Procuradoria diz que comandantes militares sob Bolsonaro incentivaram atos golpistas

Em ação civil pública contra a União e outros, MPF cita nota na qual cúpula militar considerou as manifestações como exercício de liberdade de expressão

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Brasília

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio Grande do Norte propôs à Justiça ação civil pública contra a União por "conduta ativa e dolosa dos então comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica à época das manifestações e acampamentos antidemocráticos".

Segundo o documento, a cúpula militar estimulou a manutenção e continuidade dos acampamentos golpistas pelo país, incluindo o que foi montado em Natal, ao emitir nota em 11 de novembro de 2022 na qual considerava os atos dos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) que incitavam a animosidade contra os demais Poderes como legítimo exercício de liberdade de expressão e reunião.

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Apoiadores de Jair Bolsonaro fizeram acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília - Pedro Ladeira - 27.dez.22/ Folhapress

Os procuradores da República entenderam que a conduta dos então chefes das Forças foi "um episódio de politização militar em ofensa ao artigo 142 da Constituição".

Na ação, o MPF (Ministério Público Federal) argumenta que as condutas dos militares contribuíram para que ocorressem os atos golpistas de 8 de janeiro. O valor da ação é de R$ 5 milhões.

Pede que a União seja condenada a realizar cerimônia pública de pedido de desculpas, com ampla divulgação e participação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica e a realização de curso de formação aos militares de todo o país com o fim de revisitar os atos golpistas para enfatizar o respeito pelos integrantes das Forças Armadas ao Estado Democrático.

Além da União, a Procuradoria processa o deputado federal bolsonarista General Girão (PL-RN), o estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal.

O MPF diz que Girão usou as redes sociais "em claro abuso da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar, para encorajar condutas que atentavam contra a ordem democrática", inclusive a continuidade de acampamento montado em frente a uma unidade do Exército na capital potiguar.

As administrações estadual e municipal, por sua vez, são acusadas de omissão na proteção à democracia ao permitirem a manutenção de acampamentos golpistas.

Em nota enviada por sua assessoria, Girão classificou a ação civil pública de "flagrante perseguição política" e "caráter manifestadamente ideológico". O parlamentar afirmou repudiar qualquer "tipo de ativismo judicial e/ou censura".

"Destaca que como cidadão tem seu direito de manifestação garantido pelo art. 5º, IV da CF [Constituição Federal] , e demais dispositivos. Ressalta ainda que como deputado federal possui imunidade parlamentar, não podendo ser processado por qualquer opinião, palavra ou voto", afirmou.

Disse ainda no comunicado que "não irá se acovardar diante da tentativa intimidatória e que, ao bem da verdade, garante a chance dos procuradores corrigirem a petição que foi escrita com erros básicos que variam desde ausência de pedido de condenação do deputado, mesmo sendo citado no polo passivo do preâmbulo, até teses descabidas sobre danos morais coletivos".

A União, por sua vez, é representada pela AGU (Advocacia-Geral da União), atualmente comandada pelo ministro Jorge Messias, nomeado ao posto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

No comunicado a que se referiu a Procuradoria, divulgado quase duas semanas após a vitória de Lula, os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica abordaram os atos antidemocráticos realizados em diferentes pontos do país por bolsonaristas inconformados com a derrota nas urnas. O texto estava recheado de recados indiretos ao Judiciário.

"São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade", afirmaram.

A nota foi assinada pelo almirante Almir Garnier Santos (Marinha), pelo general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e pelo tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica).

Embora não sejam processados, os nomes dos três militares são citados na ação civil pública: "[a] União, por intermédio da conduta ativa e dolosa dos então comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, o general do Exército Marco Antônio Freire Gomes e o tenente-brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, respectivamente, estimulou a manutenção e continuidade dos acampamentos golpistas pelo Brasil".

Para os procuradores da República Victor Manoel Mariz, Emanuel De Melo Ferreira e Fernando Rocha de Andrade a iniciativa dos ex-comandantes demonstrou "politização inconstitucional das Forças Armadas e estimulou a manutenção dos atos antidemocráticos e golpistas em frente aos quartéis a partir do desenvolvimento da narrativa de que as eleições foram fraudadas, fomentando a busca pela quebra da ordem democrática".

Os representantes do MPF afirmaram que "as pessoas reunidas nesses acampamentos defenderam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a necessidade de uma intervenção federal, feita por militares, para ter-se um verdadeiro golpe de Estado".

"Tratou-se de reunião realizada por associação antidemocrática, não protegida pela liberdade de expressão e reunião, incitando animosidade entre Forças Armadas e Poderes constituídos."

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