Descrição de chapéu Governo Tarcísio

Bolsonaro e Tarcísio têm 1ª crise pública, e aliados avaliam sequelas

Reforma tributária e inelegibilidade aprofundam racha entre ex-presidente e governador

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São Paulo

Jair Bolsonaro (PL) e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), expuseram uma crise pública nesta quinta-feira (6) em meio à articulação da reforma tributária e no momento em que o ex-ministro é cotado como herdeiro político do ex-presidente, que está inelegível.

A defesa da aprovação da reforma colocou Tarcísio na mira de Bolsonaro e de parte da bancada do PL, que entendem que essa agenda é de Lula (PT) e, portanto, deve ser combatida. Como mostrou a Folha, o desentendimento ficou explícito em reunião do PL em que Tarcísio foi hostilizado.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em formatura de policiais, em São Paulo - Zanone Fraissat - 2.jun.23/Folhapress

Pela primeira vez, a artilharia digital do bolsonarismo se voltou de forma contundente contra Tarcísio, que vive a difícil missão de encabeçar uma gestão não ideológica, mas sem perder o apoio do seu padrinho Bolsonaro.

Os principais aliados de Bolsonaro, como Fabio Wajngarten e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), fizeram uma série de publicações para criticar Tarcísio, como noticiou a coluna Painel, da Folha, ironizando sua declaração, feita ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), de que era 95% a favor da reforma.

O governador foi chamado de traidor nas redes –diversos posts resgatavam uma foto sua ao lado de Lula. Desde que se mudou para o Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio tem buscado uma relação cordial com o governo federal.

Tarcísio está em Brasília desde terça (4) para tratar da reforma, mas sua atuação a favor da aprovação tem sido ignorada em suas redes sociais.

Na reunião do PL, o governador ainda ouviu de Bolsonaro que não tem experiência suficiente. Para deputados, a opinião do ex-presidente compromete a posição de Tarcísio como líder da direita para a eleição de 2026.

"O Tarcísio não tem, com todo respeito, a experiência política que muitos de vocês têm", disse Bolsonaro aos deputados ao lado do governador.

Para evitar lançar um sucessor e manter-se no holofote, o ex-presidente tem dito, desde que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) o tornou inelegível, que a direita tem bons nomes, mas que ele é mais experiente. Tarcísio, por sua vez, também desvia da posição de presidenciável.

Após a decisão do TSE, o governador chegou a homenagear Bolsonaro em um tuíte. "A liderança do presidente Jair Bolsonaro como representante da direita brasileira é inquestionável e perdura. Dezenas de milhões de brasileiros contam com a sua voz. Seguimos juntos, presidente", escreveu.

No encontro desta manhã, Bolsonaro disparou: "Ontem, muita gente ficou chateada com o Tarcísio, até eu".

O governador foi interrompido e interpelado pelos deputados. "Eu tô tentando explicar", disse. "Acho arriscado a direita abrir mão da reforma tributária porque... Tudo bem, gente, se vocês não acham a reforma tributária importante não vota", completou.

Para Tarcísio, a direita não pode "perder a narrativa" de ser favorável à reforma tributária. "Porque, se não, a reforma acaba sendo aprovada e quem aprovou?", questionou. "Vamos perder a narrativa da reforma tributária?", segue ele, ao que os deputados respondem "sim".

"Gente. A grande questão é construir um bom texto", disse Tarcísio. Bolsonaro, então, o interrompe: "Se o PL estiver unido, não aprova nada" —recebendo aplausos de seus correligionários.

Nas redes, deputados bolsonaristas, como Nikolas Ferreira (PL-MG), se manifestam contra a reforma. "Não farei parte disso", tuitou.

Michelle Bolsonaro também cobrou voto contrário e atacou o PT em seu discurso na reunião. "Muitas vezes escuto as pessoas falarem que eles não estão sentindo esse espírito de oposição pelos nossos parlamentares. [...] A gente não quer ouvir que o deputado do PL é melancia", disse.

Tarcísio de Freitas e Fernando Haddad após reunião sobre a reforma tributária, em Brasília - Diogo Zacarias - 5.jul.23/Ministério da Fazenda

Bolsonaristas ouvidos pela reportagem afirmam que é cedo para falar em rompimento entre Bolsonaro e Tarcísio, mas ponderam que o racha pode caminhar para esse desfecho. Na opinião deles, o governador tem que aprender a ser oposição ao PT, principalmente se quiser se cacifar para a eleição presidencial.

Interlocutores do ex-presidente já vinham enumerando uma série de críticas a Tarcísio e prevendo que a lua de mel duraria pouco —eles cobravam sobretudo identidade do governador com a direita e críticas dele a Lula.

Auxiliares de Tarcísio admitem haver preocupação de que seu eleitorado radical o abandone, mas defendem o que veem como uma posição de diálogo do governador em prol do que ele crê ser melhor para o país.

Em entrevista à Jovem Pan, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse não haver divisão na direita e afirmou que o clima entre Bolsonaro e Tarcísio antes da reunião foi amistoso. Segundo o senador, Bolsonaro e Tarcísio disseram um ao outro que não iriam brigar. "Tarcísio é um grande quadro de direita, conservador, liberal, aliado e leal a Bolsonaro."

Outros deputados minimizaram o episódio. Rosana Valle (PL-SP) diz que "os ânimos ficaram alterados", mas que não deve haver rupturas. "O Tarcísio quer dar o melhor como governador e defende o que acredita. Ele e Bolsonaro conversaram antes, chegaram juntos."

O deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos) afirma que não houve desentendimento. "Creio que está faltando somente um pouco mais de conversa. A direita está passando por um amadurecimento que é positivo para todos."

Marcos Pereira, presidente do Republicanos, defendeu Tarcísio e afirmou ao Painel que Bolsonaro está fazendo "oposição por oposição".

Parlamentares dizem ainda que Tarcísio saiu desmoralizado do encontro. O deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) foi um dos que discursou atacando o governador.

"Um dos que mais apanhou fui eu, porque justamente estava em um dos ministérios cujo objetivo é enfrentar a esquerda. É muito mais fácil, sem nenhum demérito ao trabalho que foi feito, fazer estrada, ponte e ferrovia do que combater a esquerda", disse em referência a sua atuação no Ministério do Meio Ambiente e de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura.

Salles disse ainda que "ninguém outorgou ao Tarcísio o direito de falar em nome dos deputados do PL" e que São Paulo "não tem um governo de direita".

As rusgas entre Tarcísio e bolsonaristas vêm crescendo desde a vitória do ex-ministro em 2022.

Apesar da cobrança de deputados radicais por cargos e participação no governo, Bolsonaro mantinha seu apoio ao afilhado e argumentava que era preciso ajudar Tarcísio diante dos desafios que a gestão de São Paulo impõe.

A leitura de deputados bolsonaristas é a de que Gilberto Kassab (PSD), secretário de Governo, tem influência no Palácio dos Bandeirantes, enquanto Bolsonaro não.

A série de gestos de Tarcísio ao centro e o fato de não adotar pautas da direita radical também incomodavam aliados, a ponto de gerar crises com a base do governador na Assembleia Legislativa.

Deputados fiéis a Bolsonaro, como Gil Diniz (PL), Lucas Bove (PL) e Major Mecca (PL) se ausentaram, no mês passado, na votação de empréstimos para viabilizar a implantação do Trem Intercidades, plataforma de Tarcísio. O governo chegou a não ter número suficiente de deputados na primeira tentativa de aprovar a matéria.

A reforma tributária, no entanto, colocou criador e criatura em lados opostos. No último dia 26, Bolsonaro esteve em São Paulo, onde reuniu a bancada do PL no estado para pregar contra a aprovação do texto.

Cinco dias depois, no domingo (2), foi a vez de Tarcísio reunir a bancada paulista em um jantar no Palácio dos Bandeirantes em que defendeu a aprovação da reforma, desde que alguns pontos fossem alterados. Já em Brasília, na quarta (5), o governador recuou em suas críticas após se reunir com Haddad e outros governadores.

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