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Sorte de ex-Lava Jato é que Congresso derrubou proposta que hoje o beneficia

Decisão sobre habeas corpus acabou por beneficiar membros da força-tarefa de Curitiba que buscavam limitar direito

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Lenio Luiz Streck

Jurista, professor e advogado

Luciano Feldens

Jurista, professor e advogado

Em 2019, na saída do aeroporto de Curitiba, lia-se em outdoor: "Bem-vindo à República de Curitiba. Aqui a lei se cumpre". Era uma alusão aos resultados então alcançados pela Lava Jato. Soube-se, depois, que o imenso outdoor, ilustrado com a pose dos procuradores da República da operação, fora engendrado por um deles, o que foi demitido pelo CNMP há poucos dias.

Ao tempo em que comemorava seus feitos, a força-tarefa da Lava Jato capitaneou um movimento de reforma do Código de Processo Penal, as famosas "10 Medidas Contra a Corrupção".

Aquilo soava paradoxal. Afinal, se a operação chegou onde chegou sem produzir arranhões à legalidade —afinal, o outdoor dizia isso—, então o controle da corrupção não deveria ser um problema de (falta de) lei, mas de cumprimento da lei.

Seja como for, o discurso pela reforma teria como objetivo acelerar o "combate" ao crime, permitindo às "operações" alcançarem seus "alvos" com mais eficácia —sim, as metáforas bélicas sempre acompanharam a Lava Jato; agora percebam até onde essa linguagem nos levou.

Mais especificamente, segundo a força-tarefa, seriam projetos de modificação legislativa tendentes a construir "um Brasil mais justo, com menos corrupção e menos impunidade". Sim, só se falava disso.

Outdoor em Curitiba elogia trabalho da força-tarefa da Lava Jato
Outdoor em Curitiba elogia trabalho da força-tarefa da Lava Jato - Reprodução

Dentre essas "10 Medidas" algumas se destacaram pela ameaça que representavam à liberdade individual.

Chegou-se a postular —pasmem— que a lei (a) impedisse os tribunais de concederem liminar em habeas corpus; (d) proibisse o uso habeas corpus para trancar investigação ou processo criminal; (c) restringisse o habeas corpus apenas para as hipóteses de ofensa direta e atual à liberdade; (d) não mais se admitisse habeas corpus para discutir nulidade processual.

O Congresso Nacional não levou adiante esse ornitorrinco processual. E, sob os protestos da Lava Jato, foi socialmente cobrado por isso.

Curiosamente, a decisão política do Congresso, preocupado com a liberdade de todos os brasileiros, viria a beneficiar precisamente alguns dos membros da força-tarefa que buscavam lipoaspirar o habeas corpus; mais especificamente, vejam a ironia, o procurador que financiou o outdoor de Curitiba.

De fato, ao tomar ciência de investigação iniciada no STJ por supostas infrações praticadas por membros do MPF de Curitiba, referido procurador foi buscar proteção jurídica junto ao STF.

Impetrou habeas corpus e requereu (a) a concessão de medida liminar, (b) para o fim de trancar a investigação, ou seja, (c) em situação de ameaça indireta e não atual a sua liberdade de ir e vir, (IV) isso sob o argumento, dentre outros, de nulidade relacionada à ilicitude da prova que embasava a investigação (HC 198.013, STF).

Pois, então. Para a melhor sorte do procurador da Lava Jato, o Congresso Nacional refutara as tais "10 Medidas", especialmente aquela que visava a eliminar o habeas corpus nas exatas circunstâncias em que o procurador requereu.

E, assim, sua postulação liminar pode ser livremente examinada pelo STF, que lhe garantiu a proteção jurídica que buscava, suspendendo a investigação que corria contra si (relatoria da ministra Rosa Weber, decisão liminar de 30/03/2021).

Guardemos conosco essa lição. Todos estamos sujeitos a necessitar dessa proteção em algum momento. Saibamos reconhecer o valor de nossas instituições —Congresso Nacional e STF— na proteção legal e judicial de nossa liberdade, uma medida que vale por "10".

Na lógica do procurador, talvez o aeroporto de Brasília também merecesse seu próprio outdoor.

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