Relatora da CPI do 8/1 cogita convocar Bolsonaro e militares e minimiza papel do governo Lula

'Se tiver que chamar todos eles, chamaremos', afirma a senadora Eliziane Gama à Folha

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Brasília

Relatora da CPI do 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirma que quer convocar militares e se debruçar sobre os episódios que ocorreram entre a derrota de Jair Bolsonaro (PL) e a invasão às sedes dos três Poderes.

Amiga do ministro da Justiça e ex-governador do Maranhão Flávio Dino (PSB), Gama diz que a CPI não vai poupar o governo Lula (PT), mas chama atenção para o papel do Governo do Distrito Federal —e afirma que há chances "reais" de Ibaneis Rocha (MDB) ser convocado.

"Se tiver que chamar todos eles, chamaremos", diz à Folha.

A senadora Eliziane Gama, relatora da CPI do 8/1, no plenário do Senado: 'A sociedade é machista. O parlamento é machista' - Gabriela Biló/Folhapress

A sra. não era a primeira opção do governo para a relatoria. Por que a sra. aceitou? Eu recebi uma ligação do partido na noite do dia anterior, perguntando se de repente a relatoria ficasse com o PSD, se eu toparia a relatoria. E eu falei: eu topo. Depois Jaques [Wagner] me ligou, Randolfe [Rodrigues].

Eu sou uma mulher que muito dificilmente eu consigo dizer não para aquilo que eu acredito. Eu jamais diria não, eu não dormiria bem. A minha vida sempre foi com muitos desafios. Um desafio dessa natureza, que é um desafio importante e legítimo, eu jamais diria não.

Um dos argumentos do governo contra a CPI é o de que a PF e o Judiciário já estão investigando. A CPI pode contribuir? Uma CPI tem um caráter de transparência e de envolvimento popular muito forte. Você tem um inquérito da Polícia Federal, mas você não sabe o que está acontecendo porque boa parte está em segredo de Justiça e tal.

[Na CPI] as oitivas são públicas, então você participa. De fato, nós já temos investigações em curso. Agora, quando você começar uma oitiva, quando você começar a conversar no plenário, e ouvindo o povo, automaticamente vai se chegar mais informações. Eu te digo isso pelo primeiro dia de CPI. No primeiro dia eu já recebi aqui no meu celular milhares de mensagens. Milhares de pessoas: ‘Olha, tem um vídeo para mandar. Você viu isso e tal?’ Então, já começa a chegar um volume de informação.

Quais compartilhamentos a sra. vai pedir? Dos inquéritos que já estão em curso e da CPI aqui de Brasília. Supremo e também PF. Vamos pedir pelo menos parte de informações.

O ministro Flávio Dino ligou para a sra. também? Não. Ele nem sabia. Ele soube depois pelas redes sociais. Não cheguei a conversar com o Flávio em nenhum momento. Depois de eleita, encontrei com ele no Maranhão e até brinquei com ele. Ele falou, até em tom de brincadeira: Eliziane, relatora, o povo está falando aí de mim, de ti, a gente não pode ser amigo. Ele começou a brincar. Ele nem sabia. Com sinceridade. Não havia conversa. Até porque eu nem estava tratando disso, como eu estou te falando.

Eu recebi um desafio do partido, não teve nenhum outro tipo de tratativa que envolvesse o Flávio. Muito embora eu seja absolutamente próxima do Flávio. É um fato, todo mundo sabe. É de conhecimento público isso né.

O senador Marcos do Val criticou essa proximidade com o ministro e disse que a sra. pode ser tendenciosa. Marcos do Val tem o direito de falar, como parlamentar que é. Ele pode espernear, mas não vai passar disso.

Inconstitucional seria eu sair da relatoria. Eu não sou investigada, eu não tenho nada que me dê impedimento de fazer os trabalhos na comissão. Outra coisa, nós estamos investigando o 8 de janeiro. Nós não estamos investigando aqui uma pessoa especificamente. Nós temos uma série de pessoas que serão ouvidas pela CPI, não é uma pessoa apenas.

Quais devem ser as primeiras pessoas convocadas? O dia 8, para ocorrer, você teve dias anteriores. Qual era o ponto principal que estava sendo debatido? Era a questão da não aceitação do resultado eleitoral.

Então, eu vou pegar o recorte do dia 31 [de outubro] ao dia 8 [de janeiro] para fazer uma investigação em torno disso. Então, você tem por exemplo o 12 de dezembro, que foi o dia da própria diplomação. Aquilo ali foram atos terríveis. Queima de ônibus e coisa parecida.

E o dia 24 [de dezembro], que foi uma tentativa de explosão. Em torno disso você tem uma série de situações. Quem estava, por exemplo, em relação ao comando do governo do GDF, porque tem a responsabilidade primária de proteção do espaço aqui da praça dos Três Poderes, muito embora cada um desses Poderes também tenha sua própria polícia.

Mas tem uma anterior que é a polícia daqui de Brasília. Você tem aí um orçamento de R$ 10 bilhões do Fundo Constitucional só para isso. Então a gente precisa levantar isso aí. E a gente vai focar no financiamento, que é um ponto muito importante.

A convocação de governadores foi uma questão na CPI da Covid e inclusive alguns conseguiram não vir por decisão judicial. A sra. acha importante ouvir Ibaneis Rocha? No caso do governador do GDF há uma possibilidade de fato, né? Há algumas definições em nível de Supremo, mas ele é investigado, o governador de Brasília. Tem uma diferença.

Por exemplo: no caso da CPI da Pandemia, a gente não chamou os governadores. Não havia, por exemplo, uma coisa mais materializada em relação a eles. Tem possibilidade, sim, [Possibilidade] real disso acontecer.

De ele ser convocado? De ele ser convocado.

Jair Bolsonaro disse que, se for convocado, ele vem. É uma possibilidade? Há possibilidade de ele vir. Isso é um fato. De novo, pode ser também que não venha. Nós temos 180 dias. Então eu acho que, nesses dois primeiros meses, é importante tomar pé da situação. O que você tem. E depois partir. Se tiver que fazer uma ação mais ostensiva, sim. Se tiver que chamá-lo, nós vamos chamar. Até porque é absolutamente possível disso acontecer, né?

E Anderson Torres? É um nome que também será ouvido. Até pela função dele. Naturalmente será ouvido. Até acredito que será logo. É um nome que será ouvido com toda certeza.

E os militares? A gente vai convocar militares. Isso aí com certeza a gente vai. Quais são também eu ainda não sei te dizer, mas teremos o chamamento.

A CPI da Covid evitou a convocação de militares. Quando fala de militar, você tem que ter um certo entendimento de que, até pela harmonia geral, você tem que ter muito equilíbrio nessas questões. Mas isso não inviabiliza, por exemplo, se alguém cometeu algum tipo de erro ou de ilegalidade, você chamar. De jeito nenhum. Até porque, se eu chamo um militar, não estou querendo dizer que o Exército todo é corrupto, que o Exército todo planejou.

Esse militar que planejou eventualmente ou financiou ou pensou intelectualmente pode ser retirado para ser ouvido. Pode ter certeza disso. Não significa que sejam as Forças Armadas brasileiras.

E como a sra. avalia a atuação do governo federal? Veja bem. Omissão, eventualmente, a gente tem que saber de quem foi. Se omite quem tem responsabilidade de fazer e não fez. Mais uma vez eu te digo: se tiver alguém que deveria ter agido dentro da estrutura do governo atual e não agiu, ele tem que ser responsabilizado. Agora, dizer hoje que isso é real, eu não posso dizer. Até porque eu não tenho elementos que me subsidiem [nesse sentido].

Dia 8 é um fato. Você teve sete dias de governo só, estava no oitavo dia. Outra coisa. A segurança ostensiva é da Polícia Militar. A Polícia Federal, por exemplo, é uma polícia judiciária, ela não faz o trabalho ostensivo. Quem faz o trabalho de proteção daqui é a PM do DF. Tanto que ela é financiada pelo governo federal. Quer dizer, se não fosse, se fosse uma polícia comum, tudo bem. Mas não é o caso. Ela é paga para isso.

E os acampamentos? Pois é, os acampamentos estavam montados na porta do Exército desde o dia 31 [de outubro]. Eu pergunto para vocês: vocês conseguem fazer uma manifestação na porta do Exército? Montar um acampamento lá hoje? Quem consegue ir para a porta do Exército hoje e fazer uma manifestação contra quem quer que seja? Como é que se deu essa complacência?

"Eliziane, então você está dizendo que as Forças Armadas fizeram um complô, um conluio?" Não, eu estou dizendo que, eventualmente, se alguém fez, alguém tem que ser responsabilizado.

A sra. tem sido uma das principais vozes do Congresso na defesa do direito das mulheres e na denúncia do machismo. Há aliados nessa pauta? Acho que hoje as mulheres estão coesas nesse sentido. Os homens falam às vezes que apoiam, mas a gente vê poucos, na verdade, nesse embate, nessa luta. Por exemplo, o próprio presidente da CPI [da Covid], que era o Omar Aziz, fez uma briga muito intensa para que a gente tivesse a nossa fala.

Agora mesmo a indicação [do meu nome]. Quando estava lá o burburinho, a confusão, ele chegou lá e deu um grito: vai ficar uma mulher, vai ficar a Eliziane. Tem homens que nos ajudam nessa pauta. A gente tem qualidade técnica para assumir o cargo que a gente quiser. O problema é que às vezes a oportunidade não vem.

A sra. acha que os homens podem se dar ao luxo de abrir mão desses cargos? Sim, com certeza. Nós mulheres, não. Por que eu não aceitaria [ser relatora]? Porque alguns homens abriram mão né. Mas as mulheres não. A gente agarra as oportunidades.

O Congresso acaba de esvaziar os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Como a sra. avalia isso? A gente continua travando as mesmas batalhas que a gente travou quatro anos atrás. Porque a gente pode ter mudado o governo, mas a composição do Congresso continua muito ruim do ponto de vista ambiental. No Congresso Nacional, não mudou. A bancada ruralista está muito forte.

E nós temos um desafio muito grande, que é suplantar as pautas negativas que eles apresentam. Você pega a Comissão do Meio Ambiente aqui. A gente perde. A Comissão de Agricultura. A gente perde. Tem que ter uma articulação muito forte do governo federal para evitar que isso ocorra.


Raio-X | Eliziane Gama, 46

É líder do bloco formado por PSD, PT e PSB no Senado, coordenadora da bancada ambientalista e relatora da CPI do 8 de Janeiro. Foi líder da bancada feminina e uma das interlocutoras de Lula com evangélicos durante a campanha. Jornalista, foi deputada estadual duas vezes e deputada federal antes de ser eleita senadora, em 2018

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