Bolsonaristas falam em Deus e fazem atos golpistas em diferentes cidades do país

Manifestantes afirmam, sem prova, que eleições foram fraudadas; repórter da Folha é hostilizado

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Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis, Recife, Porto Alegre e Campinas

Atos golpistas nesta quarta-feira (2) em frente a quartéis ou repartições militares em todo o país questionaram a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial do último domingo (30), citaram Deus e família e defenderam a intervenção militar.

Eles cobram uma ação das Forças Armadas após a vitória de Lula nas eleições presidenciais.

Com faixas, cartazes, gritos de guerra esportivos e interdição do trânsito, os golpistas alegaram, sem prova alguma, que as eleições foram fraudadas e que é preciso salvar o país da "ditadura do STF" (Supremo Tribunal Federal).

Questionados nos atos sobre como deveria ser a intervenção, porém, participantes dos protestos se limitam a afirmar que houve roubo na eleição, sem dizer como isso se deu, e não detalham como seria efetivado o desejo dos grupos.

Manifestantes protestaram no Centro Histórico de Porto Alegre em frente ao Comando Militar do Sul e Igreja Nossa Senhora das Dores
Manifestantes protestaram no Centro Histórico de Porto Alegre em frente ao Comando Militar do Sul e Igreja Nossa Senhora das Dores - Caue Fonseca/Folhapress

Lula foi eleito pela terceira vez e assumirá um novo mandato em 1º de janeiro. Já Bolsonaro, que repetiu declarações golpistas ao longo de seu mandato, amargou uma inédita derrota de um presidente que disputava a reeleição no país.

Os atos golpistas desta quarta-feira têm o incentivo de Bolsonaro. No pronunciamento de terça (1º), ele criticou o processo eleitoral e disse que "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas". Ele apenas criticou os métodos usados por seus apoiadores no bloqueio de estradas pelo país.

Com gritos de "ordem e progresso" e "intervenção federal", manifestantes golpistas apoiadores do presidente se concentraram em frente ao Comando da 4ª Região Militar do Exército, na região oeste de Belo Horizonte.

O protesto na capital do segundo maior colégio eleitoral do país ocorre por inconformismo com a derrota de Bolsonaro. Minas Gerais era considerado um estado estratégico para o presidente reverter a diferença para Lula registrada no primeiro turno e vencer a eleição, mas apesar de ter diminuído a distância, o petista manteve a dianteira no estado.

A manifestação interrompeu o trânsito nos dois sentidos da avenida em frente ao órgão militar.

O ato, porém, provocou repúdio até mesmo de lideranças bolsonaristas no estado. "O pior é ver gente que eu julgava esclarecida caindo em pilha de aloprado em porta de quartel", afirmou nas redes sociais o deputado estadual Leo Portela (PL).

O parlamentar avalia que só com prova de alguma irregularidade na eleição é que deveria haver protesto contra a vitória de Lula nas urnas.

O procurador-chefe do Ministério Público Federal em Minas Gerais, Patrick Salgado Martins, rebate um argumento comumente usado por golpistas para tentar justificar o pedido de intervenção militar, a "aplicação" do artigo 142 da Constituição.

"Em nenhuma linha do art. 142 da Constituição da República consta como missão das Forças Armadas promover golpe de estado, pelo contrário, consta expressamente que ‘destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem’", disse, em comunicado, na segunda (31).

Manifestantes pedem "intervenção federal já" na região do Obelisco Militar de Brasília
Manifestantes pedem "intervenção federal já" na região do Obelisco Militar de Brasília - José Marques/Folhapress

Já no Rio de Janeiro, reduto de Bolsonaro, milhares de manifestantes golpistas se reuniram desde a manhã em frente ao Comando Militar do Leste, no centro, ao som do hino nacional e carregando cartazes que pedem intervenção militar.

Eles cantaram ainda "Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" e "supremo é o povo" e exibem faixas demandando "socorro ao Exército" e "nos salvem da ditadura democrática".

Um grupo disse que eles não sairão dali nem molhados e que o protesto tem que ser pacífico, refletindo o clima tranquilo do ato até o momento. Ao lado, outra roda se refere a eleitores de Lula como "esquerdopatas", "vagabundos" e "macumbeiros".

A esquerda é citada ainda como criadora da fake news de que a facada sofrida por Bolsonaro em 2018 não aconteceu e aparece quase sempre ligada aos termos "ladrão, crime e roubo" nas conversas.

Menções ao golpe militar de 1964 também surgiram aqui e acolá. Um jovem disse à namorada que ou o Brasil mostra que é um país de heróis ou de psicopatas, sem meio-termo.

Nos entornos, policiais do Batalhão de Choque da PM conversavam com manifestantes enquanto observavam o ato. Um vídeo nas redes sociais mostrou uma viatura da 24ª delegacia (Piedade) levando uma bandeira do Brasil —segundo a Polícia Civil, o agente foi identificado e vai responder administrativamente pelo ato.

Causou furor também a falsa notícia de que Alexandre de Moraes teria sido preso. O ministro foi protagonista ainda de uma faixa que circulou durante o protesto com os xingamentos: "Cabeça de piroca ditador f.d.p.!", incluindo uma caricatura do presidente do TSE.

Já mais afastada do local, uma aglomeração discutia sobre a presença da empresa de mídia árabe Al Jazeera, que teve que explicar o que fazia ali. Alguns orientavam os manifestantes a não citar o nome de Lula nem de Bolsonaro nas entrevistas.

A Polícia Militar do Rio apagou uma publicação feita em seu perfil no Twitter sobre a manifestação no centro da capital fluminense e que foi interpretada como um apoio velado aos atos.

Na publicação, três PMs e um militar do Exército posam à frente das grades colocadas para separar a entrada do Palácio Duque de Caxias, sede do CML (Comando Militar do Leste), da área ocupada pelos manifestantes, e a foto foi acompanhada de um texto no qual a corporação dizia estar "acompanhando de perto as manifestações populares". Em nota, a Secretaria de Polícia Militar afirmou que excluiu a publicação de seu perfil oficial para "não gerar dúvidas de interpretação.

Os protestos também ocorreram em cidades paulistas, como Ribeirão Preto, onde Bolsonaro obteve 59,62% dos votos válidos no último domingo, ante 40,38% de Lula.

A manifestação na cidade reuniu golpistas na rua Duque de Caxias, no centro, onde funciona a base de apoio regional do Exército. A maioria usava camisas nas cores da bandeira nacional —muitas delas da seleção brasileira, falsificadas– e havia algumas dezenas de bandeiras brasileiras.

Nos cartazes, as pessoas pediam "Intervenção federal" e entre os dizeres repetidos à exaustão pelos participantes estavam "Nós exigimos intervenção federal" e "Deus, pátria, família".

Na convocação para a manifestação, as mensagens que rodaram grupos de WhatsApp e Telegram diziam que "O Brasil precisa de você! Resistência civil e intervenção federal".

Na região metropolitana, em Osasco houve ato em frente ao Exército, com gritos de "Ão, ão, ão, queremos intervenção" em meio ao barulho de vuvuzelas. Assim como no Rio, não faltou o "Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor", de Nelson Biasoli (1931-2014), que tradicionalmente é usado em eventos esportivos.

Em Campinas, milhares de bolsonaristas se aglomeram em frente à Escola Preparatória de Cadetes do Exército gritando frases como "Lula Ladrão" e "Intervenção Militar já". Várias faixas e cartazes são vistos com pedidos de intervenção militar no Brasil.

Segundo a Polícia Militar, durante a manhã a estimativa era de cerca de 5.000 pessoas na região.

Na capital paulista, milhares de manifestantes golpistas se concentraram em frente ao Comando Militar do Sudeste, na região do parque Ibirapuera (zona sul). Os manifestantes também seguravam placas com mensagens em inglês por resistência civil.

No Sul do país, região em que Bolsonaro venceu nos três estados, manifestantes fizeram ato em Florianópolis, na manhã desta quarta, em frente ao 63º Batalhão de Infantaria do Exército.

A aglomeração fechou vias e dificultou o deslocamento da região continental para o centro de Florianópolis, que fica na Ilha de Santa Catarina.

O grupo protestou contra o resultado das eleições e pede um golpe para a permanência de Bolsonaro na Presidência. Profissionais da imprensa local foram hostilizados.

Por volta das 12h, uma multidão de verde e amarelo tomou conta de três quadras do Centro Histórico de Porto Alegre no limite da rua dos Andrades, onde fica o Comando Militar do Sul e outros prédios militares. Parte deles tomou conta da escadaria da Igreja de Nossa Senhora das Dores.

O trânsito ficou bloqueado em três quadras pela prefeitura, mas por ser feriado e uma região de circulação de pedestres, não houve transtorno para o tráfego de veículos na região,

O clima era parecido com o de 7 de Setembro, exceto pela ausência de candidatos que apoiavam Bolsonaro. A faixa mais vista era de "intervenção federal". Outra faixa pedia "destituição dos togas pelo Congresso".

Manifestantes comentavam uns com os outros terem ido "para salvar o país", ou "para poder dizer que eu participei".

Alguns pediam efetivamente ação das Forças Armadas, mas outros preferiam não personificar de onde viria a intervenção ou qualquer tipo de ação. Um homem tinha uma faixa de "tirem a bunda da cadeira", mas não soube dizer quem deveria tirar.

A maioria dos manifestantes abordados foi hostil a pedidos de entrevista. Leda Ávila, 73, ignorava os alertas de pessoas à sua volta de que a Folha "não é confiável" enquanto falava.

Segundos antes, ela puxou um dos coros de intervenção federal. Questionada sobre como a intervenção se daria, disse: "Com intervenção militar. Intervenção federal. Comunista, não! Ladrão, não. Foi roubado [o pleito]. Todo mundo sabe que foi roubado".

Já André Luís intervém na entrevista quando o repórter insiste em perguntar como se daria a intervenção. Ele topa conversar, mas antes fotografa o crachá do jornalista.

"Eu defendo isso [aponta à volta]. Liberdade, correção, democracia e eleições justas que não foi o que ocorreu. Não só pela questão da urna eletrônica. É pelas interferências que o Supremo Tribunal Federal vem fazendo cerceando as liberdades e dando liberdade para que a oposição suja e ladra", disse ele, que afirmou que seu sobrenome é "do Brasil".

Em seguida, o repórter foi hostilizado por outro manifestante: "Tu quer ser enquadrado aqui? Vê lá o que está escrevendo". Questionado sobre quem enquadraria o repórter, ele se afasta.

No estado, houve manifestações semelhantes em frente a quartéis em cidades como Caxias do Sul, Pelotas e Cruz Alta.

Os manifestantes foram ironizados ou hostilizados das janelas dos poucos prédios residenciais da região, que mostravam o "L" com os dedos e gritavam "chora mais, golpista". Um homem insistia em chamar os manifestantes e perguntar: "Já é Copa? É o hexa?".

Até mesmo no Nordeste, região que deu uma vitória avassaladora a Lula contra Bolsonaro, houve manifestação nas proximidades do Comando Militar do Nordeste, na BR-232, no Recife.

O tráfego ficou lento no trecho. Os participantes proferiram gritos contra o TSE, Lula e o ministro Alexandre de Moraes.

Colaborou o UOL

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