Não há registro de Lula ter dito que enfermeiros só servem para servir sopa

Vídeo com informações falsas foi publicado por deputado federal que tenta reeleição

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São Paulo

Não há registro público de que o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dito que ‘‘enfermeiros só servem para servir sopa, precisamos de mais médicos". A informação falsa começou a circular nas redes sociais no mesmo dia em que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso suspendeu o pagamento dos reajustes, que foram aprovados pelo Congresso Nacional para profissionais da enfermagem.

A decisão de Barroso, como verificado pelo Projeto Comprova, foi anunciada em 4 de setembro, mesma data em que o petista participou de um encontro com trabalhadoras domésticas em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Na ocasião, Lula discursou por cerca de 40 minutos fazendo promessas de campanha e relembrando ações de governos passados para esses profissionais.

Em determinado momento do pronunciamento, Lula cita filas em hospitais, dificuldades para agendamento de consultas com médicos especializados e a necessidade de correção da tabela SUS. Mas não há qualquer menção ao piso nacional dos enfermeiros.

Cena de ambiente hospitalar com médicos e enfermeiros de jaleco e máscara ao redor de cama com paciente
Enfermeiros e médicos atendem paciente com Covid-19 em UTI de Porto Alegre - Daniel Marenco - 12.mar.2021/Folhapress

A live com a afirmação falsa foi feita pelo Coronel Tadeu, deputado federal e candidato à reeleição por São Paulo pelo PL, também em 4 de setembro. No vídeo, ele profere uma série de xingamentos contra o petista, pede aos seguidores que enviem a gravação a enfermeiros e repete diversas vezes a suposta citação.

A assessoria do ex-presidente informou, já no dia seguinte, que se trata de uma mentira. A nota diz, ainda, que Lula sempre respeitou a categoria e que nunca debochou dos profissionais.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação

Até o fim da tarde do dia 6 de setembro de 2022, o vídeo tinha mais de 132 mil visualizações, 4,4 mil curtidas e 1,3 mil comentários. O tuíte, excluído posteriormente, chegou a receber mais de 8 mil curtidas e 3 mil retuítes.

O que diz o autor

Procuramos o Coronel Tadeu no dia 5 de setembro, mas não houve retorno até a publicação desta checagem. Caso o parlamentar se manifeste, a verificação será atualizada.

Também tentamos contatar o administrador da conta @AdrillesPistola no Twitter, mas o envio de mensagens privadas estava desabilitado.

Como verificamos

Primeiramente, assistimos ao vídeo postado no YouTube para identificar possíveis citações a fontes que levassem à origem da suposta afirmação feita por Lula. Percebemos, então, que o parlamentar cita 4 de setembro como sendo a data em que o presidenciável teria dado tal declaração. O mesmo dia era mencionado no tuíte verificado.

A partir daí, pesquisamos a agenda oficial do petista daquele dia para tentar encontrar possíveis registros da frase em atos de campanha. No entanto, como mostrou a verificação, isso não aconteceu.

Fizemos buscas no Google, utilizando os termos "Lula", "enfermeiros" e "sopa". A pesquisa retornou links de agências de checagem desmentindo o boato. Também fizemos consultas no portal da Câmara dos Deputados e no site do STF.

Enviamos ainda pedido de resposta ao coronel Tadeu, mas não houve retorno. Já a assessoria de Lula encaminhou a nota oficial sobre o conteúdo falso à imprensa.

O vídeo

O deputado Coronel Tadeu faz lives diariamente no canal que mantém com mais de 17,5 mil inscritos. A gravação aqui verificada atingiu um dos maiores alcances entre todos os vídeos já postados pelo parlamentar, com mais de 132 mil visualizações em dois dias, contra uma média de 500.

São 15 minutos de assuntos alternados, a começar pelo resultado do plebiscito no Chile sobre a proposta de nova Constituição, passando por pedidos de votos, inclusive ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e aos candidatos apoiados por ele, até se chegar à suposta fala de Lula.

O deputado cita a frase falsa, sem dizer a fonte da informação, chama atenção dos enfermeiros e questiona: "Cadê vocês agora? Quero vocês todos na rede social, inclusive aqueles que apoiam Lula. Cadê os enfermeiros aí, agora, que apoiam Lula?". Depois, afirma não saber quantos profissionais dessa categoria existem no Brasil e acrescenta: "Eu falo, gente, porque a gente batalhou por um projeto para todos vocês da enfermagem", fazendo menção ao piso salarial da categoria.

O candidato também relembra a atuação dos enfermeiros durante os momentos mais críticos da pandemia, afirmando que "o pessoal atendeu bem para caramba todo mundo". Na sequência, faz xingamentos a Lula pela suposta declaração, sem apresentar áudios ou vídeos que pudessem comprovar a acusação.

No meio disso, ele relembra a polêmica frase do petista de que "Jair Bolsonaro não gosta de gente, gosta de policial". Lula se desculpou pela fala, que foi feita durante um evento em São Paulo, em maio deste ano.

Em nota, a assessoria do candidato do PT afirma que o conteúdo analisado nesta checagem é uma "fake news estilo aleatória", que se aproveita de temas quentes para "pegar carona" e espalhar mentiras.

O novo piso

Bolsonaro sancionou, no dia 4 de agosto, com um veto, a lei 14.434/2022, que fixa pisos salariais para enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e parteiras.

O projeto que deu origem à lei é de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), quando o político ainda era filiado ao partido Rede. Aprovado pela Câmara e pelo Senado, o texto fixa em R$ 4.750 o piso da enfermagem nos setores público e privado. O valor serve de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem (R$ 3.325), auxiliares de enfermagem (R$ 2.375) e parteiras (R$ 2.375).

O veto de Bolsonaro diz respeito ao trecho que determinava que os pisos seriam atualizados anualmente com base na inflação calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

A nova lei, que teve origem no Senado, só foi possível após deputados e senadores aprovarem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que viabilizou a criação e o pagamento dos pisos para as quatro categorias. Até então, a regulamentação do assunto era a mesma em vigor desde 1986.

Contestação

Após a sanção presidencial, a CNSaúde (Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços) acionou o STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.222, com pedido de medida cautelar, alegando que o piso da enfermagem seria financeiramente insustentável.

Para a CNSaúde, a lei também desrespeitou a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais, "tanto por repercutir sobre o regime jurídico de seus servidores, como por impactar os hospitais privados contratados por estados e municípios para realizar procedimentos pelo SUS".

A entidade afirma que o texto foi aprovado sem amadurecimento legislativo na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, porque não passou por nenhuma comissão mesmo diante da relevância da medida e de seus impactos significativos.

A confederação disse ao STF que a aplicação da lei pode aumentar o desemprego, gerar a falência de unidades de saúde ou aumento de repasse de custos no serviço privado, entre outros problemas.

Decisão do STF

Em 4 de setembro, na véspera do dia do pagamento e um mês após Bolsonaro ter sancionado o piso dos enfermeiros, o ministro do STF Luís Roberto Barroso analisou a ação da CNSaúde e determinou a suspensão do reajuste.

A decisão liminar levou em conta, entre outros dados, o impacto financeiro da medida. A partir disso, Barroso deu prazo de 60 dias para que entes públicos e privados da área da saúde esclareçam possíveis impactos dos reajustes.

O ministro considerou mais adequado, diante dos dados apresentados até o momento, que o piso não entre em vigor até que sejam feitos tais esclarecimentos. O motivo seria o risco concreto de piora na prestação do serviço de saúde em hospitais públicos, Santas Casas e hospitais ligados ao SUS.

O Ministério da Economia, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os governos dos 26 estados e do Distrito Federal terão dois meses para prestar informações sobre o impacto financeiro da norma. Quanto ao risco de demissões em decorrência da lei, deverão se manifestar o Ministério do Trabalho e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Já o Ministério da Saúde, conselhos da área da saúde e Federação Brasileira de Hospitais (FBH) terão a missão de esclarecer o risco de fechamento de leitos e de eventual redução nos quadros de enfermeiros e técnicos.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Conteúdos falsos ou enganosos que envolvem candidatos podem influenciar na compreensão da realidade e na imagem construída pelos eleitores sobre determinado político. O Comprova busca colaborar para que a escolha sobre um candidato seja definida com base em informações verdadeiras e confiáveis.

Reuters, G1, UOL e Terra já verificaram que é falso o conteúdo atribuindo a Lula a afirmação checada aqui.

Em verificações anteriores que citam Lula, o Comprova mostrou que é falso vídeo com montagem de Lula declarando voto em Bolsonaro e que não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar agronegócio da Terra.

A investigação desse conteúdo foi feita por Portal Norte de Notícias, BandNews e Grupo Sinos e publicada em 7 de setembro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Estadão, Crusoé, UOL, GZH, O Popular, Piauí e CBN Cuiabá.

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