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Delator da Ecovias cita propina ao TCE para aprovar balanços em SP

Tribunal de Contas do Estado diz que atua com transparência e que dúvidas serão esclarecidas

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São Paulo

O cartel de empresas que exploraram as principais rodovias paulistas pagou ao menos R$ 2,9 milhões em propina supostamente direcionada a conselheiros do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para que as contas anuais das concessionárias fossem aprovadas, conforme consta em acordo de delação de ex-executivo da Ecovias agora homologado pela Justiça.

De acordo com o relato do ex-presidente da Ecovias Marcelino Rafart de Seras, o grupo de empresas combinou o pagamento total de R$ 1 milhão ao ano a conselheiros do órgão. O pagamento teria acontecido referente a contas relativas a anos entre 1998 a 2009, diz o delator. Assim, os quase R$ 3 milhões aos conselheiros seriam apenas a parte da Ecovias nesse combinado.

A delação é um meio de obtenção de prova, mas que não pode, isoladamente, fundamentar sentenças sem que outras informações corroborem as afirmações feitas. Neste caso, os relatos ainda devem ser investigados, assim como os materiais apresentados no acordo.

O TCE afirmou em nota ter compromisso com a transparência e que dúvidas serão esclarecidas.

No caso relacionado ao tribunal, segundo o relato de Seras, participaram das reuniões para definir esse pagamento de propina 11 dos 12 grupos envolvidos no cartel.

"Em tais reuniões, foi definido o valor de pagamento de R$ 1 milhão para cada exercício aprovado pelo TCE ('ano de concessão'), em relação a todas concessionárias, observando-se que para, cada uma, era dividido proporcionalmente a quantia da receita de pedágio em relação ao total de receitas", diz trecho do documento homologado pela Justiça.

Praça de pedágio da Rodovia dos Imigrantes, administrada pela Ecovias
Praça de pedágio da Rodovia dos Imigrantes, administrada pela Ecovias - Divulgação/Ecovias

A delação do ex-executivo aponta diversas irregularidades e ilegalidades, como formação de cartel e pagamento de propina e caixa dois a políticos.

Pelo acordo firmado com a Promotoria do Patrimônio Público, a Ecovias se compromete a compensar os cofres públicos em R$ 638 milhões pelas irregularidades que diz ter cometido —parte em obras e parte em dinheiro.

Além disso, Marcelino Rafart de Seras, ex-presidente da empresa, terá de pagar R$ 12 milhões ao Tesouro.

O acordo, que já havia sido aprovado pelo Conselho Superior do Ministério Público no mês passado, foi homologado pelo juiz Danilo Mansano Barioni, da 1ª Vara da Fazenda Pública, na sexta-feira (1º).

A reportagem procurou os promotores responsáveis pelo acordo, Silvio Marques e José Carlos Blat, mas eles não quiseram se manifestar.

No caso do TCE, o delator relata ter sido procurado por representantes de outras empresas para reunião a respeito de pagamento de propina aos conselheiros da corte.

"Os representantes das empresas disseram que as contas anuais das concessionárias só seriam aprovadas mediante o pagamento de vantagens ilícitas", diz o depoimento. Os valores citados são relativos balanços anuais entre 1998 e 2009, julgados pela corte até 2015, embora haja alguns anos em que o delator não cita pagamentos.

Em sua delação, ​Seras relata que a demanda de pagamento "parecia ser costumeira", mas afirma não ter tido contato pessoal com os conselheiros. Entre os membros da corte, nove nomes citados são apenas os que constam como julgadores dos processos, sem individualização de eventuais condutas ilegais.

De acordo com o relato, os valores eram repassados por empresários a um advogado de nome Luiz Carlos Ferreira, que seria o intermediário dos conselheiros e "efetuava o pagamento às autoridades citadas".

O executivo afirmou que efetuou os pagamentos de forma "totalmente contrariada", devido ao cumprimento das obrigações contratuais decorrentes da concessão.

De acordo com o depoimento, "se os conselheiros não tivessem exigido os valores na condição de aprovação das contas, obviamente não haveria sentido e nem haveria o efetivo pagamento".

O material ao qual a Folha teve acesso traz também alguns dados dos julgamentos feitos pelos conselheiros, entre outros documentos.

Questionado, o TCE afirmou em nota que "tem compromisso legal com a publicidade dos atos de seus membros".

"Todos os processos já julgados e em tramitação estão disponíveis, na íntegra, para análise das autoridades e da sociedade. Qualquer dúvida será esclarecida com a devida transparência e atenção desta Casa", diz a nota.

A reportagem não localizou o advogado citado como intermediário dos pagamentos.

Em sua delação, Seras também afirmou que fez doações ilegais ao ex-governador Geraldo Alckmin em sucessivas eleições.

Ele exibiu às autoridades cópias de notas fiscais para mostrar como levantou o dinheiro, mas não apresentou prova dos contatos que disse ter mantido com o ex-governador de São Paulo e seus colaboradores, segundo relatórios da Polícia Federal e do Ministério Público.

No mês passado, o juiz Emilio Migliano Neto, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, mandou arquivar esse inquérito sobre suposto caixa 2 a Alckmin. A decisão, porém, não afeta os desdobramentos na área cível, onde houve a homologação pela Justiça.

Trecho do depoimento de Marcelino, ao qual a Folha teve acesso, dá detalhes sobre como teriam sido feitas as tratativas para as concessões das principais rodovias paulistas.

Segundo ele, em 1997, o governo anunciou os 12 lotes, o que, na opinião do depoente, "facilitaria a acomodação dos interesses das grandes empresas concorrentes".

De acordo com o relato, as reuniões se davam com representantes de 80 empresas. Os encontros, segundo ele, ocorriam no subsolo de uma das construtoras, com no mínimo sete ou oito representantes de cada vez.

HISTÓRICO

O acerto com a Promotoria foi viabilizado devido à nova lei anticrime, que possibilitou esse tipo de medida em casos de improbidade administrativa.

O pagamento pela concessionária será aplicado em obras de interesse público não previstas originalmente no contrato de concessão da Ecovias.

Entre elas, estão a construção de um boulevard de cerca de 2 km nas proximidades do Complexo Viário Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo, bem como em melhorias na rodovia Anchieta.

A empresa se comprometeu, no acordo, a não lucrar com essas obras. O boulevard inclui novas pistas, inclusive subterrâneas. As reuniões que decidiram sobre essa construção tiveram participação direta de João Octaviano Machado Neto, secretário de Logística e Transportes na gestão João Doria (PSDB).

As investigações sobre a concessão da Ecovias começaram em 2018, quando o Ministério Público instaurou um inquérito cível para apurar eventuais irregularidades. A empresa, então, procurou os promotores para celebrar um acordo.

Em 2020, a Ecovias assinou acordo cível com a Promotoria paulista em que afirma ter havido formação de cartel, pagamento de propinas e repasses de caixa dois em 12 contratos de concessão rodoviária firmados em São Paulo.

Na época da delação, o PSDB de São Paulo disse que "não tem qualquer relação com a empresa citada ou com os fatos mencionados e tem absoluta convicção de que os atos administrativos das gestões de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra seguiram estritamente o definido por lei".

Inicialmente, o acordo firmado entre a Promotoria e a Ecovias deveria resultar em redução no valor de pedágio. Um dos compromissos da empresa para não ser processada era a redução de 10% na tarifa de pedágios das rodovias Anchieta e Imigrantes, entre 21h e 5h. No entanto, esse acerto não foi adiante.

O governo estadual afirmou que apenas que foi consultado pelo Ministério Público sobre a forma de ressarcimento e respondeu que pode ser realizado por meio de obras. Já a Ecovias não tem comentado sobre o assunto.

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