Damares e Michelle suspendem visita a venezuelanas, e organização diz que famílias temem exposição

Campanha de Bolsonaro escalou primeira-dama e ex-ministra para tentar gravar vídeo com adolescentes citadas pelo presidente

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Brasília

A primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-ministra Damares Alves suspenderam neste domingo (16) uma visita à família venezuelana citada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em vídeo que viralizou e que passou a ser usado pela oposição para acusar o chefe do Executivo de declarações pedófilas.

Como mostrou a coluna da Mônica Bergamo, as duas haviam sido escaladas pela campanha de Bolsonaro para tentar reduzir o desgaste causado pela fala do presidente. Em entrevista a um podcast na sexta-feira (14), Bolsonaro usou a expressão "pintou um clima" para se referir a meninas venezuelanas de 14 e 15 anos que ele encontrou no ano passado numa visita à periferia do Distrito Federal.

O encontro planejado para este domingo acabou suspenso após Michelle e Damares serem informadas que a família venezuelana estava receosa com a exposição e a repercussão da fala do presidente.

Não há informação oficial se Michelle e Damares tentarão reagendar o encontro para os próximos dias.

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Damares Alves e a primeira-dama Michelle Bolsonaro durante convenção do Republicanos que lançou a ex-ministra ao Senado Federal, em agosto de 2022. - Pedro Ladeira/Folhapress

No início da tarde, viaturas do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) chegaram à sede da Cáritas Arquidiocesana do Brasil em São Sebastião, região a 30 km do centro de Brasília.

A ONG é ligada à Igreja Católica e dá apoio a cerca de 2 mil famílias de refugiados e indígenas na cidade.

O diretor da organização, Paulo Henrique de Moraes, disse que foi chamado às pressas neste domingo para se encontrar com a Damares. Ele estava em um almoço com a família quando recebeu um telefonema do segurança da Cáritas informando que a ex-ministra iria encontrá-lo.

"Não sabemos exatamente [qual é o pedido do governo]. Nós ficamos atônitos com o pedido de reunião e vim recebê-los para entender o porquê da visita", disse Moraes.

À Folha, ele disse que a situação era delicada. A Cáritas trabalha em cooperação com o governo, mas permitir a aproximação de representantes da campanha de Bolsonaro com a família venezuelana, em momento sensível para ela, seria "complexo".

"Eu queria saber melhor o motivo [da visita]. Se querem conversar, tirar foto, fazer vídeo ou o que mais", disse.

"Até porque me chegou a informação de que as famílias estão muito assustadas com a situação, diante da repercussão do vídeo [de Bolsonaro] veiculado", completou.

Damares e Michelle chegaram por volta das 15h na Base Aérea de Brasília, após viagem pelo Nordeste. No local, foi decidido que o encontro com as venezuelanas seria suspenso.

Após a decisão, as viaturas do governo deixaram a sede da Cáritas.

A comunidade do Morro da Cruz, em São Sebastião, percebeu a movimentação diferente no início deste domingo. Carros oficiais do GSI circularam pela cidade para tentar identificar a família de venezuelanos.

O objetivo era tentar reduzir o impacto negativo na campanha do presidente causado pela fala de Bolsonaro durante entrevista ao podcast Paparazzo Rubro-Negro.

Na ocasião, Bolsonaro fez um relato de encontro que teve com venezuelanas em abril do ano passado. O objetivo do presidente era reforçar o mote de um suposto risco de o Brasil "virar uma Venezuela" caso seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vença o segundo turno do pleito presidencial.

"Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas; de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei, 'posso entrar na tua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, [num] sábado de manhã, se arrumando —todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos se arrumando num sábado para quê? Ganhar a vida. Você quer isso para a tua filha, que está nos ouvindo aqui agora. E como chegou neste ponto? Escolhas erradas", disse o presidente.

A fala do presidente viralizou nas redes e ele foi associado à pedofilia. Também foi criticado por sua declaração dar a entender que ele teria presenciado uma situação de exploração de sexual de menores e não ter tomado providências.

A campanha de Lula chegou a levar uma inserção com a fala de Bolsonaro para o ar. Na noite deste domingo, o ministro Alexandre de Moraes, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), determinou a remoção do conteúdo.

A Folha esteve no Morro da Cruz no domingo. A casa onde Bolsonaro encontrou a família hoje é alugada por uma senhora que não quis se identificar. Ela conta que os venezuelanos deixaram a residência há mais de um ano, mas que ainda moram na região.

Fachada de casa, com muro de chapisco, atrás de um motoqueiro
Casa de família venezuelana visitada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) fica na comunidade do Morro da Cruz, em São Sebastião (DF) - Cézar Feitoza/Folhapress

A casa fica próxima à entrada da comunidade, com acesso à via principal, a única asfaltada. As vias auxiliares são todas de terra batida, e a poeira toma conta das residências na época da seca no Distrito Federal.

Na parte interna da casa há uma sacada ampla. No dia em que Bolsonaro encontrou a família venezuelana, vizinhos contam que o local recebia uma ação social, com foco em questões estéticas e de bem-estar, como maquiagem e massagem.

Essa era a razão, segundo a população local, para as adolescentes citadas por Bolsonaro estarem bem vestidas e maquiadas na manhã do sábado.

Paulo Henrique de Moraes, da Cáritas, rechaça a hipótese de que as adolescentes eram vinculadas à exploração sexual.

"Todas as venezuelanas que nós atendemos aqui são pessoas que buscam o seu emprego. São, em boa parte, mulheres jovens, solteiras ou casadas, nenhuma com essa prática [de exploração sexual]. Pelo contrário, elas buscam uma vida de forma íntegra e nós ajudamos no que é possível", disse.

Nas redes sociais, Bolsonaro e aliados passaram a se defender das críticas neste domingo. A primeira manifestação, do próprio presidente, foi feita em uma live ainda de madrugada.

"O PT está tentando me desqualificar, distorceu, como se eu fosse uma pessoa que entrasse naquela casa com outros interesses", disse.

Escalada pela campanha para melhorar a imagem de Bolsonaro no público feminino, Michelle deu declarações em Aracaju (SE) em defesa do marido.

"Quantas injustiças, meus queridos, quantos ataque à nossa honra e nossa moral. Começaram, como agora, que ele [Bolsonaro] é pedófilo. Ele tem uma mania de falar, em tudo ele fala 'se pintar um clima'. 'Vamos lá, Bolsonaro, jogar. [Ele costuma responder:] 'se pintar um clima eu jogo com vocês'. 'Amor, você não vai almoçar? Não, só se pintar um clima'. Quer dizer que se a carne tiver boa, se a comida tiver boa ele vai e come. Porque ele não é muito de comida, ele gosta muito de doce", disse a primeira-dama.

Já Damares publicou nas redes um vídeo dizendo que ela e Bolsonaro vão "prender todos os pedófilos". "Nós vamos dar uma resposta à altura. Aguardem vocês, mentirosos, que estão nos julgando pelas réguas de vocês. Estou voltando a Brasília e vamos mostrar a esse povo o que é enfrentar a violência contra a criança", concluiu antes de embarcar rumo à capital federal.

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