Entenda o que decidiu o STF sobre prisão após 2ª instância

Corte finalizou o debate sobre questão que levou Lula à cadeia

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São Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que uma pessoa só pode começar a cumprir pena após o trânsito em julgado do processo (quando não cabem mais recursos, e a ação é finalizada).

Desde 2016, a corte considerava que um condenado podia ser preso (salvo as outras hipóteses de prisão cautelar previstas na lei) após sentença em segunda instância.

O entendimento anterior do Supremo levou à prisão figuras como o ex-presidente Lula (PT), condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Agora, a Justiça determinou que o petista deixe a prisão e aguarde o fim do processo em liberdade.

O julgamento teve placar de 6 votos a 5. Marco Aurélio, Ricardo Lewandoski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli votaram contra a prisão após segunda instância. Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia foram a favor.

Abaixo, entenda o que decidiu o Supremo e o que muda a partir de agora.

O que o STF decidiu?
Em 17 de outubro, o plenário do Supremo iniciou o julgamento sobre a constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.

Na pauta estavam três ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que pediam para o STF declarar constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz que ninguém pode ser preso exceto em casos especiais (veja abaixo) ou se houver sentença condenatória transitada em julgado (quando não é mais possível recorrer da decisão).

Por 6 votos a 5, o tribunal julgou os pedidos procedentes, e barrou a prisão após a condenação em segunda instância. Agora, é necessário aguardar o trânsito em julgado. 

Qual era o entendimento anterior?
Desde 2016, jurisprudência era que uma pessoa condenada em segunda instância já poderia começar a cumprir pena. 

Qual foi o placar no julgamento atual?
Foram cinco votos a favor da prisão após segunda instância (Fachin, Barroso, Moraes, Fux e Cármen Lúcia) e seis contra (Marco Aurélio, Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar, Celso de Mello e Toffoli). 

Quantas pessoas podem ser soltas com o novo entendimento do STF?
Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), 4.895 pessoas podem ser impactadas pela decisão, pois foram presas após terem sido condenadas em segunda instância.

Elas serão soltas automaticamente?
A libertação não é automática após o encerramento do julgamento no Supremo, e a saída da cadeia depende de pedidos de cada defesa ou de solicitações do Ministério Público aos juízes de execução penal, que administram o dia a dia das penas. 

É possível também que os juízes de primeira instância determinem a soltura sem serem provocados pelas partes. O juiz de primeiro grau pode ainda negar pedido de libertação argumentando que o acórdão com a decisão do STF ainda não foi publicado, mas esse posicionamento tende a ser derrubado nas cortes superiores.  

Todos os quase 5.000 presos terão direito à liberdade?
Não necessariamente. Em certos casos, a Justiça pode considerar que há justificativa legal para manter o réu preso (como risco à sociedade) de maneira cautelar.

Por que a Justiça autorizou Lula a sair da cadeia?
O processo pelo qual o ex-presidente cumpre pena, no caso do tríplex de Guarujá (SP), ainda tramita no Superior Tribunal de Justiça, que analisa recursos à condenação. De qualquer forma, o ex-presidente continua proibido de disputar eleições, ainda enquadrado nos critérios da Lei da Ficha Limpa (que proíbe a candidatura de quem tem condenação em segunda instância).

E os demais presos da Lava Jato?
Ao menos outros 12 presos da Operação Lava Jato no Paraná devem ser beneficiados e deixar a cadeia.

Quais são as instâncias do Judiciário?
A Justiça comum (ou seja, excluindo a Eleitoral, a do Trabalho e a Militar) é dividida da seguinte forma:

  • Primeira instância - Varas e juizados especiais estaduais e federais. Compostas pelos juízes de primeira instância
  • Segunda instância - Tribunais estaduais (como o TJ-SP) e tribunais regionais federais (como o TRF-4). São compostos pelos desembargadores (TJs) e por juízes federais de segunda instância (TRFs)
  • Superior Tribunal de Justiça - Composto pelos 33 ministros da corte
  • Supremo Tribunal Federal - Composto pelos 11 ministros da corte

Em que situações uma pessoa pode ser presa sem que o processo tenha transitado em julgado?
Há três possibilidades de prisão cautelar:

  • Prisão em flagrante - Quando a pessoa é flagrada cometendo um crime. Segundo a lei, o preso deve ser levado a um juiz, que decidirá se concede liberdade provisória ou se decreta a prisão preventiva
  • Prisão temporária - Ocorre quando o juiz entende que a prisão é necessária para o andamento da investigação policial. Tem prazo de 5 dias, renováveis por mais 5
  • Prisão preventiva - Ocorre quando o juiz entende que a prisão do suspeito é necessária para que ele pare de cometer crimes ou para garantir a ordem e a segurança. Pode ser decretada em qualquer fase do processo e não tem prazo

Um processo só transita em julgado quando passa por todas as instâncias da Justiça?
Não. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a maioria dos processos transita em julgado após a sentença na primeira instância. Uma ação só passa à instância superior quando uma das partes recorre e o tribunal entende que o recurso cumpre os requisitos para ser analisado. Se ninguém contesta a decisão dentro dos prazos cabíveis, a ação é encerrada.

Todos os recursos vão parar no STF?
Não. Apenas uma pequena parte dos recursos chega ao Supremo. Em uma estimativa, a cada mil casos julgados nas varas estaduais (primeira instância) em que cabe recurso, menos de 14 chegam ao STJ, e 1 vai ao Supremo.

A corte só analisa os casos que envolvem a Constituição, ou seja, só pode recorrer ao Supremo quem mostra que a sentença contestada pode ter contrariado os princípios constitucionais.

E quanto ao STJ?
O tribunal analisa os recursos contra decisões que possivelmente feriram leis federais.

O que diz a Constituição?
O artigo 5ª diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

O Congresso poderia aprovar uma lei legalizando a prisão após segunda instância?
Sim, e há movimentos nesse sentido. Seria necessário aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) alterando o texto da Carta.

Não há consenso, contudo, sobre a possibilidade de o trecho que trata do trânsito em julgado ser uma cláusula pétrea (que não pode ser mudada). Assim, é possível que, mesmo sendo aprovada uma lei, a discussão volte ao Supremo.

Quais os argumentos de quem é a favor da prisão após 2ª instância?
Defensores da medida afirmam que Carta deve ser interpretada de forma abrangente, e o sistema legal brasileiro foi estruturado para que a análise de provas ocorra apenas nas duas primeiras instâncias. A partir daí existem elementos para afastar a presunção de inocência

E os de quem é contra?
Dizem que a letra da Constituição não deixa margem para interpretações e só prevê a prisão após o trânsito em julgado.

Quanto tempo um recurso leva para tramitar no STJ e no STF?
Levantamento da Folha com recursos a decisões vindas de instâncias inferiores na área de direito penal mostra que a maior parte é finalizada em menos de um ano. Recursos que levaram mais de três anos em tramitação são raros: equivalem a um em cada dez dos analisados no STJ. No Supremo, não chegam a 5%.​

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