma no país passa a ser o advogado Alan Campos Elias Thomaz, conforme informado pela empresa ao STF.

A previsão era de que o bloqueio começaria a valer a partir desta segunda-feira (21). Na prática, o Telegram não chegou a ser suspenso em massa.

O que dizia a decisão que determinava o bloqueio?

Na decisão anterior, ao atender pedido da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes disse que "o desrespeito à legislação brasileira e o reiterado descumprimento de inúmeras decisões judiciais pelo Telegram, empresa que opera no território brasileiro, sem indicar seu representante, inclusive emanadas do Supremo Tribunal Federal, é circunstância completamente incompatível com a ordem constitucional vigente, além de contrariar expressamente dispositivo legal".

Em 18 páginas, Moraes salientou reiteradas vezes a "omissão" do Telegram em fazer cessar a divulgação de notícias fraudulentas e a prática de infrações penais.

​O ministro mencionou o descumprimento de uma ordem, imposta ainda no ano passado, para retirada do ar de uma publicação de Bolsonaro relacionada ao caso do vazamento de apuração da Polícia Federal sobre ataque hacker a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018.

Citou, ainda, determinação no âmbito do inquérito das fake news de bloqueio de um canal bolsonarista e fornecimento dos dados cadastrais ao STF, o que também não havia acontecido.

Em 26 de fevereiro, após ordem de Moraes, o Telegram bloqueou três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos. Essa foi a primeira ordem judicial brasileira cumprida, em partes, pelo aplicativo.

Porém, segundo o ministro, a plataforma também teria que indicar o usuário de criação dos perfis, com dados como CPF e email, suspender os repasses de valores oriundos de monetização e publicidade, além de informar os ganhos de cada um dos canais.

Essa determinação, apontou Moraes, não havia sido atendida. Fora o bloqueio, o Telegram não havia apresentado qualquer informação nos autos, disse o ministro.

Quais eram os argumentos da PF?

Além de destacar a possibilidade de o aplicativo continuar a desrespeitar o Judiciário, a Polícia Federal argumentou no pedido de bloqueio ao Supremo que o serviço de mensagens tem sido utilizado em outras situações como meio seguro para prática de crimes graves.

A PF observou que a postura do grupo em não se submeter a diretrizes governamentais a partir de princípios que regem a sua política de privacidade tem resultado em sanções, já aplicadas por 11 países.

A decisão de Moraes estava em um processo sigiloso, mas ele a tornou pública após o vazamento de trechos por um perfil do Twitter. O ministro determinou que a rede social informe todos os dados disponíveis a respeito do usuário que fez a publicação e que, depois, a Polícia Federal o interrogue.

Qual foi a reação do governo Bolsonaro à decisão inicial de Moraes?

A decisão do ministro do STF foi criticada por Bolsonaro, que a chamou de inadmissível, e pelo ministro da Justiça, Anderson Torres —a PF é ligada à pasta dele.

"Milhões de brasileiros sendo prejudicados repentinamente por uma decisão monocrática", afirmou Torres, dizendo ter determinado a diversos setores do ministério "que estudem imediatamente uma solução para restabelecer ao povo o direito de usar a rede social que bem entender".

O advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, entrou com um pedido de medida cautelar ao STF contra a ordem de bloqueio do Telegram.

O pedido do advogado-geral da União não foi direcionado ao ministro Alexandre de Moraes, mas à ministra Rosa Weber.

Concluído no fim da noite desta sexta-feira (18), o pedido foi direcionado a uma ação direta de inconstitucionalidade no STF relatada por Weber.

O que o Telegram disse após a decisão inicial do STF?

O fundador do Telegram, Pavel Durov, disse nesta sexta-feira (18) que um problema técnico impediu a plataforma de receber notificações judiciais do Brasil. Ele fez um apelo ao Supremo Tribunal Federal para que reconsidere o bloqueio do serviço e prometeu instalar representação no país.

"Parece que tivemos um problema com emails entre os endereços corporativos do telegram.org e o Supremo Tribunal Federal do Brasil. Como resultado dessa falha de comunicação, o tribunal decidiu bloquear Telegram por não responder", escreveu.

Durov pediu desculpas ao STF no texto publicado em seu canal no Telegram pouco depois das 19h (horário de Brasília). "Em nome da nossa equipe, peço desculpas ao Supremo Tribunal Federal por nossa negligência", afirmou Durov. "Definitivamente, poderíamos ter feito um trabalho melhor."

Ele disse acreditar que a resposta enviada ao STF tenha sido "perdida", pois as tentativas de contatos posteriores por parte do tribunal foram encaminhadas ao endereço antigo de email, que "tem um propósito mais amplo e geral".

"Como resultado, perdemos a decisão que continha um pedido de suspensão subsequente no início de março. Felizmente, agora a encontramos e concluímos, entregando hoje outro relatório ao tribunal", afirmou, referindo-se a uma outra ordem de Moraes sobre Allan, do último dia 8.

O criador do Telegram disse que dezenas de milhões de brasileiros dependem do aplicativo para se comunicar com a família e amigos.

"Peço que o tribunal considere adiar sua decisão por alguns dias, a seu critério, para nos permitir remediar situação nomeando um representante no Brasil e criando uma estrutura para reagir de forma rápida a futuras questões urgentes como essa", disse Durov.

Qual o temor das autoridades em relação ao Telegram?

O Telegram é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news. O aplicativo se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.

Amplamente usada pela militância bolsonarista, a ferramenta é hoje um dos desafios das autoridades brasileiras engajadas no combate à desinformação eleitoral. Até a decisão de Moraes, elas não tiveram sucesso em estabelecer contato com os responsáveis pela plataforma.

Com pouca moderação e uma estrutura propícia à viralização, o uso da plataforma é uma das preocupações do TSE para campanha eleitoral. A ferramenta conta com grupos de 200 mil integrantes e canais com número ilimitado, caso de Bolsonaro.

Ministros temem que a plataforma seja o principal canal para o presidente e seus aliados disseminarem declarações falsas sobre supostas fraudes nas eleições.

O Telegram conta com representante no Brasil?

Após a decisão de Moraes, plataforma nomeou como representante o advogado Alan Campos Elias Thomaz.

Como mostrou a Folha, o Telegram já contava com representante no Brasil há sete anos para atuar em assunto de seu interesse junto ao órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no país, ao mesmo tempo em que ignora chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições.

Os poderes de representação foram conferidos pelo empresário russo Palev Durov, um dos fundadores e CEO da empresa, ao escritório Araripe & Associados, com sede no Rio de Janeiro.

Até a determinação de bloqueio, a plataforma vinha escapando de ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE e do STF, que fizeram tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.

Quais mudanças legislativas estão em estudo para conter o Telegram?

O Congresso discute um projeto de lei —conhecido como PL das Fake News— com o objetivo de fixar as balizas para o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e redes sociais. A proposta tem pontos de muita polêmica, e Bolsonaro já antecipou que pretende vetar trechos.

Na Alemanha, com cerca de 8 milhões de usuários, o Telegram vinha igualmente se recusando a conversar com autoridades que atuam no enfrentamento a ações de grupos extremistas.

A plataforma mudou recentemente de postura com a sinalização de que medidas mais drásticas poderiam ser adotadas, incluindo o seu banimento do país. Bloqueou mais de 60 canais usados por radicais em atendimento a um pedido da polícia alemã.

O que especialistas disseram sobre a decisão inicial de Moraes do ponto de vista jurídico?

Especialistas em direito digital e cibersegurança ouvidos pela Folha avaliaram que faltavam bases jurídicas para sustentar o bloqueio.

"Hoje o bloqueio do Telegram no Brasil dificilmente encontra respaldo na legislação e poderia ser pouco efetivo por conta da forma que os usuários podem burlar o bloqueio da internet", disse Guilherme Klafke, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação na FGV (Fundação Getulio Vargas).

Segundo ele, não existe uma lei que criminalize a conduta dos usuários de aplicativos como o Telegram, especialmente no que se refere a desinformação.

"Não é pacífico que exista lei que autorize bloqueio de aplicativo. Tanto não é pacífico que o Supremo ainda não terminou de julgar as ações sobre o bloqueio do WhatsApp, que também não cumpriu decisões judiciais alegando que tinha uma criptografia de ponta a ponta", avalia.

Ele explicou que está previsto no Marco Civil da Internet que, em caso de crime, a plataforma tem o dever de remover o conteúdo.

O especialista também citou que o Código de Processo Penal e as leis de investigação de organizações criminosas também preveem que as plataformas compartilhem informações com a Justiça em situações que envolvam a segurança pública. Entretanto, este não seria o caso do Telegram.

"Não existe o crime de desinformação, o tipo penal. O que existe é uma infração na legislação eleitoral que você comete quando divulga fatos sabidamente inverídicos durante o processo eleitoral, que ainda nem começou", afirma.

Solano de Camargo, presidente da comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-SP, avaliou como inconstitucional um bloqueio total do Telegram no país.

Segundo ele, banir o uso da plataforma seria uma medida "exagerada" e "desproporcional" e que iria contra a liberdade de expressão de todos os usuários. Camargo argumentou que a medida teria como efeito apenas empurrar os internautas brasileiros para outras plataformas.

O bloqueio teria como fundo "a existência de alguns grupos de discussão nos quais poderia ter ocorrido algum ilícito eleitoral. Mas isso não quer dizer que a ferramenta como um todo sirva para crime", disse.

Para Camargo, a medida era inconstitucional "porque derruba a comunicação de mais de 50 milhões de usuários brasileiros por conta de possíveis crimes cometidos por poucas pessoas. O princípio da Constituição é que as decisões precisam ser proporcionais e razoáveis."

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