Distribuição de material de campanha política por Correios é regular, ao contrário do que diz vídeo

A prática é legal quando contratada dentro das regras eleitorais

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São Paulo

É enganoso post que sugere que, pela lei, o carteiro dos Correios não pode entregar material de campanha eleitoral. Um funcionário da empresa foi filmado e constrangido por um homem enquanto entregava material encomendado pelo candidato a deputado estadual do PT Chico Simões em Coronel Fabriciano, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. A publicação, que classifica o servidor como "funcionário lixo", obteve 600 mil visualizações até esta sexta-feira (14).

Em nota, os Correios lamentaram a abordagem e afirmaram que tomaram medidas contra a desinformação compartilhada em redes sociais. De acordo com a estatal, o carteiro hostilizado na publicação fazia a entrega do objeto postal regular conhecido como mala direta.

Como verificado pelo Projeto Comprova, o serviço é disponibilizado a todos os clientes que sejam candidatos a cargos eletivos, bem como a partidos políticos, comitês eleitorais e agências de publicidade, para o envio de propaganda eleitoral e de material relacionado à campanha.

Prática de distribuição de material de campanha por carteiros dos Correios é legal - Danilo Verpa - 18.fev.2018/Folhapress

Simões confirmou à reportagem ter contratado o serviço de mala direta dos Correios, na modalidade "não endereçada". Isso quer dizer que o panfleto de propaganda não é enviado a endereços predefinidos, mas distribuído a residências localizadas em determinada área escolhida pelo contratante. No caso, toda a cidade de Coronel Fabriciano.

Os Correios deveriam entregar 40 mil panfletos contratados pelo candidato a deputado estadual durante o período de campanha. No dia 6 de setembro deste ano, Francisco de Assis Simões pagou a quantia de R$ 9.587,20 à ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos ), agência de Coronel Fabriciano, conforme consta no comprovante de pagamento cuja cópia foi enviada ao Comprova pelo político. A prestação de contas também está disponível no site de divulgação de candidaturas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Para o Comprova, é enganoso todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação

Até 14 de outubro, o vídeo acumulava 600 mil visualizações no Kwai, 13,6 mil curtidas, 4,2 mil comentários e 1,4 mil compartilhamentos.

O que diz o autor da publicação

O autor foi acionado pelas redes sociais, mas não retornou as mensagens até a publicação desta verificação.

Como verificamos

A checagem começou com uma análise dos elementos que aparecem na gravação. A partir das imagens, identificamos o candidato cujo panfleto era distribuído pelo carteiro. Fizemos uma busca no Google pelos termos "Chico Simões" e "13654". A partir daí, descobrimos o estado e a cidade do político, onde possivelmente teria havido a distribuição do material de campanha.

Entramos em contato por telefone com o político, que confirmou ter contratado o serviço de mala direta dos Correios, na modalidade "não endereçada". Ele também encaminhou cópia do comprovante de pagamento e informou o local da distribuição.

Contatamos, então, a assessoria de imprensa dos Correios e o TSE para apurar se o homem era mesmo funcionário da estatal e para tirar dúvidas sobre a legalidade da prática.

A reportagem verificou ainda a prestação de contas do candidato Chico Simões no site Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE. Também entrevistamos o advogado especialista em Direito Eleitoral e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO) Luciano Hanna.

Por fim, enviamos mensagens pelo Instagram e pelo Facebook ao responsável pela postagem do vídeo no Kwai.

Gravação

A abordagem ao carteiro foi feita em uma loja de departamento em Coronel Fabriciano. No vídeo, o homem questiona se o servidor pode entregar panfletos do PT com uniforme dos Correios. O funcionário responde que sim e que está cumprindo seu trabalho.

O homem rebate: "Pode, não, pela lei você é funcionário público, você não pode, não". No entanto, a atividade é regular e disponível aos candidatos e partidos.

Serviço foi contratado

O político Chico Simões foi candidato a deputado estadual pela Federação Brasil da Esperança (PT/PC DO B/PV) no pleito de 2022. Simões não conseguiu se eleger, mas será suplente na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

À reportagem, ele confirmou ter contratado o serviço de mala direta dos Correios, na modalidade "não endereçada". Isso quer dizer que o panfleto de propaganda é distribuído a residências localizadas em determinada área escolhida pelo contratante.

Os Correios deveriam entregar 40 mil panfletos durante o período de campanha. No dia 6 de setembro deste ano, Simões pagou a quantia de R$ 9.587,20 à ECT, agência de Coronel Fabriciano, conforme consta no comprovante de pagamento cuja cópia foi enviada ao Comprova pelo político.

A informação é a mesma declarada no processo de prestação de contas, disponível no portal do TSE.

Prática é regular

De acordo com os Correios, o carteiro hostilizado na publicação realizava a entrega do objeto postal regular conhecido como mala direta. O serviço é disponibilizado a todos os clientes que sejam candidatos a cargos eletivos, bem como a partidos políticos, comitês eleitorais e agências de publicidade, para o envio de propaganda eleitoral e de material relacionado à campanha.

A agência esclarece que a modalidade de correspondência é bastante utilizada no envio de mensagem publicitária para a venda de produtos e serviços, na divulgação, promoção de eventos e lançamentos, prospecção e fidelização de clientes.

"Trata-se de serviço previsto na Lei nº 6.538/78, acessível a pessoas físicas e jurídicas. A entrega do material —Mala direta não endereçada e devidamente chancelada— mostrada no vídeo ocorreu conforme contrato, em total respeito à legislação", afirma em nota.

O candidato do PT confirma que seu material continha a chancela devida, mas as imagens do vídeo não permitem verificá-la.

Identificação obrigatória

Os objetos referentes às campanhas eleitorais são obrigatoriamente identificados no ato da postagem nos Correios. Conforme regras estabelecidas pelo TSE, são aceitos os objetos com a respectiva forma de franqueamento (chancela, selo, estampa digital ou etiqueta de registro para carta registrada à vista) e identificadas obrigatoriamente pelo candidato com chancela específica, contendo o seu respectivo CNPJ, com a expressão "Eleições" e, no rodapé da chancela, a expressão "Distribuição Lei nº 6.538/78 Art. 40".

Além de atender os públicos já listados, os Correios ressaltam que também estão à disposição dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) para prestação dos serviços de transporte de urnas, mídias eletrônicas, material de apoio, convocação e pagamento de mesários.

A mala direta compõe o portfólio de produtos e serviços que são oferecidos aos agentes políticos que buscam facilitar a comunicação com o eleitorado de forma imparcial. Os preços de cada uma das opções estão disponíveis no site dos Correios.

Legislação

O advogado e ex-juiz do TRE-GO Luciano Hanna assistiu, a pedido do Comprova, ao vídeo aqui verificado e disse que as imagens não mostram qualquer irregularidade na atuação do carteiro. De acordo com o especialista, se o encarte da mala direta apresentar os dados obrigatórios e o político responsável declarar a despesa na prestação de contas, o uso deste serviço dos Correios é regular.

A norma está prevista no artigo 21 da Resolução nº 23.610 do TSE, que regulamenta a propaganda eleitoral. O dispositivo trata sobre a campanha por meio de material impresso. Segundo Hanna, a contratação dos Correios para entrega de mala direta é amplamente usada por políticos nas campanhas. "O carteiro não vai verificar qual carta vai entregar. Ele recebeu e é obrigado a entregar", diz o advogado.

Dados divulgados pelo TSE no portal Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais mostram que a estatal foi a 65ª companhia entre os maiores fornecedores de candidatos na eleição de 2022, recebendo o valor de R$ 3,3 milhões. As informações foram extraídas pela reportagem no dia 14 de outubro. A prestação de contas ainda pode ser atualizada pelos candidatos, ou seja, o valor pode aumentar.

Autor da publicação é do Paraná

Em sua conta no Instagram, Eros Antonio Vargas afirma que é de Piraquara, Paraná. No perfil do Kwai, em que o vídeo foi postado, o autor da publicação se apresenta como porteiro. Tentamos contato com Eros pelas redes sociais, mas não obtivemos retorno até o fechamento desta verificação. Não é possível confirmar se ele é a mesma pessoa que fez a filmagem.

Por meio de nota, os Correios lamentaram a abordagem feita ao funcionário e afirmam que tomaram medidas contra o vídeo compartilhado em redes sociais. "Demostra total desrespeito com o profissional e o desconhecimento do trabalho realizado pela empresa, que vem sendo amplamente divulgado em seus canais oficiais de comunicação", diz a agência.

A estatal informa que, assim que tomou conhecimento da exposição indevida da imagem da própria empresa e do carteiro, prestou suporte ao colaborador e tomou providências junto aos canais e perfis que repercutiram o vídeo sem a devida apuração dos fatos.

CUT alerta para ameaças a carteiros

A CUT (Central Única dos Trabalhadores) publicou, em 28 de setembro deste ano, uma nota em seu site alertando para ameaças sofridas por funcionários dos Correios na entrega de materiais de campanhas políticas.

"É o caso de funcionários e funcionárias dos Correios que vêm sendo ameaçados ao desempenharem suas funções de carteiros ao entregar correspondências relacionadas a campanhas políticas", diz o texto.

A instituição afirma que "cidadãos desavisados e desinformados vêm distorcendo o propósito do serviço e acusando os funcionários de fazerem propaganda política no exercício da profissão e até mesmo de estarem sendo pagos por fora".

Na nota, a CUT comentou o caso verificado em Coronel Fabriciano. "O funcionário apenas cumpria com uma das suas atribuições profissionais", criticou.

Tema já foi debatido em outras eleições

A entrega de material de campanha por carteiros não é uma prática nova e vem sendo discutido desde 2014. Nas eleições daquele ano, um vídeo de um carteiro que distribuía ‘santinhos’ da campanha da ex-presidente Dilma Rousseff foi usado para atacar o PT e sugerir que a prática era ilegal. À época, os Correios confirmaram que o homem nas imagens era mesmo funcionário da estatal e informaram que o serviço de mala direta havia sido contratado e pago pelo partido, não havendo qualquer irregularidade.

Na ocasião, o Correio Braziliense teve acesso a uma cópia da nota fiscal, que indicava que o valor pago pelas postagens havia sido de R$ 726.151,50. Ao portal de notícias, os Correios informaram que haviam prestado o mesmo serviço para candidatos do PSDB, PMDB, PR, PROS, PTN, PP, PV, DEM, PT do B, PDT, PTN.

Apesar de legal, a panfletagem de material de campanha está condicionada a determinadas exigências, como a obrigatoriedade da estampa, medida que foi descumprida neste caso. No ano seguinte, um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) constatou que os Correios haviam cometido uma irregularidade ao distribuir os panfletos sem chancela ou comprovante de postagem. A estampa serve para atestar que a quantidade de material enviado corresponde ao que foi contratado e pago pelos partidos.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais. A publicação aqui verificada apresenta conteúdo enganoso envolvendo a campanha eleitoral. O Comprova busca colaborar para que o eleitor tenha acesso a informações confiáveis e que contribuam para um processo democrático de escolha de candidatos.

A investigação desse conteúdo foi feita por O Popular, Estado de Minas, Grupo Sinos e O Dia e publicada em 14 de outubro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Correio Braziliense, NSC Comunicação, O Povo, Correio do Estado, Estadão e piauí.

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