É falso áudio atribuído a Ciro Gomes sobre tomada de poder pelas Forças Armadas caso Lula seja eleito

Peritos e equipe do político negam veracidade de conteúdo viral

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São Paulo

É falso que seja Ciro Gomes (PDT) falando em um áudio atribuído a ele com mensagem sobre a tomada de poder pelas Forças Armadas caso Lula (PT) seja eleito presidente da República. A gravação faz parte de um vídeo postado no Facebook que atingiu mais de 1 milhão de visualizações de 3 a 6 de outubro.

No áudio verificado pelo Projeto Comprova, é dito que as Forças Armadas estão cientes que existe um esquema armado para eleger Lula, e que, por isso, estão preparadas para tomar o poder caso o candidato do PT seja eleito.

À reportagem, os peritos Mario Gazziro, da UFABC (Universidade Federal do ABC), Paulo Matias, da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e Kalinka Castelo Branco, da USP (Universidade de São Paulo), analisaram o material e concluíram que o áudio é falso. Como base de comparação, os pesquisadores utilizaram áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, que ocorreu no dia 20 de julho deste ano.

A similaridade encontrada nas gravações foi de 47% —o que indica que é falso. Gravações do mesmo autor devem apresentar similaridade acima de 80%, de acordo com Gazziro.

Fotografia colorida mostra o político Ciro Gomes. Ele é um homem branco com cabelos grisalhos e veste uma camisa social amarela.
Ciro Gomes não disse que Forças Armadas tomarão poder caso Lula vença a eleição; áudio é falso - Stephan Eilert - 2.out.2022/AFP

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa de Ciro Gomes respondeu que os áudios não são do ex-governador do Ceará. "Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas", afirmou.

Como verificado pelo Projeto Comprova, outra evidência de manipulação, é o fato de o áudio não guardar relação com o posicionamento de Ciro Gomes, que divulgou, nesta terça-feira (4), vídeo em que afirma seguir a decisão do seu partido, o PDT, em apoio à candidatura de Lula no segundo turno.

"Frente às circunstâncias, é a última saída", declara Ciro Gomes, que ainda afirma, no vídeo, não acreditar que a democracia esteja em risco nesta disputa eleitoral.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação

Até 7 de outubro, a publicação no Facebook tinha 1,3 milhão de visualizações, 64 mil curtidas, 66 mil compartilhamentos e 14 mil comentários.

A postagem foi sinalizada como falsa na rede social. Em relação à circulação no WhatsApp, não é possível dimensionar o alcance de conteúdos que viralizam no aplicativo de mensagem.

O que diz o autor

A reportagem entrou em contato com o responsável pela postagem. Questionado sobre como obteve o áudio e por qual motivo decidiu compartilhá-lo sem confirmação de veracidade, ele respondeu que a voz é idêntica a de Ciro Gomes. E questionou: "Aonde está a declaração do partido dizendo que o áudio não é do Ciro?".

Como verificamos

Para descobrir a veracidade do áudio, o Comprova entrou em contato com profissionais de perícia para uma análise da gravação e buscou um posicionamento da assessoria de imprensa de Ciro Gomes.

A equipe também pesquisou declarações recentes de Ciro sobre o atual cenário político nacional e sobre a legislação brasileira.

Falso

De acordo com o perito Mario Gazziro, quando a semelhança dos áudios é abaixo de 10%, é possível identificar que não se trata de um conteúdo verídico apenas pelo ouvido. Em casos de produção pela técnica deepfake, é necessário realizar uma análise cepstral —criada inicialmente para identificar problemas no aparelho do trato vocal humano.

O resultado da análise realizada pelos peritos apontou que a similaridade do áudio verificado é de 47%. Quando abaixo de 10%, é provável que a fraude tenha sido realizada por um imitador. Já entre 10% e 80%, o conteúdo é gerado por meio de deepfake —quando uma base grande de dados da voz é copiada e utilizada para gerar o text-to-speech (texto lido por uma voz aprendida artificialmente sintetizada via computador).

Ainda que a análise cepstral tenha sido criada para fins médicos, a combinação com técnicas modernas possibilita levantar a identidade vocal de um indivíduo analisado, conforme explicação do pesquisador da UFABC. "Do ponto de vista matemático, trata-se de uma análise em frequência que ‘desembaralha’ o espectro vocal e o atribui a uma escala de cores logarítmica, adequada à sensibilidade do ouvido humano para as frequências audíveis".

No laudo elaborado, esta análise foi realizada a partir do áudio do discurso de Ciro Gomes na convenção nacional do PDT, quando o partido confirmou sua candidatura no dia 20 de julho de 2022. Segundo Gazziro, é importante que, na análise cepstral, as vozes comparadas sejam da mesma época em que a amostra foi supostamente gerada. "Uma vez que a análise cepstral identifica componentes do trato vocal, isso pode sofrer mudanças com o avanço da idade", explica.

Por fim, a análise gera um mapa relativo ao trato vocal, e se assemelham a impressões digitais dos dedos. Quando a gravação é feita pelo mesmo autor, a variação é baixa entre diferentes tipos de fala. Como exemplo, ele diz que se uma mesma pessoa cantar rápido em inglês e narrar calmamente em português em áudios diferentes, a similaridade ainda será acima de 80%, já que são gravações de mesma autoria.

Também procurado pelo Comprova, o perito forense computacional João Benedito dos Santos Junior, membro da Apecof (Associação Nacional dos Peritos em Computação Forense), fez uma análise preliminar, com base no critério de audibilidade, em que se utiliza apenas o ouvido treinado do perito como instrumento para a comparação de locutores.

Ao analisar o áudio questionado em confronto com trechos de dez áudios comprovadamente de Ciro Gomes, Junior concluiu que "há forte possibilidade de rejeitar a hipótese de que a voz (presente no áudio verificado) seja do senhor Ciro Gomes".

A assessoria de Ciro encaminhou nota com o seguinte teor: "Infelizmente as eleições de 2022 foram e estão sendo violentadas com diversas mentiras distribuídas por gabinetes de ódio montados pelas principais candidaturas. São estruturas especializadas em criar fake news e espalhar pelas redes, chegando, inclusive, a encontrar eco em alguns setores da mídia. Estes áudios claramente não são de Ciro Gomes".

Constituição

No áudio atribuído falsamente a Ciro, é dito que as Forças Armadas irão colocar em prática o artigo 142 da Constituição Federal para restabelecer a ordem. No entanto, não há no artigo, nem no conjunto de normas da legislação brasileira, nenhum dispositivo legal que autorize a intervenção das Forças Armadas no governo.

Em 22 de abril de 2020, durante reunião ministerial cujo registro teve divulgação autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro citou o Artigo 142 como um dispositivo a ser empregado em um contexto de intervenção militar no país. Desde então, apoiadores passaram a repetir o discurso.

Em junho daquele ano, ainda durante a repercussão do conteúdo da reunião, a Câmara dos Deputados emitiu um parecer esclarecendo que o Artigo 142 não autoriza a intervenção militar a pretexto de "restaurar a ordem", como havia sugerido Bolsonaro.

Por que investigamos

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam na internet relacionados às eleições presidenciais de 2022, à pandemia e a políticas públicas do governo federal. Áudios manipulados de uma personalidade política conhecida, como é o caso de Ciro Gomes, com falsa acusação de haver um esquema armado para eleger Lula, são prejudiciais às eleições, às instituições e ao Estado Democrático de Direito. E podem contribuir para contestações infundadas ao resultado das eleições presidenciais.

A investigação desse conteúdo foi feita por O Dia e Estadão  e publicada em 7 de outubro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, O Popular, piauí, Correio, Correio Braziliense, A Gazeta e CBN Cuiabá. 

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