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Servidor que criou sistema de Justiça virtual é premiado por pioneirismo

Leandro Lira ouviu juízes dizendo que ele havia concedido um 'alvará de soltura da burocracia'; Projudi nasceu ainda quando ele era estudante

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São Paulo

Há 20 anos o então estudante Leandro Lira cursava simultaneamente direito e ciências da computação em universidades públicas de Campina Grande, no interior da Paraíba, quando teve uma ideia que uniria as duas carreiras: um sistema virtual para dinamizar o Poder Judiciário. Nos anos seguintes, a medida se tornaria o primeiro software do tipo no Brasil implantado em larga escala em 20 estados.

Batizada de Projudi (Processo Judicial Digital), a ferramenta inovadora, cujos direitos foram doados ao Conselho Nacional de Justiça, foi desenvolvida por Lira com o apoio de um professor e juiz, Antônio Silveira Neto, e de um colega do curso de tecnologia, André Luís Cavalcanti Moreira.

"O sistema judiciário era travado em razão do meio físico em papel e da necessidade de deslocamentos para consultar processos, questões que só dificultavam. O Projudi foi uma virada de chave da Justiça tradicional para a virtual, já que o acesso a esses documentos passou a ser feito de qualquer lugar que tivesse internet", afirma Lira hoje, aos 41 anos.

Homem sorridente, veste blazer preto e blusa clara; ele está diante de retratos coloridos de outras pessoas, e na parede há imagens em preto e branco de personalidades como Grande Otelo
O funcionário público Leandro Lira em cerimônia do Prêmio Espírito Público no Rio de Janeiro, em novembro, pouco antes de vencer na categoria intersetorial - Meta Filmes/Prêmio Espírito Público

Por esse projeto, iniciado há duas décadas, Lira foi um dos vencedores da 5ª edição do Prêmio Espírito Público, que reconhece funcionários públicos que se dedicam a promover serviços de qualidade à população.

"Houve economia em vários aspectos. Um deles é que advogados não precisam mais ter custas com viagens para consultar um processo e as duas partes podem ter acesso ao mesmo tempo. Quem também se beneficia é a população que busca a Justiça e tem resultados mais rápidos", afirma ele, que atualmente atua como cientista de dados na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

O Projudi reduziu em cinco meses o tempo médio de tramitação de processos em Mato Grosso, por exemplo, de acordo com análise do CNJ. O tempo entre a petição inicial e o julgamento, que levava em média 180 dias, passou a ser de 33.

Em pouco tempo, o sistema, que nasceu em Campina Grande, em 2003, estava funcionando em outros estados como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte e Ceará, além do Distrito Federal.

"O Projudi foi o responsável por quebrar a cultura da Justiça em papel e fazer com que todo mundo percebesse que essa nova forma de atuar era mais viável. Isso gerou não só comodidade, mas ganho de eficiência."

Lira afirma que num ambiente computacional é possível selecionar vários casos semelhantes para embasar uma sentença, por exemplo. "O juiz tem acesso às informações de uma forma mais rápida, uniforme e coerente."

Para Daniel Miranda, assessor-chefe na Assessoria de Inteligência Artificial do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e que trabalhou no CNJ na época da implementação do Projudi, foi uma mudança de paradigmas.

"Lá por 2005, os CNJs estavam buscando um sistema de processo eletrônico que melhor atendesse a todos os ramos de Justiça. O Projudi era o mais avançado na época e poderia facilmente ser adaptado a todas as realidades."

Miranda afirma que o Projudi começou a trazer um ganho enorme para todos os tribunais. "Passar do papel para um processo judicial eletrônico é uma mudança emblemática, além de trazer uma produtividade muito grande. Quase todo mundo começou a aderir ao Projudi."

A adesão não foi total porque houve resistência por parte de alguns juízes e servidores, que desconfiavam da nova ferramenta, lembra Miranda.

"A própria falta de intimidade deles com a tecnologia era o maior entrave. Todo mundo era acostumado a pegar o processo na mão e a despachar com uma caneta. Aí passaram a ter que fazer pelo sistema."

No embalo do fim do uso do papel, Lira destaca que a eliminação dele também trouxe ganho do ponto de vista ambiental. Antes, todos os processos tinham que ser impressos integralmente, consumindo tempo e recursos desnecessários.

Mas para ele, a "cereja do bolo" dos frutos do Projudi foi a eficiência da Justiça durante a pandemia.

"Imagina o funcionamento do Poder Judiciário na pandemia se ainda fosse na época do papel. O profissional tinha que ir até lá manusear o processo e levá-lo para casa. Agora, a Justiça estava pronta para continuar prestando o serviço, mesmo em época de distanciamento social."

Lira já teve retornos de todos os lados beneficiados pelo Projudi. "Já ouvi de juízes que eu tinha concedido o alvará de soltura da burocracia. Transformou a realidade desses profissionais. Antes eles faziam plantão presencialmente. Hoje, a Justiça pode ser acionada a qualquer momento mesmo que o fórum esteja fechado."

A professora sênior da USP (Universidade de São Paulo) Maria Tereza Sadek reconhece que atualmente o sistema de processos é melhor que há 20 anos, mas que ele ainda precisa ser aprimorado.

"Apesar dessa informatização, o Judiciário brasileiro ainda não é informatizado de uma forma padronizada, cada tribunal faz de um jeito. É muito melhor que no passado, claro, mas ainda não atingimos um nível de excelência", diz a professora.

Hoje o Projudi, que deu o pontapé inicial nos processos virtuais, é usado em menor escala, já que outros sistemas mais atualizados o substituíram.

"Mas ele foi o pioneiro, pois iniciou uma revolução que só trouxe benefícios e justiça. A partir disso o próprio CNJ, com acesso online a essas informações, conseguiu estabelecer metas", afirma Miranda.

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