Bolsonaro liga para família de petista morto, e irmão critica Gleisi, presidente do PT

Presidente convida familiares bolsonaristas de Marcelo de Arruda para irem a Brasília e participarem de entrevista

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Brasília, Foz do Iguaçu e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) conversou nesta terça-feira (12) com familiares de Marcelo de Arruda, militante do PT assassinado em Foz do Iguaçu (PR), disse que a esquerda tenta "politizar" a morte para desgastar o governo e convidou parentes para irem a Brasília.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por sua vez, criticou a iniciativa de Bolsonaro e insinuou que o rival age movido por interesse eleitoral.

O militante petista Marcelo Arruda, guarda municipal em Foz do Iguaçu, foi assassinado
Marcelo de Arruda, assassinado em Foz do Iguaçu - Reprodução Twitter Gleisi Hoffmann

A ligação por vídeo foi feita pelo deputado bolsonarista Otoni de Paula (MDB-RJ), que esteve na casa de um dos irmãos de Marcelo, com o aval de Bolsonaro, para intermediar a conversa. Segundo ele, o presidente falou com dois irmãos do petista assassinado: José e Luiz de Arruda.

A iniciativa, porém, irritou os familiares mais próximos de Marcelo, incluindo a viúva, Pâmela Suellen Silva. Ela afirmou ao UOL ter ficado surpresa com o telefonema do presidente aos irmãos de Marcelo ("absurdo, eu não sabia", disse)​ e ressaltou que eles nem estavam na festa de aniversário onde ele foi assassinado.

O filho de Marcelo, Leonardo de Arruda, 26, disse à Folha que a família está incomodada com a tentativa de responsabilizar Marcelo pelo caso —embora ele não tenha se referido diretamente a Bolsonaro, o próprio presidente da República chegou a se referir ao crime como "briga de duas pessoas" e a afirmar mais cedo que "o cara que morreu" teria jogado pedra antes no bolsonarista.

"Meu tio cobrou esclarecimentos do presidente, pediu retratação pública, pedindo para a imprensa que está colocando meu pai como causador de tudo, para dizer que ele foi a vítima de um assassino extremista", afirmou.

O presidente convidou uma parte da família de Marcelo, alinhada ao bolsonarismo, para visitar o Palácio do Planalto na próxima quinta-feira (14) e participar de uma entrevista coletiva.

"A possível vinda de vocês a Brasília, se concordarem, qual é a ideia? É ter uma coletiva de imprensa para falar o que aconteceu. Até para [evitar] ataques ao seu irmão. Não é a direita, a esquerda. Esse cara [que o assassinou], pelo que tudo leva a crer, é um desequilibrado", disse Bolsonaro.

"Eu faria isso para vocês terem a imprensa na frente de vocês para mostrar o que aconteceu. Se bem que a imprensa dificilmente vai voltar atrás, porque grande parte da imprensa tem o seu objetivo também, que é desgastar o meu governo", completou.

Luiz de Arruda criticou o uso político da morte. "A gente sabe que o ambiente era todo petista. Apareceu lá a Gleisi Hoffmann, que eu tenho pavor, mas como meu irmão é petista eu não vou falar nada. Está lá […] Ele era de esquerda e estão usando [para politizar o caso]", disse.

"O que nós não estamos admitindo, presidente, nessa parte, é a esquerda ficar utilizando o meu irmão como palco de politicagem. Isso nós não aceitamos de forma alguma", completou José.

Luiz, que disse ser funcionário da Itaipu Binacional por 35 anos, afirmou que sentiu falta de a empresa não ter demonstrado carinho, enquanto partidos de esquerda enviaram representantes ao velório do irmão.

"Eu fui funcionário 35 anos da Itaipu Nacional. Todos sabem que sou favorável à sua causa. No velório do meu irmão tinham 35 coroas de flores, e a minha empresa, em que eu me doei, não deu uma coroa de flores."

A gravação da conversa entre Bolsonaro e os familiares de Marcelo de Arruda tem 13 minutos. Também aparece na chamada, segundo o deputado, a esposa de um dos irmãos.

Na ligação, o presidente diz que não faz sentido associar suas declarações, como "fuzilar a petralhada", com o assassinato do petista.

"[A esquerda diz que] meu comportamento e discurso levam a atos como esse. Em 2016, houve 61 mil mortes violentas no país. No ano passado, caiu para 41 mil. Não justifica essa imputação a mim como se eu fosse o responsável pelo que aconteceu, [por causa] dos pronunciamentos etc. Não justifica isso daí."

Bolsonaro ainda aconselhou os familiares do petista assassinado a não deixar que a esquerda tire "proveito político" do episódio. "Com toda certeza, a Gleisi só foi aí [velório] para aparecer".

Na noite desta terça, em discurso em Brasília, Lula criticou a intenção de Bolsonaro de se encontrar com parte da família de Marcelo e questionou por que o presidente se interessa especificamente em visitar parentes da vítima do crime em Foz do Iguaçu. Para o petista, o rival age movido por interesse eleitoral.

"Hoje eu vi na rede social que o presidente está preocupado [...], tentando entrar em contato com a família da pessoa que morreu. Se o Bolsonaro quiser visitar as pessoas pelas quais ele é responsável pela morte, ele vai ter que ter muita viagem, porque ele não chorou uma lágrima por 700 e poucas mil vítimas da Covid", disse. Na verdade, o Brasil teve 674.166 mortes pela doença até agora.

Lula afirmou ainda que Bolsonaro "nunca se preocupou em visitar uma criança órfã, e são muitas" nem "uma viúva que perdeu o seu marido" ou "um marido que perdeu a mulher". "Ele nunca se preocupou em visitar ninguém. E foram milhões que perderam a vida nesse país", acrescentou.

O petista também se referiu ao mandatário como "uma pessoa com um comportamento desumano, do mal, que não pensa o bem sobre ninguém a não ser sobre si próprio, que não tem compaixão pelas pessoas que estão dormindo na rua, nas filas dos açougues pegando osso para comer, pelos milhões de desempregados nesse país".

Luiz disse à Folha que a família ainda não deu uma resposta definitiva sobre ir a Brasília.

"Foi feito um contato. A gente não deu um retorno definitivo se a gente vai ou não. A gente está conversando com os filhos do Marcelo, esposas, sobrinhos, a gente vai conversar para ver o que a gente vai decidir."

Segundo ele, a família ainda não avaliou o tom da conversa. "A gente falou algumas coisas, o presidente não se posicionou ainda, então a gente não tem como ter uma avaliação definitiva."

Questionado sobre a frase do Bolsonaro acusando conhecidos de Marcelo de agressividade na festa, ele disse que a família também analisa isso.

Nesta terça, o presidente criticou a violência de "petistas" que chutaram a cabeça do policial penal bolsonarista Jorge José Guaranho, que assassinou Marcelo, no sábado (9).

Os chutes ocorreram após a troca de tiros entre os dois. Marcelo morreu e Jorge ficou ferido. No chão, foi alvo de chutes de convidados que estavam na festa do militante do PT.

Bolsonaro disse ainda esperar a conclusão da investigação "para a gente ver que teve problema lá fora, onde o cara que morreu, que estava lá na festa, jogou pedra no vidro daquele cara que estava com o carro do lado de fora". "Depois, ele voltou e começou o tiroteio lá e morreu o aniversariante."

A reportagem apurou que, entre familiares, tem incomodado a narrativa que o próprio Marcelo foi agressivo. Reclamam, por exemplo, que ele não teria atirado pedras em seu agressor, mas sim terra de um canteiro, ou seja, nada que pudesse machucá-lo.

Luiz é o irmão mais velho de Marcelo. Por indicação dele, o irmão teria prestado concurso para a Guarda Civil Municipal de Foz do Iguaçu.

Em vídeo publicado nas redes sociais, Otoni de Paula disse que descobriu por meio do influenciador Oswaldo Eustáquio a existência da parte bolsonarista da família de Marcelo de Arruda.

"Os irmãos do Marcelo são bolsonaristas e apoiam o presidente. E quando eu soube disso pelo meu amigo Oswaldo Eustáquio eu fiz contato com o presidente e o presidente Bolsonaro pediu para que eu viesse aqui entender melhor o caso", disse.

Eustáquio foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no inquérito que apura a organização de atos antidemocráticos. Ele saiu da prisão em janeiro de 2021, também por decisão de Moraes.

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