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Eleições 2022 datafolha

Lula aposta em jogo perigoso para garantir polarização com Bolsonaro

Petista radicaliza discurso para ter presidente como rival, mas arrisca alienar eleitorado

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São Paulo

Para alguém considerado uma raposa imbatível, Luiz Inácio Lula da Silva está apostando em um jogo arriscado para desenhar seu caminho até o segundo turno da eleição presidencial de 2022. Desde que entrou mais publicamente na disputa, o petista tem procurado a enorme casca de banana que o pinta como um radical incurável a cada esquina.

A frase sobre pressionar deputados colocando militantes na frente de suas casas, em nome de propostas de um eventual governo do PT, drena sua energia da mesma fonte obscura que move os golpismos bolsonaristas. Não se trata de falsa equivalência, como dirá o petista mais ilustrado.

Lula participa de evento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Lula participa de evento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro - Mauro Pimentel - 30.mar.22/AFP

Afinal, não há nada normal em convocar pessoas para coagir outras, e Lula evidentemente sabe disso: é algo bastante diverso de manifestações legítimas nas ruas. Jogava para uma plateia sindical, que adora ouvir esse tipo de enunciado, de resto parte do DNA do petista em modo palanque.

Mas é o tipo de conversa que não alimenta apenas as redes bolsonaristas, que se deleitam com a isca largada por Lula. Se algum estrategista petista crê que o Brasil passou a ser um país de "progressistas", como eles chamam quem concorda como eles, é melhor pensar duas vezes.

O episódio da fala à militância vem numa sequência de atos falhos. Ora é a regulação da mídia, ora é a incapacidade de crítica a ditaduras amigas. Mais recentemente, houve a crítica direta aos militares, dizendo que retiraria "quase 8.000" que estão na gestão do governo (supõe-se que ele não sabe que há cerca de 1.000 com função afeita à farda no Ministério da Defesa, porque em nenhum governo, inclusive o seu, alguém se preocupou em criar carreiras civis lá).

Na essência, é uma crítica óbvia ao aparelhamento favorecido pelo militar indisciplinado Bolsonaro. Lula também sabe que não terá a simpatia das Forças Armadas, mas até aqui não se insinua nenhuma intervenção ao estilo "tuíte do STF" e os comandantes se comprometem com o óbvio, que é prestar continência a qualquer eleito.

Isso dito, se general não tem voto, o eleitorado mais conservador tem. E Lula não precisa nem de muita manipulação nas redes adversárias para passar como um inimigo dos militares, cuja instituição segue sendo bastante respeitada.

Como é decantado, Bolsonaro ganhou em 2018 por atrair a classe média cansada da política tradicional, implodida pela Lava Jato e associada ao petismo, e por aparecer assim como opção viável para o eleitorado mais pobre que usualmente apoia quem está no poder. Geraldo Alckmin, então tucano, nunca apelou aos dois grupos e evaporou.

Com o desgaste no governo, Bolsonaro viu a classe média se afastar por ojeriza à sua prática no poder. Já os mais pobres viram sua vida piorar, logo viram a promessa de uma nova era de prosperidade sob Lula —esquecendo seletivamente tudo o que o PT fez com a economia de 2009 para a frente, mas Dilma Rousseff está lá para ficar com a culpa.

Com a ideia generalizada de que esta é uma eleição para a dita velha política, respondendo a anseios mais básicos da população, o PT parece acreditar que o fator ideológico está fora do páreo. A primeira assertiva é verdadeira, mas a segunda não parece líquida. A questão é ver o peso a ser atribuído ao discurso sequestrado pelo bolsonarismo nos costumes.

"Gente na frente da casa do deputado" e invasão de terra ressoam na mesma oitava para esse eleitorado. Na mais recente pesquisa do Datafolha, Bolsonaro já voltou a dominar nas faixas mais abastadas da população. Claro, ele tem a vida real para lhe roer o calcanhar, o preço do gás e da comida, e é nisso que Lula se fia ao lhe dar corda e repetir a cantilena do "nós contra as elites".

Desde que Edson Fachin o recolocou no jogo para 2022, no ano passado, Lula é visto como o candidato dos sonhos de Bolsonaro, e vice-versa. A desidratação aguda do presidente colocou em xeque esse vaticínio até o fim do ano, quando o rearranjo de forças do presidente o devolveu a uma rota de viabilidade. No caminho, jaz no chão até aqui a dita terceira via.

Mas se o obscuro deputado venceu pela antipolítica em 2018, poderá triunfar por ter reunido a política mais orgânica em torno de si agora, alimentada por verbas parlamentares inauditas. O arranjo tem validade até a eleição, quando o centrão irá para o lado que ganhar.

Alguns aliados de Lula, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), já vocalizaram o risco que o petista corre se continuar jogando em favor da polarização dos seus e dos de Bolsonaro. Por outro lado, como diz o neotucano Rodrigo Maia, o Brasil ama embates binários, sempre foi assim.

Isso pode explicar os movimentos para dentro do petista, de falar com o mercado com novos interlocutores, como o ex-banqueiro Gabriel Galípolo, e de ter como trunfo simbólico o ora nominalmente socialista Alckmin em sua vice. Nada disso dá voto, claro, mas ajuda na hora de modular a retórica.

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