Bolsonaro ataca carta pela democracia e fala em 'caras de pau' e 'sem caráter'

Manifesto organizado pela sociedade civil em reação a falas golpistas do presidente já tem mais de 661 mil signatários

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) chamou nesta terça-feira (2) de "cara de pau" e "sem caráter" quem assinou o manifesto pró-democracia organizado pela USP e que será lido no próximo dia 11 de agosto.

Hoje já são mais de 661 mil signatários na Carta em defesa do Estado democrático de Direito, organizada pela sociedade civil e por setores do empresariado como reação às falas golpistas do chefe do Executivo.

"Esse pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter, não vou falar outros adjetivos, porque sou uma pessoa bastante educada", disse o mandatário, em entrevista à Rádio Guaíba.

O presidente Jair Bolsonaro (PL)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Evaristo Sá-7.jun.22/AFP

Não é de hoje que o presidente flerta com o golpismo ou faz declarações contrárias à democracia.

No ano passado, disse, por exemplo: "Alguns acham que eu posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo. E apesar de tudo eu represento a democracia no Brasil".

Em 2020, Bolsonaro participou de manifestações que defendiam a intervenção militar —o presidente é um entusiasta da ditadura militar e de seus torturadores.

Nos últimos dias, Bolsonaro intensificou seus ataques à carta pela democracia. Nesta segunda-feira (1º), Bolsonaro havia chamado empresários de aderiram à carta de "mamíferos".

Apoiaram o texto, por exemplo, os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, copresidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco, e Candido Bracher, ex-presidente da instituição financeira e hoje também integrante de seu conselho, dentre outros importantes nomes do setor.

Bolsonaro disse na entrevista desta terça-feira que o manifesto é apoiado por banqueiros que perderam cerca de R$ 20 bilhões de receita por causa do Pix, artistas "desmamados" da Lei Rouanet, e comunistas.

"[Assinaram a carta] artistas que foram desmamados na Lei Rouanet. Quando cheguei aqui esses artistas importantes, que viviam apoiando o governo, especial da Bahia, podiam pegar até R$ 10 milhões por mês da Lei Rouanet. Então essas pessoas perderam isso aí", continuou.

"Olha os perfis dos políticos. Só no Brasil gente do partido comunista defende democracia."

O teto para a Lei Rouanet mencionado pelo presidente, contudo, não contemplava artistas solo, apenas projetos maiores e mais dispendiosos, como musicais. Hoje, o valor máximo passou para R$ 500 mil, mas projetos maiores, como planos anuais de museus, podem ultrapassar essa quantia.

Bolsonaro enfrenta resistência de boa parte da classe artística, que hoje tende a apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto a dois meses das eleições.

Apesar de não citar nomes, a Bahia é berço de artistas renomados como Gilberto Gil e Caetano Veloso, ambos críticos ao governo Bolsonaro.

A Lei Rouanet, demonizada por bolsonaristas, foi desmontada e relançada pelo Executivo federal. Como a Folha mostrou, a Cultura virou o último reduto dos mais radicais olavistas dentro do governo, hoje dominado pelo centrão.

Nesta terça-feira, na entrevista, não foram apenas os signatários da carta pró-democracia que entraram na mira do presidente.

Bolsonaro também chamou Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), de criminoso e mentiroso, e disse que Luiz Fux, presidente da corte, fez fake news ao defender o sistema eleitoral e deveria ser investigado pelo inquérito sobre esse tema.

Na primeira sessão do Supremo após o recesso de julho do Judiciário, nesta segunda-feira (1º), Fux disse que a democracia brasileira "conta com um dos sistemas eleitorais mais eficientes, confiáveis e modernos de todo o mundo", declaração contestada por Bolsonaro.

O chefe do Executivo questionou quais outros países no mundo desenvolvido usariam o sistema eletrônico de votação, atacado por Bolsonaro, mas pelo qual se elegeu por toda sua vida política.

De acordo com uma nota do TSE no ano passado, esses equipamentos são utilizados em outros países, como em parte da França e dos Estados Unidos.

O mandatário também voltou a criticar Barroso, um dos seus principais alvos no STF e ex-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ao dizer que ele interferiu na votação da PEC do Voto Impresso na Câmara em 2021.

"Interferência direta do Barroso dentro do Congresso Nacional pra não aprovar voto impresso, interferência política. Crime previsto na Constituição. Barroso é um criminoso", disse.

"Depois o Barroso vai lá pros EUA dar uma palestra como retirar presidente da República, depois vai pro Reino Unido, fala lá que queriam ressuscitar voto impresso como antigamente. Barroso, tu é um mentiroso, um mentiroso. Não foi tratado disso lá, tá na PEC do voto impresso", prosseguiu.

Após a fala de Bolsonaro, Barroso afirmou nas redes sociais nesta terça que "mentir precisa voltar a ser errado de novo".

"Compareci à Câmara dos Deputados, como presidente do TSE, para debater o voto impresso, atendendo a TRÊS CONVITES OFICIAIS. E foi a própria Câmara que derrotou a proposta de retrocesso. Mas sempre haverá maus perdedores", disse o ministro.

Segundo pesquisa Datafolha desta semana, a campanha golpista de Bolsonaro contra o sistema eleitoral e o Judiciário é vista com preocupação pela maioria dos brasileiros, que acreditam que as ameaças têm de ser levadas a sério pelas instituições. Ao mesmo tempo, o mesmo contingente não vê o presidente dando um golpe.

Nos últimos meses, Bolsonaro retomou com força sua carga contra as instituições, seja por convicção, seja pelo temor de derrota na eleição e possível exposição sua e de sua família à Justiça comum —as acusações contra o clã Bolsonaro se acumulam.

Bolsonaro convocou a população a ir às ruas novamente no 7 de Setembro deste ano criticando os "surdos de capa preta", ou seja, ministros do Supremo e do TSE.

Isso ocorreu em 2021, quando acabou entregando o controle do governo ainda mais ao centrão devido ao risco de ruptura e eventual processo de impedimento.

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