Em 5 pontos, entenda esquema sob Bolsonaro para desvio de joias, segundo a PF

Ex-presidente usou estrutura do governo para desviar presentes de alto valor, disse Moraes com base na investigação

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São Paulo e Brasília

Uma operação da Polícia Federal trouxe à tona, segundo as investigações, um esquema de desvio de joias recebidas como presentes de autoridades estrangeiras pela Presidência da República no mandato de Jair Bolsonaro (PL).

A PF fez buscas contra aliados próximos ao ex-presidente e aponta Bolsonaro como suspeito de ter montado um esquema para isso durante o seu mandato. Ele, junto da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, tiveram seus sigilos fiscal e bancário quebrados.

Entenda, em 5 pontos, a operação e as suspeitas da Polícia Federal.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - Danilo Verpa - 25.jul.2023/Folhapress

1) Qual o foco da investigação?

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirma que investigações apontam a suspeita de que Bolsonaro utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor oferecidos a ele por autoridades estrangeiras. As afirmações no ministro se baseiam em relatório da PF.

Moraes diz que os dados analisados indicam a possibilidade de o órgão responsável pela análise e definição do destino de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao presidente da República, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, "ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro".

A PF ainda aponta, diz Moraes, "indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do GADH/GPPR [o gabinete de documentação]".

Segundo a investigação da PF, em 30 de março, ocasião em que representantes de Bolsonaro reclamaram de procedimentos do TCU, auxiliares do ex-presidente concluíam as providências para reaver todo o material evadido do país para, então, entregá-lo ao Estado brasileiro.

Na prática, Bolsonaro simulou um atrito burocrático com o TCU para ganhar tempo e resgatar as joias anteriormente levadas aos Estados Unidos.

2) Voo presidencial

As investigações identificaram que Bolsonaro e auxiliares retiraram do país, no avião presidencial, pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado.

A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera do último dia de mandato de Bolsonaro, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).

Foram levados três itens para avaliação e venda no país. Um era o conjunto com joias e relógio da grife Chopard, anunciado pela Fortuna Auction com preço estimado de US$ 120 mil a US$ 140 mil, ou seja, de cerca de R$ 611 mil a R$ 713 mil, conforme a cotação da época. O leilão foi aberto no começo de fevereiro, mas não houve compradores.

Os outros itens são relógios, um Rolex e um Patek, vendidos por um valor de R$ 333 mil. Frederick Wassef, um dos advogados de Bolsonaro, precisou comprá-lo novamente após manifestação do TCU (Tribunal de Contas da União) para devolução ao patrimônio público.

"Os recursos, então, seriam encaminhados em espécie para Jair Messias Bolsonaro, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente
para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes, conforme informado pela Polícia Federal", diz o ministro Moraes em sua decisão.

"A investigação identificou, portanto, até o momento, que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente da República em viagens
internacionais."

3) Quais são os alvos da operação

Entre os alvos está o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Além dele, as buscas da PF incluem Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência.

O nome da operação da PF desta sexta, "Lucas 12:2", é uma alusão ao versículo 12:2 da Bíblia, que diz: "Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido".

Wassef disse, em nota, estar sendo "alvo de mentiras" e negou participar do esquema de venda de joias. Dias depois, mudou o tom em entrevista coletiva para jornalistas, confirmou que comprou o relógio nos Estados Unidos e disse que a decisão foi pessoal, sem participação de Bolsonaro ou Mauro Cid.

Após isso, a PF localizou o advogado em um restaurante na zona sul de São Paulo e realizou uma busca pessoal, revistando o carro de Wassef e, segundo apuração da Folha, apreendendo mais de um aparelho celular.

Já a defesa de Mauro Cid, composta por Cezar Roberto Bitencourt, deu declarações confusas e divergentes sobre a atuação do militar e a de Bolsonaro na venda de joias. Ele disse à revista Veja que Cid confessaria a venda das joias a mando do presidente. No dia seguinte, negou se tratar dos itens.

4) Qual a origem da investigação?

A PF tem investigado o caso desde março passado. Bolsonaro e Mauro Cid, por exemplo, prestaram depoimentos sobre as joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita em outubro de 2021.

Naquela ocasião, um militar que assessorava o então ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) tentou desembarcar no Brasil, após viagem ao Oriente Médio, com artigos de luxo na mochila. Como não tinham sido declarados, os bens foram apreendidos pela Receita Federal —o caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo em março.

Como mostrou a Folha, o ex-mandatário chegou a discutir o assunto com o então chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes em dezembro de 2022.

Um segundo pacote, que inclui relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário, todos também da marca suíça de diamantes Chopard e depois entregues a Bolsonaro, estava na bagagem de um dos integrantes da comitiva e não foi interceptado pela Receita, como mostrou a Folha.

Um recibo oficial registrou a entrega desse segundo conjunto à Presidência em novembro de 2022, para compor o acervo pessoal do ex-presidente.

5) O que Bolsonaro já disse sobre o caso?

A defesa de Bolsonaro afirmou que o ex-presidente coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades e que ele "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos" e, que ele "voluntariamente" pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) em março deste ano a entrega de joias recebidas "até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito".

O próprio ex-presidente disse querer esclarecer o caso "o mais rápido possível", e que não ordenou a venda de nenhum item. "Ele [Mauro Cid] tem autonomia. Não mandei ninguém vender nada. Não recebi nada", afirmou.

Quando o caso veio à tona, Bolsonaro disse, inicialmente, não ter pedido nem recebido qualquer tipo de presente em joias do governo da Arábia Saudita. Segundo ele, dois ou três dias depois da retenção dos artigos, a Presidência notificou a alfândega de que as peças deveriam ir para um acervo.

Em depoimento dado à PF, o ex-presidente afirmou ter tido conhecimento sobre as joias apreendidas na Receita 14 meses após o ocorrido. Segundo a defesa, após saber do caso, em dezembro de 2022, Bolsonaro buscou informações para evitar um suposto vexame diplomático caso os presentes fossem a leilão.

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