Descrição de chapéu Eleições 2022

Apuração em redutos de Lula vai do medo à euforia

No sindicato dos metalúrgicos do ABC, em galpão do MST e na Ocupação 9 de Julho, eleitores sofreram e comemoraram com lágrimas e L na mão

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São Paulo

Quando as urnas foram fechadas em todo o país, às 17h deste domingo (30), o clima era de ansiedade e confusão na concentração de eleitores de Luís Inácio Lula da Silva (PT) que começava a se formar na quadra do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

Uma mistura de medo e euforia tomava conta do local, berço da trajetória política do líder petista. "Haja coração", exclamava uma apoiadora, abanando-se com uma bandeirola, com um olho no celular e outro no telão montado do lado de fora do edifício, que começava a transmitir a apuração.

O sindicato foi presidido por Lula nos anos 1970. Lá, ele se refugiou quando o então juiz Sergio Moro expediu o mandado de prisão que consagraria o impedimento da sua candidatura nas eleições de 2018.

Naquele ano, Lula deixou o sindicato para se entregar à Polícia Federal, nos braços de apoiadores que faziam ali uma vigília. Após 580 dias preso, retornou ao sindicato para seu primeiro discurso em liberdade.

Arthur França, 28, analista financeiro, foi ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na grande São Paulo, acompanhar a apuração dos votos
Arthur França, 28, analista financeiro, foi ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na grande São Paulo, acompanhar a apuração dos votos - Jardiel Carvalho/Folhapress

Com camiseta "Lula Livre", broche "Ele Não", boné vermelho e bandeira do arco-íris com a imagem da vereadora assassinada Marielle Franco amarrada ao corpo, o analista financeiro Arthur França, 28, trabalhador sindicalizado, caminhava apreensivo no pátio da entidade.

Quem via França todo de vermelho não imaginava que ele foi votar com o look escondido na mochila.

"Nunca tive medo, mas, no contexto do atual governo, sendo gay assumido e de esquerda, tenho medo. Então, fui votar de branco." França conta que dormiu mal nos últimos dias com receio de uma vitória de Bolsonaro. "O coração está a mil. Tenho medo e tenho esperança também."

O estardalhaço de fogos de artifício causava algum sobressalto, e o som de bateria dava ritmo ao hino consagrado nessas eleições: "Tá na Hora do Jair Já Ir Embora", de Tiago Doidão e Juliano Maderada.

Daiane Araújo, 28, militante do Levante Popular da Juventude, levou uma caixa de som para o Armazém do Povo, do Movimento Sem Terra, no centro de SP
Daiane Araújo, 28, militante do Levante Popular da Juventude, levou uma caixa de som para o Armazém do Povo, do Movimento Sem Terra, no centro de SP - Jardiel Carvalho/Folhapress

O mesmo hit tocava em modo repetição na caixa de som que Daiane Araújo, 26, puxou sobre rodinhas pelas ruas do centro de São Paulo até chegar ao galpão do Armazém do Povo, do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

Às 18h, já haviam passado cerca de 2.000 pessoas pela concentração organizada pelo movimento para acompanhar a apuração, entre políticos, agricultores e ativistas ligados à questão agrária e agroecológica.

Lula ainda estava atrás na contagem, mas o clima já era de festa. Araújo, militante do Levante Popular da Juventude, disse estar "ansiosa, mas muito esperançosa". No momento em que o petista ultrapassou Bolsonaro, às 18h44, Daiane acompanhou a onda de euforia, aumentando ainda mais o som na caixa.

Ela queria menos conversar do que dançar "Tá na Hora do Jair Já Ir Embora".

"Haja coração", ainda suspiravam alguns com um olho no telão montado no galpão e outro na tela do celular. Na mão, o L feito com o indicador e o polegar.

Às 19h55, Lula surge no telão, em uma imagem turbulenta no meio de uma confusão. A catarse é geral. Gritos contidos, lágrimas de emoção e de alívio, pulos e abraços sob o estrondo de fogos de artifício irromperam e ecoaram nos prédios do entorno. Era o momento pelo qual todos ali ansiavam: o anúncio da vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro (PL) na disputa presidencial mais acirrada desde a redemocratização.

O medo, a ansiedade e a exaustão que acompanharam apoiadores do petista nas últimas semanas deram lugar a uma explosão de alegria. "Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula", cantavam. Apesar das comemorações no reduto do MST, o pragmatismo moderou as análises. "Com um resultado tão apertado, a possibilidade de um terceiro turno continuado é real", avaliou Gilmar Mauro, da coordenação nacional do movimento.

Ivonete dos Santos, 58, professora aposentada, na Ocupação 9 de Julho, do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), na região central da capital paulista
Ivonete dos Santos, 58, professora aposentada, na Ocupação 9 de Julho, do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), na região central da capital paulista - Jardiel Carvalho/Folhapress

Ele descreve um Brasil com dois polos. "De um lado, uma frente ampla de defesa da democracia como só se viu na luta contra a ditadura. De outro, a extrema direita como uma força política organizada. Já imaginou a gente perder mesmo com a maior liderança popular do país?"

Muita gente imaginou, sim. "Meu coração ficou disparado o dia todo", conta a professora aposentada Ivonete dos Santos, 58, que trabalha na cozinha da Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MTSC), na região central de São Paulo.

Ao longo da tarde, a ocupação serviu rabada com polenta, prato preferido de Lula, para centenas de pessoas, entre moradores, artistas, religiosos e ativistas do movimento de moradia e de direitos humanos. Santos, conhecida no local como Vovozona, terminou o expediente dançando a vitória.

Rouca "de choro e de comoção" e vestida com uma camiseta com a palavra "coragem", a fundadora do MTSC, Carmem Silva (PSB), circulava pela ocupação aliviada. "Ai, que alívio", dizia também a atriz Thalma de Freitas, que foi ao local acompanhar a apuração. "Desde que Lula ganhou, não consegui mais parar de chorar", dizia ela. "E, agora", emendou ela, "recomeça a luta".

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