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Pastores minimizam possíveis efeitos de vídeo de Bolsonaro na maçonaria

Para Silas Malafaia, se registro for verdadeiro, haverá 'pouco estrago, porque não é questão religiosa'

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São Paulo

Seria Jair Bolsonaro (PL) maçom? Circula um vídeo antigo do hoje presidente num templo maçônico que tenta vender essa ideia. Sem data, a gravação, que o mostra se apresentando como deputado, está sendo usada como arma com potencial de causar estragos numa de suas bases mais sólidas, a evangélica.

A Folha conversou com quatro pastores bolsonaristas. Dois afirmam que o impacto será nulo na campanha à reeleição. Outros dois admitiram que alguns eleitores crentes podem se abalar com as imagens.

Jair Bolsonaro, homem branco, segura microfone ao discursar. Ele está em pé, ao lado de um homem sentado, que está à esquerda dele na foto. Ele está em uma espécie de púlpito branco e, ao fundo, dois triângulos, um com um olho ao centro e outro com o que parece ser um sol em cores quentes
Bolsonaro discursa em templo maçônico, em vídeo publicado em 2017 - Reprodução

"Se provar que é isso fake news, estrago nenhum", diz Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. "Se for verdade, pouco estrago, porque não é questão religiosa."

Em trecho de gravação também recuperada por redes sociais, Malafaia, no entanto, parece desaprovar a ideia. "A maçonaria não é para nós. Tem coisa que vale para qualquer pessoa, para o povo de Deus não presta, para o povo de Deus não serve, ok? Nós somos da luz, nós saímos das trevas."

Também sem data estimada, a filmagem começa com ele em seu programa de TV, respondendo um espectador que o indaga sobre vídeos que o relacionam ao tema. "Se eu sou da maçonaria", diz, "só se o grão-mestre for Jeová. Vai ver se eu tô na esquina, rapaz. Que maçonaria porcaria nenhuma".

Questionado, o pastor lembrou um vídeo que mostra o adversário petista do presidente em ritual do candomblé. "Quer algo pior do que Lula tomando passe em centro de macumba? A maçonaria é uma sociedade à qual não pertenço e sou contra cristão pertencer, não nego. Mas tudo bem, cada um é uma cabeça e sabe o que faz da sua vida."

Mais tarde, compartilhou um vídeo voltando ao tema, o que foi visto na esquerda como sinal de que bolsonaristas temem efeitos nocivos à campanha. Estarem na defensiva seria uma amostra disso.

Ele diz que "o presidente é presidente de todos" e tudo bem "ir na igreja evangélica, na igreja católica, outras religiões ou na maçonaria, que é uma sociedade, isso é questão dele". Reitera ser contra evangélico maçom, mas diz que "o povo evangélico tem discernimento" e não vai ser manipulado.

O apóstolo César Augusto, da igreja Fonte da Vida, afirmou que o vídeo de Bolsonaro discursando na loja maçônica, que classificou de fake news, "pode causar grande avaria, e seus autores devem ser investigados e punidos".

O tema já foi usado antes para atiçar a base cristã. Há um exemplo um tanto anedótico: em 2018, então oponente de Bolsonaro, Cabo Daciolo acusou os irmãos evangélicos Marco Feliciano e Malafaia de se envolverem com maçonaria. Não há qualquer prova disso.

A deputada bolsonarista Carla Zambelli se casou em 2020 numa cerimônia maçônica, o que na época até rendeu piada do hoje senador eleito Sergio Moro, ainda ministro do governo Bolsonaro.

"Sendo um casamento maçom, eu não sabia se podia falar, porque é tudo segredo. Eu não sei se posso dizer que sou testemunha ou que não sou testemunha do casamento", brincou o ex-juiz, um dos padrinhos. A primeira-dama Michelle Bolsonaro foi à festa sem o marido, em viagem a trabalho.

Muitos grupos religiosos, como parte dos evangélicos, comparam a maçonaria a uma seita. Pesquisador do Instituto de Estudos da Religião e pastor batista, Clemir Fernandes recorda que, em sua origem, o protestantismo brasileiro manteve relações com a maçonaria ao mesmo tempo em que reagiu fortemente a ela. Ainda hoje há pastores e fiéis maçons, mas, via de regra, organizações afins não são bem-vistas no meio.

"A maçonaria é encarada como uma espécie de religião, por ter símbolos, ritos, liturgia, indumentária", afirma Fernandes. "E a fé cristã seria suficiente para a vida de uma pessoa. Se ela precisa de outra relação religiosa, isso é recebido como quase que uma negação da suficiência do próprio Cristo."

Toda a aura secreta que rodeia as lojas também provoca desconfiança, segundo Fernandes. "Fica associado com o ocultismo, isso de esconder algo. Não pega bem na tradição evangélica."

"Maçonaria: Trevas ou Luz?", filme postado no YouTube em 2019, enfatiza essa repulsa. Diz a sinopse: "Esse é um documentário esclarecedor sobre a maçonaria, é um alerta para que os cristãos não sejam enganados".

O outro grande braço cristão do país é ainda mais avesso ao assunto. O Vaticano já afirmou que os princípios maçons são incompatíveis com a doutrina da Igreja Católica.

Em 1983, o então cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento 16, assinou documento em nome da Santa Sé reforçando "o parecer negativo da igreja a respeito das associações maçônicas".

"Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem se aproximar da Sagrada Comunhão", afirmou à época.

Em 2018, o general Antônio Hamilton Mourão, maçom há mais de duas décadas, incluiu em sua campanha como vice de Bolsonaro visitas a templos dessa fraternidade de homens que, com pretensões filantrópicas e filosóficas somadas a um histórico de acertos políticos, existe sob ares de sociedade secreta. Apresentava-se então como fiador do então deputado que queria virar presidente.

Apesar de muitos maçons preferirem o adjetivo "discreto" em vez de "secreto", ainda há zelo ao apontar quem é quem e quais são os ritos para entrar no clube. Entre maçons ilustres estão presidentes americanos (ao menos 15 deles, como George Washington), pensadores (Voltaire), músicos (Mozart), imperadores (dom Pedro 1º) e militares (Duque de Caxias). Idem para o ex-presidente Michel Temer, o ex-governador paulista Márcio França e o ex-prefeito de São Paulo Bruno Covas, morto em 2021.

No vídeo que atiçou as redes sociais, Bolsonaro discursa numa espécie de altar adornado com símbolos tradicionais da Maçonaria, como o esquadro e o compasso, além de outros símbolos triangulares. Fala sobre corrupção, questões ideológicas e afirma ter "saído da zona de conforto" do mandato parlamentar para andar pelo Brasil e investigar "quais são os grandes problemas que temos que enfrentar".

A equipe lulista estuda incorporar o vídeo do presidente na maçonaria à sua campanha. Aliado do ex-presidente, o deputado André Janones (Avante-MG) se adiantou e fez uma live nesta terça (4).Disse que antes de se converter evangélico, foi convidado a ingressar na maçonaria, "aquele negócio lá de ritual que eles têm lá e tal". A então sogra, contudo, teria lhe mostrado um vídeo explicando "o que acontece lá, o pessoal que vende a alma, o negócio do pacto lá com o bode etc."

Janones seguiu: "A gente não sabe o que Bolsonaro negociou lá na maçonaria para eles apoiarem ele. Não estou dizendo que ele fez isso. Mas não posso garantir, por exemplo, que ele não negociou em nome dos próprios eleitores". Deu como exemplo o bolsonarista André Valadão, pastor de sua igreja, que já teria falado contra a fusão entre maçonaria e cristãos.

Ele escolheu como cenário da live o pátio do Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, fechada com Bolsonaro.

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