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Tuítes em que Flávio Dino critica o sistema eleitoral são reais, mas antigos

Posts feitos em 2009 e 2013 estão sendo usados por adversários do ministro que, hoje, defende o processo de votação brasileiro

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São Paulo

É verdade que o ministro Flávio Dino (PSB) publicou tuítes que criticavam o sistema eleitoral brasileiro, como verificado pelo Projeto Comprova. Em um post no Instagram, o deputado federal Coronel Meira reproduz publicações com críticas ao sistema eleitoral feitas por Dino entre os anos 2009 e 2013.

Algumas mensagens foram postadas por Dino dentro de períodos eleitorais de eleições suplementares nos anos de 2009 e 2013, como em Minas Gerais, mas nenhuma delas foi publicada em períodos eleitorais do Maranhão, estado de Dino. Eleições suplementares são novos pleitos convocados pelos tribunais eleitorais em razão de indeferimento de registro, cassação de diploma ou perda do mandato de candidato eleito.

Parte das críticas apresentadas pelo ministro, que hoje defende o sistema eleitoral brasileiro, foi feita com base em evidências compartilhadas à época pelo especialista Diego Aranha, que participou do TPS (Teste Público de Segurança) do TSE em 2012 e divulgou, em um evento com participação de Dino, as fragilidades encontradas por sua equipe.

Flávio Dino aparece do ombro para cima. Está de camisa social branca, gravata e paletó escuros, segurando microfone. Ele usa óculos. Ao fundo, um painel azul com algumas letras (dá para ler a letra E apenas)
O ministro Flávio Dino em evento em São Paulo - Zanone Fraissat - 22.mai.2023/Folhapress

Aranha é professor e pesquisador na área de criptografia e segurança computacional. Atualmente, o pesquisador considera não haver evidência de fraude nas eleições e afirma que as vulnerabilidades detectadas por ele há uma década foram corrigidas.

"Observo ainda que não poderia ser diferente, e que o objetivo de um pesquisador em segurança é exatamente este: que vulnerabilidades sejam corrigidas", afirmou o professor ao Comprova.

Comprovado é o fato verdadeiro, o conteúdo original publicado sem edição ou a localização ou evento confirmada pela apuração do Comprova.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 12 de julho, o post de Meira tinha mais de 10 mil curtidas e 817 comentários.

Já a conta no Twitter do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que também publicou uma imagem com as postagens feitas por Flávio Dino criticando as urnas, reunia 1,5 milhão de visualizações, 58,3 mil curtidas, além de 3,6 mil comentários.

No perfil do Facebook da deputada federal Bia Kicis (PL-DF), a postagem registrava 4,9 mil curtidas, 615 comentários e 3,2 mil compartilhamentos.

Como verificamos

O primeiro passo foi uma busca no Twitter e no Google por termos como "Flávio Dino", "críticas", "urnas", "auditoria" e "voto impresso". A opção de busca avançada foi utilizada para incluir as datas das publicações de Dino na rede social.

Após a identificação dos tuítes na conta do ministro, o Comprova entrou em contato com a assessoria do TSE. Também contatou o professor Diego Aranha, citado nos tuítes de Dino, e o Coronel Meira, responsável pelo post verificado.

Durante todo o processo de apuração, o Comprova solicitou ao Ministério da Justiça esclarecimentos sobre as publicações de Flávio Dino, mas não obteve retorno até a conclusão desta verificação.

Os tuítes

As mensagens usadas no post feito pelo Coronel Meira no Instagram, foram, de fato, publicadas no perfil de Flávio Dino em 2009, 2012 e 2013. A postagem de Meira afirma ainda que alguns dos tuítes de Dino foram publicados em período eleitoral, o que também é verdadeiro, embora essas eleições fossem suplementares e nenhuma delas tenha sido realizada no Maranhão.

Um post foi publicado no dia 12 de agosto de 2009, e outros dois, em 8 de novembro de 2013, quando 11 municípios de diferentes estados se preparavam para eleições suplementares. Em Minas Gerais, segundo os calendários eleitorais de 2009 e 2013, as convenções partidárias ocorreram a partir de 5 de agosto e 23 de outubro, respectivamente. Já o tuíte de 2012 usado pelo parlamentar foi publicado em ano de eleições municipais, mas fora do calendário eleitoral.

Na publicação, o deputado federal Coronel Meira (PL-PE) cita "penas aplicadas recentemente", referindo-se ao julgamento de Jair Bolsonaro (PL), e diz que solicitou "que a Justiça Eleitoral proceda com a devida punição para este sujeito que atentou, sob o ponto de vista do STF, contra a institucionalidade brasileira".

Até esta quarta-feira, 12 de julho, os tuítes antigos de Dino ainda podiam ser visualizados.

Na época da primeira publicação – agosto de 2009 –, Flávio Dino era deputado federal pelo PCdoB no Maranhão. No ano anterior, havia disputado a prefeitura de São Luís (MA), mas não fora eleito, permanecendo como parlamentar. Já no período das demais publicações —maio de 2012 e novembro de 2013—, Dino ocupava o cargo de presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) no governo Dilma Rousseff (PT). Em 2010, havia perdido as eleições para governador do Maranhão, sendo eleito para o cargo em 2014 e reeleito em 2018.

Observação: Maurício Treviso, cujo nome também aparece em um dos tuítes antigos compartilhados, é um usuário que levanta questionamento respondido por Dino, não um perito como Aranha.

As críticas

No tuíte publicado em 2009, o então deputado federal defende "alguma auditoria", que seria viabilizada pelo voto impresso, em uma parcela das urnas. Naquele ano, ele foi relator do projeto de lei 5498/2009, que sugeria mudanças eleitorais, e acolheu uma emenda do PDT que previa auditoria independente do software mediante sorteio de 2% das urnas eletrônicas de cada zona eleitoral. As máquinas sorteadas deveriam ter seus votos em papel contados e comparados com os resultados do boletim de urna. Mais tarde, o texto aprovado e sancionado foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em entrevista à Veja publicada em maio de 2021, Dino comenta sobre essa emenda: "De lá para cá a tecnologia evoluiu muito, inclusive com biometria".

O segundo tuíte é de 2012. Já à frente da Embratur, Dino responde a questionamento de um usuário do Twitter, afirmando que uma pessoa que tem acesso "ao controle das urnas eletrônicas" pode "facilmente alterar o resultado".

Já em 8 de novembro de 2013, o perfil do atual ministro da Justiça publicou que as urnas eram "completamente inseguras e suscetíveis a fraudes". Na ocasião, Dino participava, no Recife, como presidente da Embratur, de um workshop intitulado "Eleições Digitais: desafios tecnológicos e jurídicos".

O evento ocorreu em 8 de novembro de 2013 e foi promovido pela Ufpe (Universidade Federal de Pernambuco), FGV (Faculdade Getulio Vargas) e pelo Centro de Tecnologia C.E.S.A.R. O encontro contou com a participação do especialista Diego Aranha, cujas conclusões foram citadas por Dino no post.

Publicações em período eleitoral

De acordo com a jurisprudência do TSE, o período eleitoral tem início a partir da realização das convenções partidárias.

Em 2009, o ministro Flávio Dino publicou mensagem no Twitter no dia 8 de agosto. Nesse período, a resolução nº 768, de 14 de julho de 2009, estabeleceu que as convenções partidárias para a eleição suplementar na cidade mineira de Conceição do Mato Dentro ocorressem entre os dias 5 e 11 de agosto.

No ano de 2013, Dino postou críticas no dia 8 de novembro. Os estados de Minas Gerais, Goiás, Pará, Rio Grande do Sul, Ceará, Alagoas e São Paulo realizaram eleições suplementares em cidades do interior no dia 1º de dezembro de 2013. Citando como exemplo a cidade de Água Boa, em Minas, a resolução TRE-MG Nº 928, de 8 de outubro de 2013, definiu a data de início das convenções partidárias a partir do dia 23 de outubro.

Portanto, as postagens do ministro foram publicadas em períodos eleitorais nos anos de 2009 e 2013.

Diego Aranha sobre o sistema eleitoral

Em um dos posts antigos de Flávio Dino usados por Meira, o atual ministro da Justiça afirma que o professor Diego Aranha "conseguiu provar a vulnerabilidade das urnas". Na época, em 2013, Dino participava do workshop em Pernambuco "Eleições Digitais: desafios tecnológicos e jurídicos", que contava com uma apresentação de Aranha.

O Comprova procurou Diego de Freitas Aranha, doutor em Ciência da Computação e professor associado da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, para que retomasse as conclusões de dez anos atrás e esclarecesse seu posicionamento atual a respeito das urnas e do sistema eleitoral.

Pesquisador na área de Criptografia e Segurança Computacional, Aranha participou dos TPS do TSE como coordenador de equipes em 2012 e 2017. Na edição de 2016 do TPS, desempenhou o papel de observador pela Sociedade Brasileira de Computação.

Em 2012, ano anterior à publicação de Flávio Dino, Aranha detectou vulnerabilidades no software de votação. Uma delas, segundo o pesquisador, representava risco ao sigilo do voto.

"Devido às restrições do processo à época, só em 2017 pudemos verificar que aquela vulnerabilidade havia sido propriamente corrigida, quando tivemos acesso novamente ao código-fonte do sistema", explica o pesquisador ao Comprova. "O TSE alega ter corrigido a vulnerabilidade antes das eleições de 2014, o que parece plausível", completa.

Também no TPS de 2012, a equipe de Aranha descreveu outras fragilidades nos mecanismos de integridade do software de votação, que, mais tarde, em 2017, seriam demonstradas experimentalmente. "Essas mesmas vulnerabilidades foram mitigadas em 2018 e, finalmente, tratadas propriamente antes das eleições de 2022, após aquisição de novas urnas com suporte em hardware aos recursos necessários."

O pesquisador ressalta que, antes das últimas eleições, pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e da Ufpa (Universidade Federal do Pará) realizaram um conjunto exaustivo de testes, na tentativa de reproduzir os ataques demonstrados em edições anteriores do TPS. "Esses esforços não obtiveram sucesso em repetir os ataques", conclui.

Diante do compartilhamento dos tuítes antigos que o citam, o professor passou a ser cobrado nas redes sociais por uma manifestação atual sobre o tema. No último ano, Aranha rebateu eleitores do ex-presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro que usavam seus estudos e declarações sobre as urnas para endossar a narrativa de fraude eleitoral. "Não há evidência de fraude", declarou, em entrevista à BBC News Brasil.

Ao Comprova, o pesquisador reforçou as declarações que concedeu ao veículo de comunicação e frisou que, apesar de considerar insuficiente o nível de transparência das eleições eletrônicas realizadas no Brasil, isso não significa que haja evidências de fraude em pleitos anteriores, como alegava, sem provas, Bolsonaro. "Meu posicionamento sobre a ocorrência de fraudes tecnológicas em larga escala em eleições anteriores continua inalterado: não há evidências que corroborem a hipótese."

Avanços e desafios

Aranha também destacou as melhorias feitas nos últimos dez anos pelo TSE, que tornaram o sistema mais robusto contra atacantes externos e acrescentou, sobre esse ponto, que seu posicionamento foi sendo atualizado em paralelo às adequações feitas pelo Tribunal.

Por outro lado, elencou fragilidades que, segundo ele, ainda precisam ser superadas. "Persistem lacunas de segurança e transparência que podem fragilizar o processo contra atacantes internos sofisticados, que supostamente integrariam a Justiça Eleitoral e, portanto, poderiam ter acesso privilegiado", avaliou.

Outra preocupação do pesquisador diz respeito à dificuldade de auditoria independente nos resultados produzidos pelo sistema. Para ele, isso dá espaço a alegações arbitrárias sobre suposta fraude eleitoral, oportunidade explorada por políticos de ocasião, motivo pelo qual segue defendendo a implantação de um mecanismo de verificação do registro do voto por parte do eleitor, sem violação do sigilo.

"Sobre isso, houve um protótipo promissor da impressão do voto, produzido por técnicos do TSE, que não chegou a ser experimentado na prática. Há ainda um convênio com pesquisadores para projetar uma solução a longo prazo, apesar de não estar claro quando sua implantação definitiva será possível", finalizou.

Condenação de Bolsonaro

No dia 30 de junho, o Plenário declarou, por maioria de votos (5 a 2), a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, contados a partir das eleições de 2022.

Foi considerada a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho de 2022. Durante o encontro, Bolsonaro fez uma apresentação com alegações falsas sobre o sistema eleitoral e ataques aos ministros do TSE. A reunião foi transmitida pela TV Brasil.

Ao proclamar o resultado do julgamento, o presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que o encontro promovido pelo ex-presidente teve interesse em instigar o seu eleitorado e outros eleitores indecisos contra o sistema eleitoral e contra as urnas eletrônicas. "Não são opiniões possíveis, são mentiras fraudulentas", disse Moraes.

O que diz o responsável pela publicação

À reportagem, o coronel Meira lembrou que existem diferentes implicações em eventuais crimes ocorridos dentro e fora do período eleitoral. Segundo ele, o ministro Flávio Dino não teria atacado apenas uma vez o sistema eleitoral e "o momento da crítica estaria dentro de uma agenda estabelecida pela Legislação Eleitoral".

O parlamentar concorda que qualquer pessoa poderia criticar o sistema eleitoral sem que isso seja considerado um ataque, mas conclui a resposta citando que "existem réus conservadores por críticas ao sistema eleitoral". Diante disso, ele acredita que ao menos "o princípio da isonomia deva ser respeitado, e o mesmo entendimento seja aplicado para todos os brasileiros, independentemente de sua etnia, religião, origem ou cor partidária".

O que podemos aprender com esta verificação

Postagens antigas, sem o devido contexto, podem gerar desinformação. Neste caso, procuramos confirmar a veracidade das alegações de um post que viralizou nas redes sociais e explicar o contexto das informações utilizadas na postagem. Também consideramos necessário mostrar as mudanças no entendimento dos atores envolvidos sobre o processo eleitoral e as urnas eletrônicas nos mais de dez anos que se passaram desde que os tuítes de Flavio Dino foram publicados.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já verificou outros conteúdos que viralizaram nas redes sociais envolvendo o nome de Flávio Dino. Já esclareceu que o ministro não eximiu o governo de combater armas ilegais, ao contrário do que é dito nas redes sociais; que ele não se reuniu com criminosos; e que homens dançando ao som de "Infiel" não são ministros de Lula.

A investigação desse conteúdo foi feita por Portal Norte, Grupo Sinos e Jornal do Commercio e publicada em 13 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, UOL, Estadão, Poder360, Plural, SBT e SBT News. 

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