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Advogado compara Moraes a Moro, torna-se 1º gay a presidir instituto e relembra 'piadinhas'

Criminalista, Guilherme Carnelós assumiu em dezembro a presidência do IDDD

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São Paulo

Ao decretar o afastamento do governador Ibaneis Rocha (DF) sem provocação de órgão de investigação e se tornar protagonista de investigações, o ministro Alexandre de Moraes (STF) emula o comportamento adotado pelo ex-juiz Sergio Moro, hoje senador, nos processos da extinta Operação Lava Jato.

A avaliação é feita pelo advogado Guilherme Carnelós, 43, que há 20 anos atua na defesa de réus por crime econômico, inclusive casos da operação, que ele classifica como tribunal de exceção brasileiro.

Eleito em dezembro como novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Carnelós acompanha com preocupação a movimentação de Moro para retomar a prisão após condenação em segunda instância em um Congresso Nacional ainda mais conservador.

Primeiro gay à frente da organização, ele relata o preconceito enfrentado na carreira, defende a diversidade nas indicações para o Supremo e cobra pressão da OAB no Legislativo em prol das pautas LGBTQIA+.

Sentado em uma cadeira estofada em uma sala com uma estante com prateleiras cheias de livros e um quadro ao lado, um homem jovem, branco, cabelos castanhos e barba. Ele usa gravata e terno azuis, esboça um sorriso e tem as mãos sobre os joelhos
O novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o advogado criminalista Guilherme Carnelós - Zanone Fraissat/Folhapress

O sr. atuou em casos da operação Lava Jato, criticada por cercear a defesa dos acusados. Após os ataques do dia 8 de janeiro, há um esforço conjunto para responsabilizar os envolvidos. Há preocupações semelhantes em relação à defesa? Há algum tipo de comparativo, mas com olhares muito diferentes. Em ambos os casos existem dois juízes centrais exercendo o papel quase que de heróis nacionais. Na Lava Jato, o Sergio Moro era um juiz que gozava de uma unanimidade. O Alexandre Moraes, não. Na Lava Jato, eu dizia que Moro estava criando um monstro do ponto de vista ideológico. Muito se fez para acomodar os anseios do lava-jatismo e quem pagou a conta é o cliente mais presente na Justiça Criminal, que são as pessoas de baixa renda, sem acesso a uma defesa efetiva. Um exemplo foi a execução da pena em segunda instância. O STF mudou o entendimento para acomodar os interesses da Lava Jato e depois voltou atrás, mas, até voltar, isso impactou o sistema carcerário.

As prisões do ex-secretário Anderson Torres e do ex-comandante da PM Fábio Augusto Vieira foram necessárias ou há banalização? Não tenho como afirmar, porque não conheço o processo, mas um dos precedentes perigosos que o 8 de janeiro pode deixar é que algumas cautelares foram tomadas de ofício, caso do governador afastado Ibaneis Rocha. As medidas cautelares são alternativas às prisões, então são cabíveis se fosse necessário tomar alguma medida processual penal.

Moro chegou a decretar prisão de ofício na Lava Jato, mas isso foi muito isolado. Só que aqui se cria um precedente perigoso, porque não estou falando de um juiz lá de Curitiba, mas de um ministro do STF que tem suas decisões chanceladas pelo colegiado.

O Supremo errou ao chancelar essa decisão? Sim, porque não cabe uma cautelar processual penal de ofício na fase de inquérito policial.

Um levantamento da Defensoria Pública da União mostrou que Moraes manteve a prisão de ao menos seis investigados, apesar da recomendação contrária do Ministério Público Federal. Há excesso por parte do ministro? Não sei se há do ponto de vista de mérito, mas, se o Ministério Público afirma que a prisão não é necessária, [o ministro] praticamente está decretando de ofício uma prisão. Do ponto de vista formal, eu discordo.

O sr. avalia que o ministro age corretamente na condução dos inquéritos no STF? O sr. fez um paralelo com Sergio Moro. Em que ponto há semelhanças? O Sergio Moro tomou medidas completamente equivocadas do ponto de vista técnico e que acabaram sendo mantidas porque ele foi estrategista: usou a mídia em favor dele e, depois que estava forte, tomou as decisões do jeito que queria. Ao fazer isso, os tribunais, a começar pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região] e subindo para o STJ e para o Supremo, não tinham coragem de enfrentar a popularidade dele.

Acho muito problemático um protagonismo do juízo nas investigações de forma generalizada. Esse é um problema que vejo no Moraes. No Brasil não temos o juiz de garantias, porque o ministro Fux há mais de dois anos não libera para julgamento.

O juiz deveria se poupar dos atos investigativos, quem tem que investigar é o Ministério Público. Mas existe uma razão para isso. Talvez se tivéssemos uma PGR [Procuradoria Geral da República] mais atuante, não haveria necessidade de um ministro que precisasse assumir esse papel.

O novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o advogado criminalista Guilherme Carnelós
O novo presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), o advogado criminalista Guilherme Carnelós - Zanone Fraissat/Folhapress

O procurador-geral da República, Augusto Aras, teve como marcas de sua gestão a dissolução da Lava Jato e a inação diante do governo de Jair Bolsonaro. Como avalia essas condutas? Ele não deixa de ser um funcionário público e uma das regras do funcionalismo é que ele não pode tomar atitudes baseadas em posicionamento político. Não estou dizendo que foi o caso, mas, se ele recebe uma denúncia de um fato que necessita de apuração, ele tem obrigação de prosseguir, ainda que aquilo cause desconforto. Cabe a ele determinar à polícia que investigue.

Sobre a Lava Jato, não tenho como avaliar a atitude nem como ruim nem como boa, mas a operação tem fim. A Lava Jato foi o grande tribunal de exceção que a gente teve no país. Existe uma costura técnica feita pelo Sergio Moro e que o STF chancelou, mas é inimaginável, como um juiz de Curitiba pode julgar fatos de uma refinaria em Pernambuco sendo que a sede da Petrobras também não é em Curitiba, tudo por conta de um posto de gasolina. Foi o grande tribunal de exceção. Por esse motivo, dissolver a Lava Jato era uma providência urgente, não me entristece nem um pouco. Não sei dizer os motivos que levaram o Aras a fazer isso, mas a dissolução vem em boa hora.

Agora no Senado o ex-juiz Sergio Moro conseguiu apoio para desarquivar o projeto que prevê a prisão em segunda instância. Há chances dessa e outras pautas da operação avançarem no Congresso? A gente está com uma bancada super conservadora, com ícones da extrema-direita brasileira chegando ao Poder Legislativo, então há chances sim de avançar.

Quais são as pautas mais preocupam? A audiência de custódia por videoconferência. Tem uma proibição expressa no código de processo penal, mas desde a pandemia juízes se acomodaram porque é difícil sentir cheiro de preso. É difícil olhar cara a cara para o preso, só que faz parte da profissão.

É muito duro imaginar uma concordância com audiência de custódia de forma virtual quando ela foi concebida internacionalmente e trazida para o Brasil com o objetivo de coibir a tortura. Como alguém na cadeia, com uma câmera na frente e o teu algoz do outro lado, você vai contar para o juiz: ele me bateu. Tem que providenciar um ambiente seguro. Se não, é para inglês ver, não adianta nada.

De que forma a homofobia se manifesta no meio jurídico? É muito subliminar. Eu venho de um lugar de privilégio, tive pais que puderam me proporcionar estudo, a partir disso eu cheguei no escritório de advocacia, como estagiário. Mas a advocacia é um ambiente tradicionalista, patriarcal e homofóbico.

A advocacia criminal começa na delegacia de polícia, que é um espaço extremamente machista e homofóbico. Quando você acompanha um inquérito policial é natural uma aproximação. Você vai dez vezes para ver o mesmo caso, na primeira vez é "bom dia". Na segunda, já vem: "Bom dia, como vai?". E daí perguntam: "Qual é o nome da sua mulher?". Invento? Porque tenho uma aliança no dedo. Ou digo: não é uma mulher, sou casado com um homem e o nome dele é Dom Magri. E aí?

Graças a Deus consegui construir a minha vida e hoje, só hoje, dizer "não tenho mulher" e não completar o discurso. A pessoa fica olhando para sua aliança assim: como não? Deixa tirar as próprias conclusões, mas é muito difícil. Eu já inventei muito nome.

Já enfrentou discriminação a partir da sua resposta ou em outros diálogos? Nenhuma situação escancarada, mas é aquela coisa de você perceber comentários, ter que rir da piadinha de um escrivão: "Você é gay, você é gay que eu sei". A gente tem a homofobia estruturada, assim como o machismo e o racismo. É um ambiente hostil, impeditivo para que as pessoas vivam a identidade de forma plena.

E como avalia a atitude da OAB diante disso? A OAB Paulista tem uma comissão que trabalha essas questões, mas ainda precisa de letramento individual. Você como mulher não tem que me ensinar a não ser machista. Eu tenho que aprender a não ser e buscar esse letramento.

Eu tive a sorte de estar num ambiente em que eu tive uma pessoa que me acolheu. No interior de São Paulo é muito mais tradicionalista. Eu vivi no interior. Eu sei como as pessoas apontavam para o fulano que desconfiavam que era gay. Para um advogado assumir numa cidade de 45 mil habitantes que vai se casar com outro homem é bem difícil.

Um dos papeis da OAB, nesse sentido, é cobrar do Congresso a regulamentação do casamento gay, se bem que com essa bancada não vejo muita possibilidade de acontecer. Se não fosse o STF, hoje eu estaria em união estável. Eu queria dizer que eu era uma pessoa casada. Por que eu não posso? Por que meia dúzia de defensores da família falam que família é homem e mulher?

O critério da diversidade deveria ser considerado para futuras nomeações para o STF? Não tenho dúvida. Eu sou o primeiro presidente gay do IDDD e isso manda um recado para os advogados jovens. Quando vou a um evento, meu marido está comigo. Eu não tenho dúvida de que é importante a representatividade em qualquer lugar.

No Judiciário existe uma falta de conscientização para conviver com a diversidade? Existe. A diversidade gera medo, choca. Por que as pessoas chocam tanto com pessoas trans? Porque elas não convivem. Há o tema "Eu até tenho um amigo gay". Você convida esse amigo gay para frequentar tua casa? Você viaja com ele no final de semana ou você acha que ele vai olhar teu marido?

O que falta para ter um espaço respeitoso? Antes de tudo tem que haver um trabalho de conscientização muito forte. Uma campanha política não pode admitir que um candidato [Onyx Lorenzoni (PL)] diga que o Rio Grande do Sul vai ter uma primeira-dama de verdade. Se a campanha de conscientização não for 100% eficaz, tem que ter enfrentamento pelo Poder Judiciário, ainda que aquela pessoa tenha que modular o discurso só para não ser pega.


RAIO-X | Guilherme Ziliani Carnelós, 43

Presidente do IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, sócio do escritório Rahal, Carnelós, Vargas do Amaral e associado fundador do Innocence Project Brasil. É graduado pela PUC-SP e mestre em direito penal econômico pela FGV-SP.

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