Saúde mental e defasagens na educação desafiam próximo governador de SP

Nova gestão deverá priorizar reformulação do ensino médio e resistência de professores a novo modelo de carreira

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São Paulo

Tornar as escolas da rede pública mais atrativas e enfrentar a resistência de professores ao plano de carreira aprovado neste ano são algumas das questões que o próximo governador de São Paulo terá de enfrentar durante sua gestão.

O alto índice de alunos que deixam o ensino médio sem ter aprendido competências básicas de português e matemática também é uma defasagem a ser contornada.

Soma-se a esse cenário a preocupação com a saúde mental de alunos e professores após a pandemia de Covid, que fechou escolas, impôs aulas remotas e gerou falta de convivência entre docentes e discentes.

Alunos na Escola Estadual Professor Francisco de Paula Conceição Júnior, no bairro Jardim Mitsutani, no extremo sul de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

A Folha ouviu especialistas para elencar os principais desafios da área que o próximo governador terá que enfrentar.

Qual é o orçamento atual da Secretaria de Educação do Estado de SP? R$ 42,2 bilhões, segundo previsão da dotação orçamentária de 2022. Houve alta de 51,25% desde 2016, quando foi de R$ 27,9 bilhões. No valor para 2022 estão os recursos provenientes do estado de SP, da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), os obtidos via Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e outros do governo federal para custeio de programas específicos.

O montante determinado pela lei orçamentária não é corrigido pela inflação e considera todos os recursos disponibilizados para a educação.

De acordo com a secretaria estadual, o aumento no repasse de verba no período se deu em decorrência da alta da arrecadação de receita, principalmente do ICMS, no caso do Fundeb, e INSS. Os principais investimentos da pasta foram em folha de pagamento, alimentação, transporte, repasses e tecnologia.

Como está a qualidade do ensino em SP? O resultado do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), em dezembro de 2021, mostrou piora no rendimento escolar e em duas áreas avaliadas: língua portuguesa e matemática.

O maior percentual de alunos com defasagem foi detectado no 3º ano do ensino médio. Os dados indicam que, dos alunos que concluíram o ensino médio na rede pública do estado em 2021, 96,6% saíram da escola sem ter aprendido como resolver uma equação de 1º grau ou como interpretar dados estatísticos.

Ivan Gontijo, coordenador de políticas públicas da ONG Todos Pela Educação, afirma que a melhora nesse índice poderia ser alcançada com a identificação de alunos e escolas com mais dificuldades no aprendizado dessas competências; melhor formação dos professores, oferecendo a eles melhores condições de trabalho e materiais didáticos; e manutenção da constante avaliação dos docentes e dos estudantes.

"É muito importante ter um diagnóstico claro de que patamar estamos partindo. Esse diagnóstico precisa ser feito em cada sala de aula", diz.

Ele destaca outro desafio: a ampliação de escolas que seguem os preceitos do Novo Ensino Médio —lei aprovada em 2017 que prevê aumento da carga horária e permite ao aluno escolher parte das disciplinas que irá cursar.

"Tem que ser o foco, implementar tudo o que a reforma traz: aumento da carga horária, flexibilidade curricular."

A pandemia evidenciou deficiências da rede pública para ofertar aulas online. O quanto isso deve ser prioridade do governo, diante de eventuais atividades complementares ou do risco de novas restrições? A possibilidade de realizar aulas e de acessar conteúdos remotamente deve ser reforçada, segundo Roberta Bento, cofundadora do projeto SOS Educação.

"Se foi injusto deixar os alunos da rede pública à margem da educação ao longo de dois anos, deveríamos considerar um crime manter esses mesmos estudantes sem acesso a recursos que podem tornar o desenvolvimento pleno de cada um deles possível", diz ela.

A Secretaria de Educação do Estado afirma que segue reforçando a capacitação tecnológica das suas unidades de ensino. De 2020 a 2022 foi investido R$ 1,5 bilhão em tecnologia, valor que inclui a distribuição de chips de dados móveis a estudantes vulneráveis e professores, segundo a pasta.

A pandemia teve como consequência atrasos de aprendizagem, além de evasão escolar, maior desigualdade entre as redes pública e privada e problemas relacionados à saúde mental. O que fazer para combater esses efeitos? Caio Callegari, pesquisador do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, diz que um dos desafios na área é tornar a escola "mais interessante" para os estudantes e para a família deles.

"Esse desafio está relacionado à situação emocional [do aluno]. A gente tem visto uma escalada da violência, do bullying".

A psicóloga Andréa Leão aponta que o governo deve dar mais importância à prevenção de doenças psicológicas, tanto de alunos quanto de docentes.

"É importante ter canais e profissionais para oferecer técnicas terapêuticas que ajudam a prevenir o estresse e a ansiedade", afirma.

Leão afirma que há entre os alunos da rede pública a percepção de que eles vão concorrer no Enem de forma muito desigual com quem está na rede privada. "Existe a sensação de que eles foram deixados de lado, sem aula e reposição adequada."

Qual é a situação do quadro de professores da rede estadual? São 209 mil professores, 95,6 mil dos quais concursados efetivos, 87 mil contratados sem concurso (por períodos pré-determinados, mas prorrogáveis) e 26,7 mil sob contratos da chamada categoria F (que possui regime estável como um efetivo, mas não ingressou por concurso —não há mais contratações neste modelo), segundo o Governo de São Paulo.

Recentemente, a atual gestão do estado não conseguiu contratar todos os 2.900 professores temporários que calculava serem necessários para atender a demanda de São Paulo —mesmo após autorizar docentes sem formação na área a darem aula.

Há nove anos sem concurso público e com a implantação de programas que aumentaram a carga horária nas escolas estaduais, o governo não tem professores em número suficiente para atender os cerca de 3,5 milhões de alunos da rede.

A Folha mostrou que, quase ao fim do primeiro semestre letivo deste ano, 17% das aulas nos chamados itinerários formativos —parte do ensino médio que os estudantes podem escolher as disciplinas de acordo com seus interesses— ainda estavam sem um professor atribuído. As aulas foram substituídas por atividades remotas do Centro de Mídias.

O coordenador de ensino médio da Secretaria da Educação, Gustavo Mendonça, relacionou a falta de professores à maior oferta de aulas no novo ensino médio e à ampliação do Programa Ensino Integral, vitrine eleitoral do governador Rodrigo Garcia (PSDB).

Qual é a situação salarial dos professores do ensino estadual? De acordo com a secretaria, os professores recebem atualmente o piso nacional, de R$ 3.845,63 (sancionado neste ano pelo presidente Jair Bolsonaro), para uma jornada de 40 horas semanais, e eventuais adicionais. Há política de bonificação, por meio do resultado obtido nos indicadores de aprendizagem da rede estadual. O último bônus foi pago em setembro de 2020.

Em março, foi aprovado um projeto que estabeleceu um novo plano de carreira para professores da rede estadual, com salário inicial de R$ 5.000. Essa nova carreira é opcional, e os servidores têm até dois anos para aderir. Temporários e novos ingressos, porém, serão automaticamente enquadrados nesse modelo.

Sob o novo regime, os educadores são remunerados por subsídio, o que exclui bônus, gratificações ou prêmios hoje existentes, e a evolução na carreira exigirá avaliação de desempenho por meio de provas.

Quais são as principais reivindicações de professores e profissionais da rede estadual hoje? A deputada estadual Professora Bebel (PT), presidente licenciada da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de SP), afirma que a principal demanda da categoria é justamente a revogação do novo plano de remuneração.

"Em vez de ser carreira, virou subsídio", diz ela. "Não podemos ter uma carreira embasada em prova de avaliação. O tempo de serviço é excluído totalmente [do novo regime]. Quanto mais você exercita, mais experiência tem e melhor fica."

Outra demanda da categoria, de acordo com a petista, é a reorganização do espaço físico das escolas da rede estadual. "Não dá para trabalhar em plena era digital com as salas de aulas que temos. Por várias razões: questões sanitárias, de acessibilidade e de diferentes metodologias. É uma questão estrutural."

O governo tem programas para a valorização de outros profissionais da educação, além dos professores? A Secretaria da Educação afirma que a valorização de profissionais da educação vai de cursos oferecidos pela Efape (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de SP) a reajustes. Neste ano, os servidores receberam reajuste de 10%, segundo a pasta.

Quantas escolas de ensino integral há no estado hoje? Qual é a meta para que o estado cumpra o exigido pelo PNE (Plano Nacional de Educação)? São 2.050 unidades com esse regime, com mais cem previstas para serem inauguradas em 2022 e mais 850 em 2023. Em 2018, eram 364 escolas de ensino integral na rede estadual.

O governo paulista estima que a meta prevista pelo PNE será ultrapassada em 2023. O plano exige que 50% das escolas da rede estadual forneçam 50% das unidades escolares com jornada integral, o que, no estado, equivale a 2.540 escolas.

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