Descrição de chapéu transição de governo

Zelador recebeu faixa presidencial em 1930 e dormiu com ela

Deposto, Washington Luís não sabia quem iria sucedê-lo e entregou adorno a funcionário do Palácio do Catete

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São Paulo

Neste 1º de janeiro de 2023, quem passará a faixa ao presidente diplomado Luiz Inácio Lula da Silva (PT)? Deveria ser o antecessor, Jair Bolsonaro (PL), mas ele viajou para Flórida, nos EUA, na sexta (30). Seu vice, Hamilton Mourão (Republicanos), já disse que não assumirá a incumbência.

Lula deve receber o adorno de seda com as cores nacionais no alto da rampa do Palácio do Planalto —e não no parlatório, onde o presidente discursa ao público. Uma alternativa, sugerida pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, é que a faixa seja entregue por pessoas que representem a diversidade do povo brasileiro (mulheres, negros, indígenas).

Outra possibilidade é que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), passe a Lula o item cerimonial.

Albino José Fernandes, zelador do Palácio do Catete de 1915 a 1960
Albino José Fernandes, zelador do Palácio do Catete de 1915 a 1960 - Acervo Fundação Biblioteca Nacional

A faixa foi instituída em 1910 por decreto de Hermes da Fonseca, que via a necessidade de um emblema para representar o poder presidencial. Na prática, nada muda se o adorno não for passado de um mandatário para o seu sucessor. Perde-se, porém, o simbolismo de uma transição republicana.

Sendo um grupo, Pacheco ou algum outro nome, esse não será o episódio mais insólito envolvendo a faixa.

Em meio à Revolução de 1930, que agitou o Rio de Janeiro, então capital do país, e pôs fim à República Velha, Washington Luís foi deposto do Palácio do Catete, sede do governo federal de 1897 a 1960.

Sem a menor ideia de quem assumiria o cargo, o presidente entregou o adorno a Albino José Fernandes, que trabalhou como zelador do Catete de 1915 a 1960.

Washington Luís recomendou a Fernandes só "entregá-la a quem de direito, depois de tudo resolvido", como conta Alzira Vargas do Amaral Peixoto no seu livro de memórias, "Getúlio Vargas, meu Pai" (ed. Objetiva).

"Magro, alto, silencioso e manso" e "anjo da guarda do Palácio do Catete" na descrição de Alzira, o funcionário tratou a tarefa como a missão de uma vida.

"Albino o guardou no lugar mais seguro: nele próprio. Debaixo de seu modesto dólmã [casaco justo e curto] de contínuo, sobre seus ombros franzinos, a faixa verde e amarela com seu escudo de ouro e os 20 brilhantes, representando os estados do Brasil, estava bem guardada. Não a retirava nem à noite e, assim, dormiu e acordou presidente da República durante vários dias", escreveu a filha de Getúlio.

Após ser deposto, em 1930, Washington Luís é conduzido no Rio de Janeiro para embarcar rumo à Europa
Após ser deposto, em 1930, Washington Luís é conduzido no Rio de Janeiro para embarcar rumo à Europa - Acervo FGV CPDOC/Reprodução

O nó da revolução demorou mais de uma semana para ser desatado após a queda de Washington Luís. Uma junta militar administrou o país por alguns dias até transferir o poder a Getúlio, que havia acabado de deixar o governo do Rio Grande do Sul.

Albino só decidiu entregar a faixa a Getúlio quando percebeu que o gaúcho viera mesmo para ficar.

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